Diário de um Biólogo – Domingo 11/05/2008

Nos próximos dias, se encerram 3 editais importantes para financiamento de pesquisa. Dois são editais apenas para jovens cientistas, uma iniciativa pelos quais eu e meus amigos temos lutado muito. Desde que eramos jovens…

Mas não posso deixar de notar no que se transformou minha atividade científica. Entre as aulas que tenho que dar, provas e trabalhos para corrigir, teses para ler, teses para corrigir, teses para avaliar, e os muitos editais por ano que temos que responder para conseguir dinheiro para sustentar o laboratório, praticamente não sobra tempo para fazer pesquisa

O pior é que o dinheiro dos projetos também não é suficiente para sustentar um laboratório, assim como o tempo para escrever os projetos. Então estou me tornando um mestre em “corte e costura” de projetos para poder atender a todos os editais. E todas as necessidades dos meus alunos.

Que venham os resultados!

Alguma coisa está fora da ordem

No Globo de ontem, duas notícias me chamaram atenção e me lembraram a música do Caetano.


Primeiro foi o lançamento, anteontem, do maior engôdo dos últimos tempos: o Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, o REUNI. Explico o porquê do engôdo. Depois de anos de esquecimento, as universidades federais do pais estão sucateadas. É uma triste realidade, mas convido qualquer um, você leitor querido, o ministro da educação ou o presidente Lula; a fazer uma visita as instalações do meu, que é um dos mais respeitados e produtivos institutos de pesquisa do país.

Na semana passada, realizamos o encontro presencial do curso de capacitação de gestores da e-TEC, a escola técnica aberta do Brasil. Como eu sou coordenador do curso, procurei realizar todas as atividades do encontro presencial na UFRJ, porque acreditava que teríamos tudo que fosse necessário a mão. Ledo engano. O laboratório de informática da biblioteca não possuia computadores em rede, os banheiros do auditório da decania do CCS não eram limpos há 15 dias e os participantes, quase 100 professores de escolas técnicas de todo Brasil, tiveram de segurar a bexiga enquanto eu falava e transpirava, porque o auditório também estava com o ar-condicionado quebrado.

Posso ainda lembrar do recente evento dos funcionários da Light (distribuidora de energia elétrica do Rio de Janeiro) adentrado os corredores da reitoria para cortar a luz, já que a conta não era paga há meses. O índice de roubo de carros na cidade universitária é um dos maiores do Rio e o bandejão vem sendo empurrado com a barriga há pelo menos dois anos. O próprio secretário estadual de C&T do Rio, Alexandre Cardoso, no seu discurso de posse, mostrou-se indignado com a situação do reitor da UFRJ, Aloísio Teixeira, cuja maior preocupação é a de pagar a conta de luz. No ano passado, uma aluna se queimou com ácido em um acidente causado pela queda de um garrafão de água destilada. Não foi o suporte que prendia o garrafão na parede que cedeu. Foi a parede!

Nesse contexto, o governo propõe as universidades um aumento de 20% da verba, condicionado a inclusão da universidade no REUNI: um pacote de medidas que visam aumentar a produtividade da universidade. Criar mais vagas, mais cursos, aprovar mais alunos etc. Tudo muito correto, muito bonito e muito inviável. Por uma razão simples: os 20% a mais no orçamento não são suficientes nem para recuperar o sucateamento dos últimos 10-15 anos, quanto menos para criar os 36 novos cursos e 3.350 novas vagas que o programa prevê.

Com água pelo nariz e prestes a se afogar, sob o peso de forte pressão política, o reitor não tem opção a não ser aceitar o pacote de medidas para ter os 20% na mão. Ele não pode se dar ao luxo de discutir seriamente a proposta e o REUNI é enfiado goela abaixo da comunidade academica encadernado em papel 180 gramas.

