O que os brasileiros pensam da ciência?

Outra coisa legal foi o aumento significativo na participação de mulheres na pesquisa: 52% das bolsas de mestrado e 50% das de doutorado foram concedidas a mulheres, que ainda propuseram 41% dos projetos submetidos à agência no período. A agência foi de uma transparência impar e inédita na sua prestação de contas.
Mas o mais interessante foram os dados da pesquisa da percepção da C&T, feita com mais de 2000 pessoas em todo Brasil no final de 2006 (veja na integra aqui ). A última pesquisa do gênero havia sido feita há mais de 20 anos atrás (veja aqui também). Foram entrevistadas 2.004 pessoas, de 16 Estados brasileiros. Do total, 854 pessoas da região Sudeste; 557 da região Nordeste; 293 do Sul; 155 da região Centro-Oeste; e 145 do Norte. Todos os jornais do país publicaram alguma coisa sobre ela e eu vou publicar também.
A pesquisa aponta que a televisão é o meio mais usado para conhecer a ciência: 15% dos entrevistados dizem ver com freqüência programas que tratam do assunto (esse número não é baixo?). Os jornais e as revistas vêm em seguida, com 12% cada. E o quarto meio, com 11%, vejam só, é a conversa entre amigos! A internet fica em quinto, com 9%. Pelo visto o meu blog não contribúi muito :-(.
Apenas 4% já foram alguma vez a um museu de ciência. A principal desculpa, dada por 35% dos participantes, é que não existe nenhum na região onde moram (31%, “não tem tempo para ir” e 22% “não está interessado”). A verdade é que nossos museus de ciência não são capazes de atrair nem quem nem quem nunca foi a um. Se você já tiver ido ao museu da ciência de Londres ou o de história natural de NY… aí fica ainda mais complicado. Ainda assim, apenas 28% visitaram o jardim zoológico, jardim botânico ou parque ambiental; 25%, uma biblioteca pública; 13%, feira de ciências ou olimpíadas de ciências ou de matemática; 12%, museu de arte.
Quando estimulados a responder sobre o nível de interesse que têm sobre ciência, 41% disseram ter “muito interesse”. Quando o assunto é política, esse número cai para 20%.
Parece que esse mesmo número, 41% dos consultados, acha que o país está numa posição intermediária nas pesquisas científicas em relação a outros paises. E que a ciência trás mais benefícios que malefícios à sociedade.
Quando perguntadas sobre os assuntos científicos de maior interesse, 36% responderam informática 35% adoram notícias de novas descobertas da ciência e 30% notícias sobre novas tecnologias. Isso me sugere que as pessoas continuam sem entender o que é ciência, mas adoram o principal fruto dela: tecnologia!
Entre uma lista de nove temas que ia de moda a religião, “medicina e saúde” alcançou a média mais alta sendo considerada muito interessante por 60% dos participantes. Em seguida meio ambiente. Ciência ficou em sexto lugar, na frente de arte, cultura e moda; mas atrás de religião (mas pau a pau com esporte). Política, hehehehe, veio em último lugar. O ministro, que vê a falta de espaço na mídia como um dos fatores para a pouca divulgação científica, deu uma alfinetada nos jornais, dizendo que eles “deveriam manter espaços diários sobre o assunto. Seriam muito mais lidos que as fofocas do Congresso.”
Mas as notícias não são tão boas quanto parecem. Mais da metade dos 2004 entrevistados disseram ter pouco ou com nenhum interesse em ciência e tecnologia. Deles, 37% responderam que a falta de interesse se dá pelo fato de não entenderem o assunto. Mas 24% dizem não ter tempo para isso. O ministro Sergio Rezende disse que “a sociedade brasileira não tem percepção de quanto a ciência é importante”. Continuou: “Espero que a criação da TV pública crie outras oportunidades além da programação das novelas. A TV pública terá importante papel educacional e na divulgação da ciência.” Mas como eu já havia dito aqui, o ministro completou que “o imprescindível é investir em educação científica nas escolas. O ensino de ciências é enfadonho!”
Outra razão deve ser essa: 27% dos entrevistados apontaram os jornalistas como fonte de informação científica mais confiável. Logo em seguida vêm os médicos com 24% e os cientistas que trabalham em universidades vêm só em terceiro lugar, com 17%. Acreditem, os religiosos alcançaram 13%. Os políticos… 1%. Aparentemente, nem na Europa, os jornalistas não detêm uma confiança tão grande da população. Como eu leio as seções científicas dos jornais e sei que eles se “enganam” muito, isso me preocupa.
Ildeu de Castro Moreira, responsável pela pesquisa, concluiu que “o ensino de ciências precisa melhorar bastante e temos de aumentar a qualidade da divulgação científica na mídia e em outros meios, como museus. Claro que ninguém tem obrigação de gostar de ciência, mas tenho certeza de que esses números vão melhorar quando o ensino ficar mais atraente”.
PS: Para quem quiser saber mais sobre o assunto, dia 2 de maio, às 14h, no Auditório do Museu da Vida na Fundação Oswaldo Cruz haverá uma mesa redonda com a presença do organizador da pesquisa apresentando seus resultado.
