Neurônios que perdem cromossomos… revisitado
O texto é baseado no estudo publicado na PNAS em 2001, realizado no cérebro em desenvolvimento de camundongos e introduz a idéia de que ao contrário do que se pensava, nem todas as células do corpo possuem o mesmo número de cromossomo. O que significa dizer que nem todas as células possuem a mesma quantidade e, consequentemente, o mesmo DNA. Algumas (na verdade muitas, em torno de 33% no cérebro em desenvolvimento) podem possuir um pouco mais (porque acumulam um – ou mais – cromossomo) e outras um pouco comenos (porque perdem um ou mais). O corpo é na verdade um mosaico de células com diferentes quantidades de genoma. Neurônios adultos podem inclusive apresentar mais de um cromossomo sexual (como na foto acima).
Em 2005 o mesmo grupo publicou um novo artigo (DOI: 10.1523/JNEUROSCI.4560-04.2005), dessa vez mostrando que o mosaicismo dos cromossomos também acontece no cérebro adulto de humanos, com variações da ordem de 2-7% em indivíduos com idades que variam de 2 a 86 anos. Mas não é só: essa variação foi medida com base na perda ou ganho do cromossomo 21, aquele cuja trissomia (presença de 3 cópias) nas células do corpo, causam a grave Sindrome de Down. Só que nenhum desses indivíduos analisados apresentava qualquer sintoma de distúrbio ou doença neurológica! O cérebro humano maduro normal apresenta células com uma trissomia que, quando generalizada por todo o tecido, significa graves defeitos para o sitema nervoso central.
Apesar do óbvio potencial para participação dessas aneuploidias em doenças, em 2001 o grupo já havia sugerido que o mosaicismo poderia contribuir, em nível de organismo, para as diferenças fisiológicas e comportamentais que encontramos entre os indivíduos, de forma não explicada pela genética clássica (que não podem ser herdadas de pai para filho pelos mecanismos clássicos de transmissão da informação genética). No artigo de 2005 eles vão além, sugerindo que a aneuploidia seria um mecanismo para gerar variabilidade celular através da variação do número de cromossomos, uma teoria consistente com observações de que a presença, em larga escala, de polimorfismos de múltiplas cópias entre os indivíduos (o nome parece complicado, mas apenas significa que alguns de nós podem possuir muuuuuitas cópias de um determinado gene enquanto outros apenas uma, ou nenhuma), podem explicar a diversidade gênica, a susceptibilidade a doenças e ainda, fornecer ‘material’ para a evolução.
Neurônios que perdem cromossomos
Em 2001 foi anunciado o sequenciamento do genoma humano, e a possibilidade de cura de doenças, retardamento do envelhecimento etc, foram amplamente comentadas pela mídia. (ainda que alarde tenha sido um pouco maior do que a possibilidade científica de cura trazida pelo simples sequenciamento do genoma, mas sobre isso escrevo outro dia). Boa parte da importância dada ao sequenciamento do genoma reside no fato de todas as células de um organismo possuem não só o mesmo DNA como a mesma quantidade dele.
Ou seja, uma célula do cérebro tem o mesmo DNA, e na mesma quantidade, de uma célula do fígado. Elas são diferentes na sua aparência e função porque as partes do DNA (seqüências, genes) que estão ativas em uma são diferentes daquelas que estão ativas em outra.
Uma descoberta recente (mesmo, publicada no mês passado) de um jovem pesquisador brasileiro (lá pelos seus 30 anos) é de que as células do sistema nervoso de mamíferos não têm necessariamente a mesma quantidade de DNA, observadas pela ausência ou duplicação de alguns cromossomos (estruturas formadas pelo enovelamento do DNA para facilitar a sua duplicação e transferência durante a divisão celular).
Os neurônios, que são as principais células do sistema nervoso, apresentam uma característica especial: eles não se multiplicam (por isso, quando você toma um porre e o álcool destrói alguns dos seus neurônios causando dor de cabeça e preda de memória, você fica sem eles pra sempre). Já neuroblastos são células jovens, essas sim com capacidade de crescer e se dividir, que quando atingem seu estagio maduro ou adulto dão origem aos neurônios. Nesse estagio, para obter o alto grau de especialização necessário às funções de transmissão do impulso nervoso, elas abriram mão da capacidade de reprodução (não foi exatamente uma escolha, mas vamos manter a metáfora).