Não tem como funcionar. Mas pelo menos não vai funcionar com 20% a mais de verba para o reitor. É isso que a comunidade academica reluta em entender. e por isso que estão todos reclamando do pacote no Globo de ontem. Os 20% são um paleativo. O reitor assinaria qualquer coisa para tirar a água do nariz e deixá-la no queixo. O MEC sabe disso, assim como sabe que as propostas são impossíveis. Se isso vai ser usado lá na frente contra a própria universidade, eu não sei. E parece que o reitor não quer saber também. Afinal, ele tem uma conta de luz pra pagar.

Como fazer, em meio a esse caos, para estimular jovens professores e pesquisadores, inovadores, produtivos e cheios de energia, a ficarem no Brasil? Não dá! E o que o governo faz para reverter essa situação? Essa é a segunda reportagem: suspende as bolsas de doutorado pleno no exterior.

O drama da CAPES é a evasão de cérebros. Quando um aluno vai fazer o doutorado pleno no exterior, fica pelo menos 4 anos fora. As pessoas lá fora não são mais inteligentes do que nós, mas em geral tem mais dinheiro e melhores condições de vida e de trabalho. Durante 4 anos fora trabalhando duro, são poucos aqueles que mantém um vínculo acadêmico-político (esse último tão importante quanto o primeiro) com universidades ou outras insitituições de pesquisa no país. E vocês sabe; quem não é visto, não é lembrado. Quando termina o doutorado, como convencer alguém a voltar ao Brasil para ser desempregrado (real, porque não consegue emprego, ou funcional, quando consegue um sub-emprego onde não tem condições de trabalho)?

É verdade que muita gente sabe disso até mesmo ANTES de sair do país. E que se assina um termo de compromisso que voltará ao país, e blá, blá, blá. Mas é bom lembrar que nenhum, NENHUM, programa de recém-doutores da CAPES ou do CNPQ sobreviveram para entrarem no segundo edital. Todos pereceram antes. E pelos mesmos motivos: falta de dinheiro e falta de vontade política para criar uma política de longo prazo de C&T para o país. E pelo visto, não é o PAC da C&T que vai solucionar essa pendenga.

Há mais de 20 anos, o Brasil investe em pós-graduação sem investir em infra-estrutura nas universidades e centros de pesquisa. É isso que está fora da ordem. E agora, com um monte de doutores desempregados funcionais, continua sem querer investir em infra-estrutura. Afinal, é mais fácil suspender as bolsas de doutorado pleno no exterior do que enfrentar o congresso para acabar com o contingenciamento de recursos para C&T no Brasil.

Deu na CBN

Depois da reportagem na Folha de São Paulo, a Rádio CBN que fez um entrevista comigo no Domingo as 12:15h sobre as dificuldades para importação de material para pesquisa no país. Quem estava na praia, pode ouvir a entrevista aqui. Ontem o editorial da Folha de São Paulo novamente chamou atenção para o dia-a-dia Kafkiano dos cientistas importadores. A luta continua!

Quem é você?


Tem uma frase do Mário Quintana que eu acho incrível. “Buscas a perfeição? Não sejas vulgar. A autenticidade é muito mais difícil!”

E é mesmo.

Da perfeição eu já desisti há muito tempo. Como a autenticidade veio de fábrica, eu corro atrás da originalidade. Bem, não sempre. Não procuro originalidade nos passos de dança. E olha que eu adoro dançar. Olho pro lado, é bacana, eu copio. Não fico em casa bolando novos passos de dança. Mas quando você é um cientista… dá tudo por uma idéia original.

Mas que isso, invisto grandes quantidades de tempo na busca da idéia original. Minha mente nunca se desliga. Tem um monte de gente, em um monte de empregos, que bateu 17h podem ir pra casa e não pensar mais naquilo. Mas o meu não desgruda de mim nunca. Sou cientista 24h por dia, 7 dias por semana. É tanto açúcar que o cérebro queima pensando, que eu tenho que compensar enchendo a cara de macarronada. A minha forma de recuperar o combustível (só que depois dos 30 é mais difícil se livrar das reservas, quando elas se formam).

Quando tenho uma idéia nova, original, sento e escrevo. Sempre fiz isso. Mas nem sempre funcionou. Na verdade, pouquíssimas vezes funcionou.

