Neurônios que perdem cromossomos… revisitado

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Esse é um dos textos pelo qual tenho mais carinho. Foi um dos primeiros que escrevi e ainda hoje bastante acessado pelos leitores. Também é referente a um trabalho lindo feito pelo meu querido amigo Stevens Rehen (o Bitty). Hoje, preparando uma aula sobre Aneuploidia (células que possuem número de cromossomos diferente do esperado) revisitei o texto, fiz algumas correções (inclusive de português) e acrescentei mais alguns resultados.

O texto é baseado no estudo publicado na PNAS em 2001, realizado no cérebro em desenvolvimento de camundongos e introduz a idéia de que ao contrário do que se pensava, nem todas as células do corpo possuem o mesmo número de cromossomo. O que significa dizer que nem todas as células possuem a mesma quantidade e, consequentemente, o mesmo DNA. Algumas (na verdade muitas, em torno de 33% no cérebro em desenvolvimento) podem possuir um pouco mais (porque acumulam um – ou mais – cromossomo) e outras um pouco comenos (porque perdem um ou mais). O corpo é na verdade um mosaico de células com diferentes quantidades de genoma. Neurônios adultos podem inclusive apresentar mais de um cromossomo sexual (como na foto acima).

Em 2005 o mesmo grupo publicou um novo artigo (DOI: 10.1523/JNEUROSCI.4560-04.2005), dessa vez mostrando que o mosaicismo dos cromossomos também acontece no cérebro adulto de humanos, com variações da ordem de 2-7% em indivíduos com idades que variam de 2 a 86 anos. Mas não é só: essa variação foi medida com base na perda ou ganho do cromossomo 21, aquele cuja trissomia (presença de 3 cópias) nas células do corpo, causam a grave Sindrome de Down. Só que nenhum desses indivíduos analisados apresentava qualquer sintoma de distúrbio ou doença neurológica! O cérebro humano maduro normal apresenta células com uma trissomia que, quando generalizada por todo o tecido, significa graves defeitos para o sitema nervoso central.

Apesar do óbvio potencial para participação dessas aneuploidias em doenças, em 2001 o grupo já havia sugerido que o mosaicismo poderia contribuir, em nível de organismo, para as diferenças fisiológicas e comportamentais que encontramos entre os indivíduos, de forma não explicada pela genética clássica (que não podem ser herdadas de pai para filho pelos mecanismos clássicos de transmissão da informação genética). No artigo de 2005 eles vão além, sugerindo que a aneuploidia seria um mecanismo para gerar variabilidade celular através da variação do número de cromossomos, uma teoria consistente com observações de que a presença, em larga escala, de polimorfismos de múltiplas cópias entre os indivíduos (o nome parece complicado, mas apenas significa que alguns de nós podem possuir muuuuuitas cópias de um determinado gene enquanto outros apenas uma, ou nenhuma), podem explicar a diversidade gênica, a susceptibilidade a doenças e ainda, fornecer ‘material’ para a evolução.

Sangue bom!

Uma vez comprei no Pelourinho uma camiseta que dizia: 50% negro, 30% branco, 20% índio e 100% brasileiro. Ontem o pesquisador Sérgio Pena da UFMG colocou o carimbo de verdade(!) nela. Os jornais deram destaque a pesquisa com 120 negros (sendo 9 famosos), mostrando que metade deles têm, pelo menos, um ancestral europeu. A ginasta Daiane dos Santos, por exemplo, tem uma contribuição européia ligeiramente maior do que africana. Ano passado Ivete Sangalo e Marcos Palmeira também tiveram seu DNA analisado, mostrando que apesar dos seus 99% de descendência européia, os 0,5% de negro e 0,5% de índio fazem toda a diferença.

Em 2000, esse mesmo grupo já havia publicado um estudo parecido, mostrando que os brancos (ou caucasianos), que segundo o IBGE representam um pouco mais de 50% da população brasileira, têm sangue materno de origem indígena ou africana. Mas praticamente não existem genes negros e índios de origem paterna. Os nossos pais ancestrais são quase todos europeus.

