Como contar uma história sem usar uma palavra
O cérebro é realmente incrível e mais incrível ainda é como a nossa mente funciona utilizando as coisas que vemos e sabemos como peças na criação de coisas novas.
Como professor e empreendedor, eu tenho me defrontado com o constante desafio de dizer as pessoas o que eu faço, usando o menor tempo possível e causando o maior impacto possível. Homens de negócio e investidores tem pouco tempo, alunos tem pouca atenção. Se você não causar impacto imediato: Bum! Perdeu a sua chance.
Assuntos complexos não ajudam. Biodiversidade, biotecnologia, engenharia genética, são coisas que as pessoas tem dificuldade de entender mesmo depois de uma vida de estudo. Mas isso só torna o desafio mais importante. Ainda assim, muito difícil.
Mas as vezes tudo que a gente precisa é saber que é possível. Sabendo que é possível, é muito mais fácil acreditar e perseverar na busca do objetivo.
E foi com um quadrinho do Calvin que eu descobri que era possível. Nesse quadrinho genial, Bill Watson explica que nas tirinhas de domingo, onde o espaço dele no jornal é maior, ele pode explorar mais nuances e eliminar completamente o diálogo.
A história de Calvin tem todos os elementos importantes da narrativa (situação inicial, personagens, conflito, conclusão) e responde todas as perguntas do lead jornalístico e da retórica greco-romana: o que, quem, como, quando, onde, porque. Tudo isso Sem Dizer Uma Palavra!
Tomei para mim então o desafio de contar a história do que fazemos no nosso laboratório e empresa em apenas uma página e sem usar nenhuma palavra. Um quadrinho que pudesse ser usado em qualquer país, lingua, cultura, com clareza e precisão, do mesmo jeito que Bill Watson fez com as peripécias de Calvin.
Falei com a unica pessoa que seria capaz de colocar essas minhas idéias doidas no papel: Julia Back, a melhor designer do mundo(!), que não se intimidou com o desafio (que não era só de criação, mas também de tempo: tinha que ficar pronto em 3 semanas.
Seguindo a estrutura do Bill Watson, mandei um roteiro para Julia com uma descrição de uma linha para cada quadrinho. O resultado superou as expectativas. As minhas pelo menos.
Educar para a ciência não é trabalho de ‘alguém’. Todo cientista precisa se dedicar a contar a sua história de forma que todo mundo possa entender.
Porque é difícil inovar?
Meu pai diz que na próxima encarnação quer vir biólogo. Isso porque eles viajam bem mais que os engenheiros eletrônicos. Minha tia diz que tem um sobrinho muito inteligente, porque vive viajando.
Eu não posso reclamar, porque minha profissão sempre me permitiu conhecer lugares e pessoas interessantes. Me permitiu, por exemplo, ir assistir ontem a mostra dos modelos reconstruídos (de acordo com os originais) das maquinas inventadas por Leonardo da Vinci, descritos no Código Atlantico, no Palazzo della Cancelleria, em Roma. Não é o máximo?!
A exposição mostra o grande espírito inventivo e inovador de Da Vinci, o que me levou a lembrar da minha experiência com inovação nos últimos meses.
Há um tempo atrás, um professor me disse “É professor Rebelo… os grandes dinheiros para pesquisa, agora estão na FINEP”. Só fui entender o que ele quis dizer agora, dois anos depois. A Financiadora de estudos e projetos é um orgão do governo federal para estimular inovação científica e tecnológica. Enquanto os recursos no CNPq e nas FAPs ficam cada vez mais escaços, na FINEP eles ainda são abundantes (e muitas vezes, mal empregados – seguindo critérios políticos e não técnicos).
Minha percepção é que em pouco tempo, todo cientista que quiser ter acesso a recursos para fazer ciência de ponta (ou seja, recursos abundantes) terá que se envolver com inovação. Teremos todos de ser um pouco Da Vinci.
O problema é que essa mudança não está se dando progressivamente, mas sim de uma hora para outra. Agora nos deparamos com o dever de inovar, sem termos nunca sido preparados para isso.
Na época de Da Vinci inovar era bem mais fácil.
Ele tinha uma idéia e colocava ela no papel. O que já significava que a idéia era dele e estava publicada (ainda que não fosse). Não precisava provar que ela funcionava (como a bicicleta que só anda em linha reta). A patente era automática também.
Mais que Da Vinci, temos que ser Pasteur. Por que esse sim, fez coisas que funcionavam. Resolveu os problemas da fermentação do vinho (Graças a Deus!) e depois com o que aprendeu sobre microorganismos inventou a vacina. Pasteur era inventivo e inovador porque não acreditava apenas na ciência básica e nem na ciência aplicada. Acreditava que uma movia a outra. A aplicação da ciência movia a descoberta do conhecimento, que depois gerava a aplicação da ciência.
Para ser criativo, e para inovar, Domenico de Masi diz também que é importante ter um grande senso estético. A busca da beleza é inovadora.
Mas além da inventividade, hoje temos de saber e fazer muitas outras coisas. Hoje temos que abrir uma empresa, o que já significa um monte de gastos e uma burocracia enorme. Pesquisa de nome, junta comercial, CNPJ… Se você coloca a palavra produto no objetivo da empresa então paga ICMS, mas se tira, não precisa. E se coloca ‘licenciamento’ no objetivo, ai fica tudo mais fácil, porque você cai em um limbo fiscal e nem estado, nem município, sabem como tributar essa atividade que não é produto nem serviço.
Mas quem é que ensina isso pra gente na faculdade? Ninguém. Nem agora, que quase todas as oportunidades de financiamento de pesquisa passam por inovação, continuam ensinando. Ninguém fala sobre isso na faculdade de Biologia (ou outra faculdade de ciência que eu conheça). Plano de negócio?! Nem pensar.
Mas nisso eu sou um pouco Da Vinci. Vamos colocar no papel e depois a gente da um jeito de fazer funcionar. Depois de superados os entraves burocráticos, Está aberta a Bio Bureau, empresa que se propõe a construir organismos geneticamente modificados para remover poluentes de efluentes industriais. FINEP, ai vamos nós. Da Vinci que se cuide!