Uma das razões para não ter funcionado, eu descobri, também a duras penas, é que originalidade apenas não basta. Para que sua originalidade seja reconhecida você precisa de uma de duas coisas: genialidade ou credibilidade. A genialidade também vem de fábrica, mas é muito rara e eu não fui um dos contemplados. A credibilidade, essa a gente tem que conquistar, em geral, matando um leão por dia.

O resultado é muitas vezes frustrante. Por que? Porque não basta ter a idéia e guardá-la para você. Você tem que saber comunicá-la e muitas vezes, executá-la. Para saber comunica-la você precisa ter educação, o que elimina grande parte da população do processo criativo (se já não tivessem sido eliminadas antes). Para poder executa-la você precisa de recursos, o que elimina outra grande parte. A maior parte das idéias originais morre na cabeça do seu criador. Mas acontece que nos somos muitos. Quase 6 bilhões. Na verdade muito mais, porque competimos com todos aqueles cérebros que já existiram. Uma idéia não é original se alguém pensou nela junto com você, um pouco antes (10 min) ou muito antes (500 anos atrás). Somos um tipo de 6 bi! (a exclamação, na matemática, pra quem não lembra, é o símbolo do fatorial). Uma idéia original acaba escapando. Alguém escreve.


Mas chega o próximo desafio. Alguém tem de ler. Sem uma platéia, um comunicador está mudo. A busca por uma platéia pode exaurir um pensador. É um conselho desestimulador, mas, se você busca uma idéia original, busque antes uma platéia. Tente também conquistar algum reconhecimento e credibilidade. Essas três coisas você consegue se for um repetidor esforçado e competente. Porque se você é daqueles revoltados com o sistema, que não gosta de “jogar com a bola dos outros”, pode ser que não tenha ninguém pra jogar quando conseguir a sua própria bola.

Eu acho que tive algumas boas idéias até hoje. Observei a natureza das coisas, vi o que era, vi o que não era, e tive um vislumbre de como poderiam, ou como deveriam ser.

Coloquei no papel. Mandei até para uma revista. Mas foi rejeitada. Não sabiam quem eu era. Tudo bem, pode ser que eles só não achassem uma boa idéia. Mandei então para outra revista. Eles também não acharam a idéia boa. Depois mandei para muitas outras revistas. Um revisor, uma vez, disse que era uma boa idéia, mas que era inócua. Não ajudava a resolver nenhum problema. Descrevia o problema de uma forma mais correta, mas não ajudava a resolve-lo. Então aprendi que uma idéia original precisa, além de tudo, de ser útil. Mas isso é no caso especial de você não ter credibilidade nem reconhecimento. Nesse caso, quanto maior a utilidade, maior a probabilidade da sua idéia original vingar.

Com o tempo, paramos um pouco de investir na comunicação de algumas idéias. Cansa. De vez em quando tentamos dar uma espanada nelas, para ver se alguma nova estratégia de comunicação aparece, alguma utilidade não vislumbrada. Mas em geral, nada e acabamos investindo em novas idéias.

Um dia o reconhecimento virá. E vem mesmo. Só que para outro. Descobrimos nossas idéias originais publicadas por um outro com maior habilidade de comunicação, senso de utilidade, público, credibilidade, reconhecimento e… um editor.

No meu caso, terminei de ler um livro essa semana que resume grande parte dos pensamentos da minha vida científica que eu achava originais: “A tripla Hélice” de Richard Lewontin. Pelo menos ele é um cara realmente foda!

Nos resta a o gosto amargo da vitória sobre todos os revisores que algum dia disseram que sua idéia não era boa. Ela era (ainda que você talvez é que não fosse)! Nessa hora, o único consolo pode ser pensar que nenhum deles consegue dançar forró.