Para fazer esses estudos, são examinados segmentos do DNA que são altamente conservados de geração para geração, ao mesmo tempo que são específicos em diferentes grupos, chamados “Marcadores genéticos”. O DNA está dentro do núcleo da célula, geralmente na sua forma desorganizada, chamada eucromatina. Quando a célula vai se dividir, então o DNA se organiza em cromossomos. Todos os seres humanos possuem 23 pares de cromossomos: 22 cromossomos autossômicos e 2 cromossomos sexuais. As mulheres possuem dois cromossomos sexuais X (portanto XX) enquanto os homens possuem um X e um Y.

Daqui poderíamos partir para vários pontos. Da mesma forma que se tirarmos uma perninha do X ele pode virar um Y, a teoria mais aceita é de que o cromossomo Y realmente se originou da perda de material do X (mais uma evidência de que ambos os sexos se originaram do sexo feminino). “Imprint Parental” que determina se é o material genético herdado da mãe ou do pai que vai determinar uma característica, é uma das muitas nuances que temos entre o nosso material genético e nossas características físicas e psicológicas. Nas mulheres, existe a teoria de que os dois cromossomos X “lutem” para determinar quem vai controlar quais características. E seria por isso que as mulheres NUNCA conseguem se decidir!

Mas para voltarmos a questão da descendência é importante lembrar que se apenas os homens possuem o cromossomo Y, então, ele passa sempre de Pai para filho (e nunca de pai para filha). Com isso, o meu cromossomo Y é praticamente identico ao do primeiro macho ancestral da minha árvore genealógica. Assim como o seu, caso você seja um “ele”, é do macho ancestral da sua árvore. O cromossomo X passa de mãe para filha, de mãe para filho e de pai para filha. Com isso, tudo vira uma bagunça e é impossível fazer um rastreamento da mãe ancestral através do X.

Mas as mulheres tem seu trunfo. Durante a fecundação, apenas a cabeça do espermatozóide que contem o DNA do macho, é utilizada para fecundar o óvulo (a cauda do sptz fica do lado de fora). Assim, o macho contribui apenas com o material genético. Todo o “aparato celular” do zigoto é feminino. Por aparato celular, podemos entender toda a maquinária bioquímica da célula: ribossomos, aparelho de golgi, retículo endoplasmático e as mitocôndrias. As mitocôndrias, todo mundo já ouviu no 2o grau, são a “usina elétrica” da célula, queimando carbono para produzir energia.

A teoria mais aceita ainda hoje é de que essas organelas eram bactérias simbiontes em um passado muito, muito remoto. E uma das evidências mais fortes para essa explicação, é o fato delas possuírem um material genético próprio: O DNA mitocondrial. Então, da mesma forma que o cromossomo Y é sempre passado de pai para filho, o DNAmt é sempre passado ao filho ou a filha pela mãe. Com isso, o meu DNA mitocondrial remonta ao da “fêmea fundadora” da minha linhagem.

É claro que com o passar do tempo, esse material genético pode sofrer mutações aleatórias, além de simplesmente perder material. Mas com sorte, os pedaços que servem para fazer as análises estão intactos.

Então se pegarmos o cromossomo Y e o DNA mitocondrial (que podem nos levar ao macho e a fêmea fundadores de nossas linhagens) e juntarmos pedaços de cromossomo Y e de mtDNA que são específicos para caucasianos, negros e ameríndios… conseguimos ótimos marcadores genéticos.

O que o estudo não fala é que nada disso interessa. Esses marcadores genéticos servem para comprovar linhagem, mas não se encontram em nenhum gene que determine características fenotípicas, características ativas. Eles se encontram no chamado DNA lixo, que compões 95% do nosso genoma e até semana passada não servia para nada (digo até semana passada porque o estudo de um brasileiro mostrou o papel de algumas dessas seqüencias na regulação da função de genes). Não comprovam inteligência, habilidade específica, capacidade imune… nada! 99,99% do DNA de um caucasiano é igual ao de um negro ou um ameríndio. O DNA de um caucasiano pode ser inclusive apresentar mais diferenças com relação ao de outro caucasiano do que de um ameríndio (ou negro). Genéticamente, o conceito de raça não existe na espécie humana!

