Diário de um biólogo – Sábado, 30/10/2010 – Último dia do ISMEE
O último dia começou com um misto de tristeza e alegria. Tudo tinha dado certo, mas estava chegando ao fim. Dr. Francesco Dondero começou as 10h falando sobre biomarcadores, sobre metalotioneína e sobre o novo campo da ‘Biologia de sistemas’, que promete integrar todas as informações produzidas pelas técnicas de ‘omics’. Todos estavam esgotados, mas permaneceram até o fim. Como o Dr. Antônio Pacheco ainda estava em Arraial, pedimos a ele que substituísse um dos convidados ausentes depois do almoço, falando sobre ‘Análise multivariada’. As 15:30 iniciamos a palestra de encerramento, com Dr. John Stegeman falando sobre ‘Como confiar nos seus dados’. Stegeman contou histórias sobre como um jovem cientista superar o medo da impacto e da repercussão de novas descobertas e aprende a diferenciar o que é importante e o que é interessante. Tudo isso, dando uma incrível aula de bioquímica. No final, ele falou sobre um tema que merecia ainda mais discussão: como publicar seus dados. Deu dicas importantes sobre como abordar corretamente editores e revisores para favorecer a publicação do artigo. E como um inglês de alta qualidade é uma ferramenta fundamental na ciência.
Distribuímos formulários de avaliação do curso para os alunos, distribuímos os diplomas de participação e fomos para a festa de encerramento: um churrasco de peixe num quiosque na Praia do Forno. Depois da primeira caipirinha, Stegeman me abraçou e antes que ele dissesse alguma coisa eu mesmo falei “Missão Cumprida”! Ano que vem tem mais.
Distribuímos formulários de avaliação do curso para os alunos, distribuímos os diplomas de participação e fomos para a festa de encerramento: um churrasco de peixe num quiosque na Praia do Forno. Depois da primeira caipirinha, Stegeman me abraçou e antes que ele dissesse alguma coisa eu mesmo falei “Missão Cumprida”! Ano que vem tem mais.
'Chi se ne frega'?
Não vou mais a congressos na Europa. Quer dizer, pelo menos não na área ambiental. Bom, ao menos que não me convidem e me paguem tudo.
O 27th ESCPB foi uma grande reunião de amigos. E o prazer das pessoas em se encontrarem no país com a melhor comida e bebido do mundo, foi inversamente proporcional a qualidade científica da reunião. Se vocês viram as fotos do jantar social no “Alii Due Buoi Rossi”, então podem imaginar que foi realmente ruim (o congresso, vamos deixar claro. O jantar foi maravilhoso).
O que acontece, na área ambiental, é que ninguém realmente desenvolve trabalhos de base sobre os mecanismos fundamentais de ação de poluentes, ou sobre as vias metabólicas e de biotransformação. Tudo isso vem dos trabalhos biomédicos. Assim, ninguém é realmente ‘autor’ dos mecanismos que está investigando. Todo mundo, pega ’emprestado’ esses mecanismos e tenta explicar ‘efeitos’ que encontram ao expor os organismos, quaisquer que eles sejam, aos poluentes (quaisquer que eles sejam também).
Mas fazer ciência nesse mundo ‘high tech’ e ‘politicamente correto’ está cada vez mais caro. E por isso, também, obter amostras está cada vez mais difícil. E com isso, o número de amostra dos trabalhos, o ‘n’, é muito baixo. E quando o ‘n’ é baixo, a margem de erro das conclusões é muito grande. Tão grande, que as vezes não deveriam nem mesmo concluir nada.
A construção dos mecanismos de ação de uma substância poluente, que poderia fornecer informações gerais do interesse de todos, ao invés de ser o ‘alvo’ das pesquisas, são, ao contrário, tomadas emprestadas de outros autores como pressupostos para apresentar dados que tem um poder de explicação fraco sobre os efeitos de substâncias. Na verdade, dados que podem se adaptar ao modelo ‘pressuposto’ mas provavelmente a outros modelos também, porque o alvo da pesquisa é o efeito e não o modelo.
É como no teste de Rorschach, onde como base na figura que mostram cada um pode ver o que quiser. As conclusões desses trabalhos com ‘n’ baixo e desenho experimental/amostral precário podem ser lindas, mas são pouco, muito pouco úteis. E, também como no teste de Rorschach, informam muito mais sobre o pesquisador, do que sobre a própria pesquisa.
Isso sem contar as qualidade das perguntas, cientificamente conhecidas como ‘hipóteses’. Quando não são simplesmente ruins ou mal feitas, são pouco interessantes (chatas mesmo) ou de interesse muito, muito restrito.
Mas, ‘chi se ne frega’? Mas “quem se importa?”
Passamos duas taças de vinho ensinando essa frase para um dos pesquisadores americanos fodões presentes ao congresso, durante o ‘aperitivo’ que é como chamam os italianos chamam o ‘happy hour’. E a verdade é que ninguém no congresso se importava com a qualidade dos trabalhos apresentados. Tanto visual como científica.O corporativismo está matando a ciência!
Ao final das apresentações, cada perguntava começava sempre com “Fulano, muito obrigado por essa bela/interessante/importante apresentação”, enquanto a pergunta que não queria calar era: “como você tem coragem de apresentar isso em um congresso internacional?”
Porque ninguém procura questionar os modelos utilizados? Questionar os pressupostos? Ou, pelo menos, como fazer ciência está caro demais, não usamos os poucos dados que podemos obter para tentar ‘negar’ os modelos pressupostos? Esse é o princípio da ‘hipótese nula’ de Poper, através do qual a ciência tanto avançou no século XX. A tentativa de demostrar que um modelo não funciona é capaz de fornecer dados mais contundentes sobre a sua veracidade do que as pífias tentativas de confirmá-lo. Isso porque 1 (uma), apenas 1 (uma) observação é suficiente para questionar um modelo, enquanto nem mesmo milhares, milhões de observações, são suficientes para comprová-lo.
Mas então porque ninguém faz?
A reposta é complexa. Um misto de preguiça, dureza, irresponsabilidade e politicagem. O mecanismo de tomada de decisão na agências científicas, pelas ‘cabeças pensantes da ciência’ (ou a ‘inteligenza’ como diz meu tio) é tão complicado quanto a via de sinalização do cálcio dentro da célula.
“O fim da ciência”, como escreveu John Horgan, não está próximo por falta de coisas para descobrir, está próximo por falta de carinho dos cientistas para descobrí-las.