Dia-a-dia Kafkiano dos cientistas

Vocês já devem saber que eu não gosto de publicar aqui coisas que saíram em outro lugar. Mas como a “Folha de São Paulo” restringe o acesso do site aos assinantes do jornal (e do UOL), eu vou colocar pra vocês o artigo que publiquei hoje com o prof. Stevens Rehen (o Bitty). Sim, porque ser cientista também é ter que passar pelo “Processo”, mas não deveria ser.

Folha de São Paulo, segunda-feira, 07 de janeiro de 2008

É difícil importar material científico no Brasil
MAURO REBELO e STEVENS REHEN


Somente uma ação coordenada será capaz de viabilizar o desembaraço ágil de produtos essenciais ao progresso científico do Brasil


PAÍSES QUE investem em ciência precisam agregar pesquisadores com habilidades técnicas, criatividade e motivação. No caso dos profissionais brasileiros, acrescenta-se uma dose cavalar de paciência à sua lista de predicados.

Um levantamento realizado pela FeSBE (Federação de Sociedades de Biologia Experimental) em parceria com a SBNeC (Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento) indica que, no Brasil, um cientista espera,em média, quatro meses pelo desembaraço alfandegário de
insumos essenciais ao exercício de sua profissão. Se trabalhasse no exterior, aguardaria 24 horas.

Durante o anúncio do Plano de Ação da Ciência e Tecnologia (o “PAC da Ciência”), o presidente Lula instituiu o prazo de 45 dias para que os ministérios da Ciência e Tecnologia, da Fazenda, da Saúde e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior disciplinem o desembaraço
aduaneiro simplificado na importação dos bens para pesquisa. Às vésperas de 2008, a Receita Federal baixou instrução normativa que estabelece “sinal verde” para importações feitas por pesquisadores vinculados ao CNPq (Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento).

Faz sentido, já que são compras realizadas quase exclusivamente com dinheiro público e de forma bastante controlada. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) também apresentou resolução que dispõe sobre o tema. A proposta está disponível para consulta pública na internet.

São notícias que merecem comemoração, principalmente a iniciativa da Anvisa, apontada no levantamento da FeSBE/SBNeC como grande responsável pela demora no desembaraço de material para pesquisa. Entretanto, o processo de importação de bens científicos é tão complexo que ações não coordenadas podem agravar ainda mais o já kafkiano dia-a-dia dos cientistas importadores.

O objetivo das normas é determinar prioridade na liberação, o que já seria esperado pela própria natureza perecível da maioria dos produtos requisitados pela comunidade científica. Fato que nunca se traduziu em desembaraço rápido.

O processo começa com o preenchimento de uma licença de importação no Siscomex (Sistema de Comércio Exterior). Cada produto a ser importado tem um código, a nomenclatura comum do Mercosul (NCM). A partir das informações contidas na NCM, o Siscomex define os órgãos fiscalizadores para cada item importado. Essas informações, por sua vez, são fornecidas pelo Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados), vinculado ao Ministério da Fazenda. Como o Serpro classifica as diferentes mercadorias não está claro.

A proposta da Anvisa é bem-intencionada, mas não contempla questões relacionadas à NCM e ao Siscomex. Mesmo com o novo regulamento, não é possível, por exemplo, discriminar reagentes utilizados em seres humanos daqueles específicos para camundongos e ratos, mas estes
últimos, em tese, não precisariam da anuência da agência. Também é comum um mesmo produto precisar da anuência de mais de um órgão, o que acarreta sobrefiscalização e
estende o tempo de espera.

Para complicar ainda mais, os benefícios previstos pela nova determinação só se aplicam a bens transportados por encomenda tradicional (via Siscomex) ou pelos Correios. Serviços de entrega expressa não podem ser acionados, apesar de serem a principal maneira de transportar material
científico em todo o mundo. Paradoxalmente, mesmo que os Correios do Brasil fossem
tão rápidos quanto os serviços expressos internacionais, não poderiam ser utilizados para a maioria dos casos. A autoridade mundial do setor não permite o transporte de
substâncias perecíveis, 70% da demanda da comunidade científica brasileira.