Neurônios que perdem cromossomos

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Como vocês sabem, o DNA é a molécula que carrega o código genético, aquelas informações que fazem com que sejamos quem somos e que cada um de nos seja diferente do outro. Por isso, as possibilidades decorrentes do conhecimento e da manipulação desse código têm sido apresentadas em diversos estudos com os mais diversos tipos de organismos, tendo como exemplo mais ilustrativo a clonagem da ovelha Dolly.
Em 2001 foi anunciado o sequenciamento do genoma humano, e a possibilidade de cura de doenças, retardamento do envelhecimento etc, foram amplamente comentadas pela mídia. (ainda que alarde tenha sido um pouco maior do que a possibilidade científica de cura trazida pelo simples sequenciamento do genoma, mas sobre isso escrevo outro dia). Boa parte da importância dada ao sequenciamento do genoma reside no fato de todas as células de um organismo possuem não só o mesmo DNA como a mesma quantidade dele.
Ou seja, uma célula do cérebro tem o mesmo DNA, e na mesma quantidade, de uma célula do fígado. Elas são diferentes na sua aparência e função porque as partes do DNA (seqüências, genes) que estão ativas em uma são diferentes daquelas que estão ativas em outra.
Uma descoberta recente (mesmo, publicada no mês passado) de um jovem pesquisador brasileiro (lá pelos seus 30 anos) é de que as células do sistema nervoso de mamíferos não têm necessariamente a mesma quantidade de DNA, observadas pela ausência ou duplicação de alguns cromossomos (estruturas formadas pelo enovelamento do DNA para facilitar a sua duplicação e transferência durante a divisão celular).
Os neurônios, que são as principais células do sistema nervoso, apresentam uma característica especial: eles não se multiplicam (por isso, quando você toma um porre e o álcool destrói alguns dos seus neurônios causando dor de cabeça e preda de memória, você fica sem eles pra sempre). Já neuroblastos são células jovens, essas sim com capacidade de crescer e se dividir, que quando atingem seu estagio maduro ou adulto dão origem aos neurônios. Nesse estagio, para obter o alto grau de especialização necessário às funções de transmissão do impulso nervoso, elas abriram mão da capacidade de reprodução (não foi exatamente uma escolha, mas vamos manter a metáfora).
A descoberta do Dr. Rehen e seus colaboradores é que nem todos os neurônios apresentam o mesmo número de cromossomos, mesmo em organismos saudáveis. Esse resultado foi curioso porque ate agora a alteração no número de cromossomos estava relacionada com doenças bastantes serias, como o retardamento mental da síndrome de Down, causada pela trissomia do cromossomo 21. Os resultados da pesquisa mostram que 33% das células (neuroblastos) analisados (em um total de 212) haviam perdido ou ganho um cromossomo somático. Esse número é muito superior a taxa normal de aneuploidia de outros tipos celulares, como os leucócitos, que é de meros 3%. O artigo revela ainda que aproximadamente 5% das células do cortéx embrionário de camundongos machos perderam ou ganharam um cromossomo sexual . É possível inclusive que células de camundongos machos apresentem o genótipo XX característico das fêmeas, pela perda de um cromossomo Y e ganho de um X. No cérebro adulto, a frequencia de perda/ganho de cromossomos sexuais é de 1%, mas outros cromossomos também apresentam número de copias diferentes do esperado (que seriam duas, uma vinda do pai, e outra da mãe).
Um dos mecanismos observados pelo grupo para gerar essa diferença, é que, no momento da divisão celular dos neuroblastos (antes de virarem neurônios), alguns cromossomos migrariam de forma mais lenta (talvez por você ter bebido cerveja demais no dia anterior 🙂 para a célula “filha” acabando por ficar fora da nova célula. Permanecem a mãe com um cromossomo a mais e a filha com um a menos.
Como esse mecanismo seria controlado por fatores “externos” ao controle do DNA, ele geraria células com números diferentes de cromossomos meio que ao acaso. Como em geral esse tipo de variação ao acaso traria prejuízo para as células, não se pode saber ainda a natureza da função dessa diversidade cromossômica nos neurônios. Nem mesmo as conseqüências que ela pode trazer.
As hipóteses vão desde vantagens adaptativas geradas pela maior possibilidade de resposta das células diferentes a estímulos ambientais diversos, a propensão ao câncer e mal de Alzheimer (doenças classicamente relacionadas com números diferentes de cromossomos).
Esse mecanismo de diferenciação de células não coordenado pelo DNA poderia explicar, por exemplo, as diferenças encontradas entre gêmeos idênticos (que possuem o mesmo DNA por que são originados da mesma célula) e que também poderiam ser encontradas em futuros clones de uma pessoa.

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