A Ciência Jovem do Rio de Janeiro
(carta publicada no Jornal da Ciência e no JC e-mail 2975, de 15 de Março de 2006).
Da relatividade de Einstein à estrutura do DNA de Watson e Crick, as mais brilhantes descobertas científicas do século XX foram realizadas por pesquisadores com menos de 40 anos de idade.
No Brasil, Carlos Chagas tinha apenas 31 anos quando descreveu a doença que recebeu seu nome. César Lattes tinhas apenas 23 anos quando participou da descoberta do méson pi, uma subpartícula do átomo. Ainda antes dos 40, Rocha e Silva e Pacheco Leão fizeram avanços enormes, respectivamente, na farmacologia e neurobiologia.
Os fatos não são mera coincidência, trata-se de uma das fases mais produtivas da carreira de um cientista. Apesar disso, agências de fomento possuem poucos programas que efetivamente apóiam o pesquisador em início de carreira.
Atualmente, a Fundação Carlos Chagas Filho de Apoio à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) possui três programas voltados para jovens pesquisadores: o Auxílio Instalação, Primeiros Projetos e o Jovem Cientista do Nosso Estado.
Embora iniciativas importantes e algumas inéditas até então no Brasil, esses programas apresentam financiamentos insuficientes, onde os repasses são excessivamente fracionados ou carecem de continuidade.
O “Auxílio Instalação” é destinado a jovens doutores já inseridos no mercado de trabalho e aptos a iniciar suas atividades em uma instituição científica sediada no estado.
A proposta é interessante, mas nos moldes atuais apresenta-se ineficiente, já que poucos cientistas estão instalados até dois anos após o término do doutoramento, como exige o edital.
Nos últimos cinco anos, somente 90 pesquisadores receberam tal auxílio. Além disso, o valor oferecido (R$ 5.900,00) é irrisório frente às necessidades de um pesquisador iniciando suas atividades profissionais.
Uma forma alternativa de aplicar recursos de tal ordem seria a criação de um “auxílio publicação”, através do qual o jovem pesquisador precisaria apresentar resultados antes de solicitar os recursos, que seriam aplicados em experimentos pontuais, necessários à finalização de uma determinada publicação.
O programa “Primeiros Projetos” foi a proposta da nova Diretoria da Faperj para remediar a falta de apoio aos jovens pesquisadores. Entretanto, o edital apresentava critérios de elegibilidade muito amplos e não trazia definição clara do que viriam a ser “primeiros projetos”. Com isso, cientistas já estabelecidos, detentores de linhas de pesquisa próprias e em andamento, foram também contemplados.
Dos 1.135 candidatos, mais de 50% tinham idade superior a 40 anos. Apenas 1/4 desses projetos (277) foram aprovados. Os valores médios de R$ 25.000,00, apesar de ainda baixos, estavam de acordo com a faixa de recursos oferecidos pelo CNPq em editais como o Universal. Entretanto, até o momento somente 3/4 dos recursos foram repassados aos contemplados.
O programa “Cientista Jovem do Nosso Estado”, criado a partir da sugestão de jovens pesquisadores da UFRJ, fornecia auxílio mensal destinado à manutenção de laboratórios de pesquisa.
Esse programa, muito bem recebido pela comunidade científica, beneficiou em torno de 300 pesquisadores, todos com até 40 anos de idade. Mas, infelizmente, não houve continuidade e somente dois editais foram lançados desde sua criação em 2000.
A consolidação do estado como centro de inovação tecnológica e desenvolvimento industrial é apenas viável na presença de uma sólida malha de recursos humanos capacitados a gerenciar o conhecimento produzido.
Para isso, é crítico o investimento em pesquisa em áreas básicas e aplicadas na tentativa de dar suporte às diversas linhas, intimamente associadas à C&T, que vem encontrando ressonância no estado como metalurgia, siderurgia, biotecnologia, fármacos, software, dentre outras.
Jovens cientistas são fundamentais para atender a demanda crescente dessas áreas e para fortalecer a Ciência e Tecnologia do estado frutificando em novos serviços, produtos e empregos e, em última instância, melhorar a qualidade de vida da população do Rio de Janeiro.
A ciência fluminense é capaz de sobreviver a vários percalços devido à construção, nos últimos 30 anos, de uma massa crítica consistente. Entretanto, a falta constante de apoio ao jovem pesquisador pode impedir o crescimento e comprometer o investimento feito ao longo desses anos.
É urgente uma reestruturação dos programas de apoio a cientistas recém-estabelecidos, evitando-se a pulverização de recursos.
O novo Conselho Superior da Faperj acaba de tomar posse, formado por quatro representantes do governo estadual e apenas um representante das entidades de pesquisa.
A participação de jovens pesquisadores no Conselho poderia incrementar a representação da comunidade científica na Faperj e contribuir para a criação de formas mais eficientes de apoio a pesquisadores em início de carreira, permitindo sua inserção definitiva na ciência fluminense.
Assinam:
Mauro Rebelo, Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, UFRJ
Stevens Rehen, Instituto de Ciências Biomédicas, UFRJ
Milton Moraes, IOC-Fundação Oswaldo Cruz
Marcelo Einicker Lamas, Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, UFRJ
Jennifer Lowe, Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, UFRJ
Quem tem medo da gente?