Tão importante quanto um novo regulamento técnico para a importação de material para pesquisa em saúde é a necessidade de treinamento adequado dos fiscais da Anvisa, além da criação, pela Receita Federal, de entrepostos que permitam desembaraço em 48 horas, com instalações capazes de estocar as cargas importadas pelos cientistas, incluindo células e animais.
Para que se cumpra o prazo estipulado pelo presidente na resolução desse imbróglio, mais do que um “PAC da Ciência”, será necessário um pacto pela ciência envolvendo
todos os órgãos subordinados ao governo federal. Somente uma ação coordenada será capaz de viabilizar o desembaraço ágil de produtos essenciais ao progresso científico brasileiro.

Acordo de cavalheiros


O livro que eu estou terminando de ler (“O quadrante Paster” de Donald Strokes), discute uma questão complicada: a Utilidade da ciência.

Como assim a utilidade? Como negar os benefícios da ciência para a humanidade? Difícil. As evidências são tantas que apenas um organismo muito doente ou muito motivado poderia refutá-las. Por que então a dificuldade?

O cientista americano Vannevar Bush, que não é parente de nenhum dos dois presidentes Bush, foi conselheiro científico de Roosevelt e Truman durante a segunda guerra. Ao final do conflito, ele escreveu um documento chamado “Ciência, a fronteira sem fim” (Science, the endless frontier), aonde ele estabelecia a existência de duas ciências: uma básica, onde os cientista deveriam ser livres para escolher e conduzir seu tema de pesquisa; e outra aplicada, que se alimentaria desse fluxo de novas informações para transformá-las em conhecimento e tecnologia. É de Bush a idéia de que a ciência básica alimenta a tecnologia.

Para esse sistema funcionar, era necessário um acordo entre a sociedade (o governo) e a academia (a comunidade científica). Os cientistas desenvolveriam a ciência que em última instância geraria a tecnologia e aumentaria a qualidade de vida da sociedade. A sociedade paga a conta. O governo deveria se responsabilizar por financiar esse modelo científico de liberdade de escolha e ação do pesquisador. Era a única forma desse modelo funcionar. Não te parece razoável? Bush tinha um excelente argumento nas mãos: a ciência é que tinha ganho a guerra para os EUA. E depois que eles ganharam aquela, não queriam correr o risco de perder outras (ainda que tenham perdido e continuem perdendo). O modelo de Bush era razoável e o governo dos EUA topou o acordo. O modelo foi rapidamente aceito por outros governos, em outros locais do mundo e a ciência foi se sistematizando. O homem chegou a Lua, parecia que o modelo estava realmente correto.

Muitos anos depois, a sociedade não está mais satisfeita com esse acordo. Existem três razões principais: A primeira, é um acordo caro! A segunda, é que a sociedade se distância cada vez mais da ciência porque essa, por sua vez, está cada vez menos acessível à sociedade. Ninguém gosta de pagar uma conta alta sem saber direito o porquê. Em terceiro, parece que o modelo está incorreto.

Boa parte da tecnologia atual não veio, diretamente, de uma idéia da ciência básica. Essa falha no modelo começou a aparecer no final do século passado. Alguns estudos mostraram que os grandes benefícios vieram de iniciativas diferentes da ‘ciência aplicada’, baseadas em um modelo de pesquisa ainda mais antigo que o de Bush. O modelo de Pasteur. Nesse modelo, a aplicação da ciência move o objetivo científico. Uma ciência direcionada, onde a aplicação prática move o objetivo científico e ao alcançar esse objetivo, o cientista contribui de forma contundente com o avanço (e acúmulo) do conhecimento.

Fazer ciência básica virou fazer ‘qualquer coisa’. O cientista é uma pessoa diferenciada pela sua capacidade de observação. Observar, identificar, hipotetizar, testar, reportar e explicar. Mas também é humano. Isso quer dizer que pode errar nesse processo, mas pior do que isso, pode deixar o processo científico, que deveria ser amoral como a natureza, ser influenciado por crenças e emoções. A pior coisa que pode acontecer à um cientista é se tornar tendencioso. E como mostra Ioannidis no seu fabuloso artigo ‘porque a maior parte das pesquisas publicadas são falsas’ (Why most published research findings are false) os cientistas se tornaram tendenciosos. Muitos deles adeptos da crença no Deus Dinheiro e na Santa Indústria de Fármacos.