A descoberta do Dr. Rehen e seus colaboradores é que nem todos os neurônios apresentam o mesmo número de cromossomos, mesmo em organismos saudáveis. Esse resultado foi curioso porque ate agora a alteração no número de cromossomos estava relacionada com doenças bastantes serias, como o retardamento mental da síndrome de Down, causada pela trissomia do cromossomo 21. Os resultados da pesquisa mostram que 33% das células (neuroblastos) analisados (em um total de 212) haviam perdido ou ganho um cromossomo somático. Esse número é muito superior a taxa normal de aneuploidia de outros tipos celulares, como os leucócitos, que é de meros 3%. O artigo revela ainda que aproximadamente 5% das células do cortéx embrionário de camundongos machos perderam ou ganharam um cromossomo sexual . É possível inclusive que células de camundongos machos apresentem o genótipo XX característico das fêmeas, pela perda de um cromossomo Y e ganho de um X. No cérebro adulto, a frequencia de perda/ganho de cromossomos sexuais é de 1%, mas outros cromossomos também apresentam número de copias diferentes do esperado (que seriam duas, uma vinda do pai, e outra da mãe).
Um dos mecanismos observados pelo grupo para gerar essa diferença, é que, no momento da divisão celular dos neuroblastos (antes de virarem neurônios), alguns cromossomos migrariam de forma mais lenta (talvez por você ter bebido cerveja demais no dia anterior 🙂 para a célula “filha” acabando por ficar fora da nova célula. Permanecem a mãe com um cromossomo a mais e a filha com um a menos.
Como esse mecanismo seria controlado por fatores “externos” ao controle do DNA, ele geraria células com números diferentes de cromossomos meio que ao acaso. Como em geral esse tipo de variação ao acaso traria prejuízo para as células, não se pode saber ainda a natureza da função dessa diversidade cromossômica nos neurônios. Nem mesmo as conseqüências que ela pode trazer.
As hipóteses vão desde vantagens adaptativas geradas pela maior possibilidade de resposta das células diferentes a estímulos ambientais diversos, a propensão ao câncer e mal de Alzheimer (doenças classicamente relacionadas com números diferentes de cromossomos).
Esse mecanismo de diferenciação de células não coordenado pelo DNA poderia explicar, por exemplo, as diferenças encontradas entre gêmeos idênticos (que possuem o mesmo DNA por que são originados da mesma célula) e que também poderiam ser encontradas em futuros clones de uma pessoa.
O que você não tinha como saber sobre clonagem
Então, se você está ansioso por clonar a si próprio, para viver todas as aventuras amorosas sem deixar nenhuma pra trás, ou para levar paz e prosperidade a todos os cantos da terra, saiba que:
- O DNA é muito fino, mas muito comprido. Em algumas células ele pode ter até dois metros. Na hora da célula se dividir e duplicar, ele se encolhe e se espreme em estruturas que chamamos de cromossomos. O cromossomo parece um X. As cromátides são as pernas do cromossomo, formadas pelo DNA enroscado. No meio o centrômero. Em cada uma das cromátides existem estruturas chamadas telômeros. Uma enzima, a telomerase, tem a função de retirar um telômeros da cromátide a cada vez que a célula se divide e se multiplica. Já que multiplicação é a forma utilizada para o organismo crescer, isso faz com que o número de telômeros seja uma forma de calcular a “idade” da célula. Toda essa historia é pra dizer que quando se pega uma célula qualquer de um organismo adulto e separa-se o seu DNA para ser inserido em um óvulo “vazio” para dar início a clonagem, geramos um bebê com a idade celular de um adulto. Um clone será sempre igual, porém mais velho, que o ser original. É por isso que a Dolly sofre de envelhecimento precoce.
- Além disso, quando se pega um óvulo e se retira o seu material genético, esvaziando-o para receber o material genético da célula adulta do organismo a ser clonado, a célula não esta realmente vazia. Ficam, assim como todas as outras organelas celulares, as mitocôndrias. Mas ao contrário das outras organelas (lisossomas, retículo endoplasmático, ribossomas etc) as mitocôndrias, que acredita-se foram bactérias simbiontes em um passado distante, possuem seu próprio DNA. Assim, o clone possui o DNA do seu doador a ser clonado, mas possui o DNA mitocondrial da célula mãe que hospeda o clone. Os dois materiais genéticos podem apresentar conflitos que levem a doenças e a morte da própria célula. Ou seja, até agora, o clone não é totalmente um clone.
- Por fim, os genes do clone carregam a mesma informação do clonado, mas a forma como essa informação é “lida”, “processada” e “interpretada” pelo maquinário enzimático da célula é muito dependente do ambiente onde a célula se desenvolve. Os estímulos externos como calor, temperatura, pH, até luz, mas principalmente determinados sinais químicos, podem fazer com que um determinado gene seja ativado e outro seja desativado. Especialmente durante as fases de desenvolvimento. Ou seja, um clone não será, necessariamente, igual ao seu original.