O pós-graduando (PG) vive em um limbo. De onde, ao que parece, não quer sair.
Ou talvez, como na Divina comédia, que nesse caso me parece mais trágica que cômica, no purgatório.
Começa por sua situação profissional, já que, com mais formação que 99,99% da população brasileira e beirando a casa dos 30 anos, um aluno de doutorado ainda não é considerado capaz de gestir sua própria formação, a escolha de sua linha de pesquisa e seus experimentos. E certamente passa por sua situação transitória, já que com bolsas de 2-4 (5, 6, 7, 8…) anos, e sem vinculo com as instituições onde trabalha, hoje ele está aqui, amanhã… A situação se estende a recém-doutores, Pos-docs e afins. A “Casta” que de elegantemente denominamos “Os Jovens cientistas”
Sua auto-estima é lapidada por uma bolsa que não é compatível com o seu nível de formação e nem com o nível cultural que dele se espera. Seu caráter é deformado um documento de dedicação exclusiva que tem que assinar e que certamente vai ter que fraudar para dar aula em universidades particulares, representar produtos de laboratório, consertar computadores, fazer horóscopo ou vender sanduíche na praia (afinal, não é apenas depois que se torna professor que se tem aluguel pra pagar, tanque pra encher e filhos pra sustentar). Sua esperança é frustrada por um possível e irrisório aumento de 10% para o próximo ano.
“Você ainda não é um cientista, precisa completar sua formação”, dizem seus orientadores e professores. “Você não é mais um estudante” dizem seus pais. “Você não é nada” acaba acreditando.
Apesar disso o PG existe. Está inserido dentro de um contexto científico e tem um papel importante. Talvez o papel mais importante. Não precisamos repetir as estatísticas que mostram o quanto à produtividade dos institutos de pesquisa está relacionada com o numero de pós-graduados, ou o quanto à ciência brasileira cresceu com a crescente escassez de recursos devido a manutenção das bolsas de PG, ou o quanto um instituto cresce quando cria e investe em PG.
E por que os próprios alunos não conseguem enxergar isso? Não podemos esquecer que o PG não está só, não é o único desestimulado e, às vezes, desesperado. Os professores, pesquisadores e chefes de laboratório também estão. Porem, infelizmente, a noção de que o pupilo tem que superar o mestre, por que é assim que avança a ciência e o mundo, aqui não vale. O sistema social cientifico brasileiro é formado por um número de “castas” muito bem definidas e a forma de manter a auto-estima é sair pisando de cima pra baixo. “Manda quem pode, obedece quem tem juízo” diz a máxima.
Mas um sistema subversivo também é desestimulante e destruidor, e é necessário criar um efeito ilusionista pra manter seus membros felizes e produtores. Professores se apegam a suas vaidades científicas por que é o único que lhes resta. Conquistas cada vez menores são comemoradas com cada vez mais euforia. E chegaremos a ponto de comemorar a compra de reagentes ou mais um ano sem que o laboratório tenha fechado. Na base do sistema de “castas”, aos pós-graduandos resta pisarem uns nos outros. “A tese dele é repetida”, “Eu tenho dois escravos de iniciação científica”, “Eu tenho 1,37 trabalhos publicados, 1,25 quase aceitos e 2,62 submetidos e 3,47 em preparação, e você?”; “Alô?! É da CAPES?! Queria denunciar um PG que dá aula!”; “O simpósio deles é um fracasso”. Pequenas perversões. Pequenas tiranias. Os prazeres do inferno. A saída mais fácil que acaba se tornando o caminho natural pra quem não quer ficar no purgatório.
Mas tem gente que não pensa assim. Que não acredita no paraíso, mas nem por isso quer viver no purgatório. E nem ir pro inferno. Gente que prefere abrir os olhos, encarar o pesadelo e acordar. Que alem do trabalho no laboratório ainda encontra tempo e um mínimo de altruísmo, para organizar um evento que pode trazer benefícios pra todos. Gente que deveria ser um exemplo a seguir, mas que vira uma pedra no caminho dos “prazeres do inferno”. “Good girls go to heaven, bad girls go everywhere”, mas ninguém foi ao simpósio.
“Ser tolerante é cansativo. Ser crítico é muito mais divertido” escreveu recentemente Bruce Horny. Um “prazer infernal”. Um valor que está sendo passado pela “casta” que aprova seus próprios projetos, que se confere suas próprias bolsas de produtividade, que avalia seus próprios artigos, que festeja suas pequenas vitórias.
A questão é que ninguém tem medo dos jovens cientistas. Enquanto continuarem na base de um sistema que privilegia a “casta” mais que a capacidade, por mais importância que tenham, não representam uma ameaça a ninguém. Já que parece impossível mobilizar os jovens cientistas e organizar uma “rebelião” contra o sistema de castas da ciência brasileira, cabe a eles, quando chegar a sua vez, dizer NÃO a esse sistema, e quem sabe assim, começar a contribuir para verdadeiro progresso da ciência no Brasil.