Os cientistas começaram a focar nas respostas (número de artigos publicados, número de projetos aprovados, de teses defendidas, de patentes registradas) e foram perdendo a habilidade mais peculiar à atividade científica: fazer boas perguntas! Uma leitora fã do Zen e um amiga fã do Jostein Gaarder já falaram disso esse ano pra mim e tenho cada vez mais pensado no assunto: Uma boa pergunta é mais importante que a resposta!

Temos que voltar a fazer boas perguntas. E temos de ensinar nossos alunos que o mais importante são as perguntas. Pra isso, vamos ter de trabalhar o conceito de utilidade. Um conceito que também só se define de forma completa à luz da estatística. Mas isso fica para o próximo texto.

Cuidado com o Oscar

Na música ‘Senhas’, Adriana Calcanhoto diz: “eu não gosto do bom gosto, eu não do bom senso, eu não gosto dos bons modos”.

Eu sou um cara com uma alta dose de arrogância e seria muita desfaçatez da minha parte não dizer que um médico; que nem podemos dizer esquecido, porque provavelmente nunca foi lembrado; de um igualmente nunca lembrado setor de geriatria, de um conseqüentemente nunca lembrado hospital em Rhode Island nos EUA, que consegue, sem um experimento ou análise sequer, publicar um artigo, ainda que de relato, na mais importante revista de medicina do mundo, não é brilhante! Digno de todo nosso respeito e reconhecimento.

Minha bronca aqui, vamos deixar bem claro, não com esse médico e a forma original que encontrou de chamar atenção. Minha bronca é com os jornalistas de todo mundo que deram ao artigo, uma simples curiosidade, destaque de descoberta científica das mais importantes.

“Mas será que é pelo cheiro que ele reconhece quem vai morrer?” Me pergunta minha tia durante o almoço de domingo. Penso então em todas as tias que estão, nesse momento, e a partir dele, acreditando nos poderes sobrenaturais do gato Oscar. E com aval da The New England Journal of Medicine!

O relato do dr Dosa, médico geriatra da unidade avançada de demência do Hospital de Rhode Island e professor assistente da Brown University nos EUA conta um dia na vida do gato mascote da instituição Oscar, que, segundo o autor, desde que foi adotado pelo staff há dois anos, previu acertadamente 25 mortes. Sua presença ao lado do leito de um paciente é considerada pelos diretores do hospital razão suficiente para que as enfermeiras notifiquem a família.

O relato segue assim: Oscar passeia pelo corredor e observa Mrs P, que não é capaz de recordar a família que a visita diariamente, e que vive na área de demência à 3 anos, mas não lhe dá atenção. ‘Não chegou a sua hora'” As palavras na boca do gato é um dos artifícios utilizado pelo médico para angariar a atenção do leitor.

Oscar para na porta do quarto 310, onde Mrs T, vítima terminal de um cruel de câncer de mama, dorme acompanhada da filha que lê um livro; e espera até que a porta seja aberta. ‘Olá Oscar‘ saúda a filha, mas Oscar apenas sobe no leito, cheira o ar e decide ir embora. ‘Ainda não chegou a sua hora também’.” Não sabemos se ficamos felizes ou sentimos pena da paciente terminal que precisa de altas doses de morfina (de acordo com o artigo) para passar os seus dias.

A história muda quando Oscar chega ao quarto 313. “Quando a enfermeira vem checar sua paciente e encontra o gato sentado ao lado de Mrs K, volta para sua mesa, checa o prontuário da paciente e começa a fazer telefonemas. Em meia hora começam a chegar os primeiros familiares e também o padre. Mrs K faz sua passagem com calma e tranqüilidade. O gato some após seu último suspiro, silenciosamente, sem que os familiares nem mesmo percebam.”

Oscar volta para sua sala. Hoje não haverá mais mortes, porque no 3º andar, ninguém morre sem que Oscar faça uma visita antes” termina o relato do médico.

Não há charlatanismo. O relato fantasioso da conincidência observada pelo médico é certamente uma tentativa de aliviar a tristeza e as angústias daqueles que vivem ou que lidam, diariamente, com pacientes terminais. E que justamente por todo esse mérito, teve o reconhecimento da importante revista. No entanto, não podemos, em nenhum momento, deixar que a sensibilidade da história de Oscar confunda uma curiosidade com um fato científico. Minha bronca é, reitero, com os jornalistas que deturpam o fato para criar a notícia.

Diz uma recente pesquisa do Ministério da Ciência e Tecnologia, que os jornalistas são os profissionais em que o povo brasileiro mais confia para se informar sobre ciência e tecnologia. Transformar um gato que passeia pelo corredor do setor de pacientes terminais em um gato que ‘reconhece a hora da morte’, e noticiar isso como verdade científica é fazer sensacionalismo. As consequencias imediatas para o povo podem parecer menores, mas em longo prazo…

Se não for suficiente para vocês que que as doenças terríveis, terminais, prolongadas, que afligem essas pessoas, sejam um presságio muito mais significativo que a presença de Oscar, então proponho duas simples verificações: A primeira testar as habilidades de Oscar fora do setor de pacientes terminais do instituto de demência geriátrica; e a segunda, observar quantos pacientes foram visitados por Oscar sem que nada acontecesse. Não acredito que o mito sobreviva após esses testes.

O maior mérito de Oscar é, como bem cita o artigo, o de fazer companhia àqueles que sem a sua presença, morreriam completamente só.

PS: Comente também no Roda de Ciência

Alguém (se) importa

Depois do sucesso da apresentação pra comissão de importação de insumos para pesquisa em Sampa na 4a feira, saiu hoje na Folha de São Paulo uma matéria do Marcelo Leite (que estava presenta na reunião). O próximo passo é ver se os ministros da Saúde e da Ciência e Tecnologia se sensibilizam também.

Veja aqui a matéria “Cientistas despachantes .

Quem (se) importa?

Fazer ciência no Brasil não é fácil. Mas as vezes se torna impossível!

Vocês conseguem ver alguma coisa ai em cima? Pois é, nem nós! Então achei que se fazia necessária a compra de um microscópio decente pro laboratório. Passamos as últimas duas semanas procurando um modelo que atendesse as nossas necessidade e ao nosso bolso e, depois de verificar os preços astronômicos dos fabricantes americanos e europeus, conseguimos chegar a um fabricantes chinês, bastante elogiado (MOTIC) que tinha o microscópio que queríamos (modelo AE31; invertido, preparado para epi-fluorescência e como camera de vídeo).

Pedimos um orçamento e o valor girava em torno dos USD 5.000,00. Um site nos EUA anunciava o mesmo produto por USD 7.890,00. Ligamos para o representante nacional e qual não foi a nossa surpresa ao descobrir que o mesmo produto custava no Rio de Janeiro R$ 50.000,00!!! Com essa quantidade de encargos e impostos, não há parco orçamento de pesquisa que resista.

Saiu hoje uma nota na coluna da Márcia Peltier no Jornal do Comércio citando o drama. Clique na foto para ver a imagem ampliada.


Transcrevo pra vocês a nota:
“CÂMBIO: Pesquisador da UFRJ, Mauro Rebelo levou um susto quando fazia cotação para comprar um microscópio da chinesa Motic, para pesquisa de contaminação ambiental. Na China o equipamento é comercializado por US$ 5 mil. Nos EUA, por cerca de US$ 7 mil. No Rio, sairia por R$ 50 mil. Por essas e outras, a comunidade científica se mobiliza para entregar um relatório para o ministro Sérgio Rezende sobre as dificuldades de importação.”

Desde o ano passado faço parte de uma comissão, juntamente com a ONG Movitae e a Associação Brasileira de Ciências da Vida (dos fabricantes e representantes de material para pesquisa) para facilitar os procedimentos de importação do país.

Cavando pouco, muito pouco, descobrimos que o buraco é embaixo. Muito mais embaixo. Coisa pra dar CPI.

Enquanto isso, minha aluna de iniciação científica tem de usar a visão além do alcance pra ver as células de ostra do trabalho dela.

Quem tem medo do EIA-RIMA?

Em 2000, ainda aluno de doutorado, fui contratado por uma firma de consultoria para fazer um relatório de impacto ambiental da abertura de uma nova válvula em um duto. A área a ser desmatada era de 60 m2: Um pouco maior do que o apartamento na Tijuca onde eu morava então. Uma dessas áreas já se encontrava dentro de um terreno construido da empresa dona do duto. Mesmo assim, tivemos de fazer várias visitas ao local, reconhecer árvores exóticas do jardim da empresa, conversar com moradores em um raio de 200m etc. Quando o relatório ficou pronto, incluia muito mais do que as informações que coletamos. Era uma enorme equipe trabalhando por um fim: o licenciamento da obra!

Nesse dia recebi meu cheque pelos serviços prestados e resolvi que, salvo necessidades ulteriores, não mais trabalharia para licenciamento qualquer. A razão era simples: todo o esquema de licenciamento é furado. E certamente milhões de reais são gastos, como os milhares que foram gastos para avaliar o impacto socio-econômico-ambiental de abrir uma torneira em um cano dentro do banheiro de uma industria, a tôa.
Naquele dia andei pelo centro da cidade pensando em como deveria ser o licenciamento ambiental para que não fosse apenas rápdio, mas mais barato e eficiente. E que cumprisse seu papel: proteger o meio ambiente. Mais uma vez me debati com a minha prepotência: Como todas as pessoas, de todas as firmas de consultoria ambiental, de todos os departamentos de meio ambiente de empresas, de todos os órgãos de meio ambiente dos governos, de todos os assessores de deputados… como todas essas pessoas não percebem o que eu percebi trabalhando apenas 1 semana no assunto? Ainda que, como na questão das mudanças climáticas, isso sugira que eu estou errado, o tempo deve mostrar que eu estou certo.
Das muitas coisas que eu pensei na época para o artigo que acabei nunca escrevendo, estavam:
1o – Nem todas as obras precisam de EIA-RIMA (Estudo de Impacto Ambiental – Relatório de Impactos no Meio Ambiente).
Eu estou lendo esse livro chamado “A morte do bom senso” onde um advogado americano conta causos onde a lei atrapalha muito mais do que ajuda. Será que eu realmente preciso de um EIA pra mudar de posição as traves no campo de futebol que já está construído? Fala sério!
2o – Uma empresa que quer realizar uma obra não pode ser responsável por apresentar o estudo de impacto ambiental para aquela obra, ainda que fosse terceirizando a produção de tal estudo.
Gente, não é obvio?! Se eu quero que a obra se realize, vou contratar alguém que conte a história que eu quiser que queira ser contada. Ainda que os técnicos do IBAMA que avaliem a proposta sejam idôneos, não têm como essa pessoas saberem o que não foi dito. O IBAMA não deveria avaliar o EIA-RIMA: Ele deveria PREPARA-LO! Claro, apenas um órgão técnico, isento, idôneo, poderia preparar esse relatório. E ai então, as empresas, se quisessem, poderia contestar com seu corpo técnico ambiental, o que o órgão isento proparou.
3o – A lei ambiental precisa ser mais flexível e precisa acompanhar a evolução das técnicas de avaliação de impacto que o meio científico está desenvolvendo.
Como uma lei que pede para uma firma de consultoria fazer o que eu sei que custa caro e é desatualizado, sendo ainda, muitas vezes, simplesmente errado? Como é que vamos conseguir ter boa vontade de empresários para com, ou efetivamente proteger, o ambiente?
Estava tudo errado e eu tinha percebido em uma semana. Ou será que eu estou errado? Não sei não…

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