Sangue bom!

Uma vez comprei no Pelourinho uma camiseta que dizia: 50% negro, 30% branco, 20% índio e 100% brasileiro. Ontem o pesquisador Sérgio Pena da UFMG colocou o carimbo de verdade(!) nela. Os jornais deram destaque a pesquisa com 120 negros (sendo 9 famosos), mostrando que metade deles têm, pelo menos, um ancestral europeu. A ginasta Daiane dos Santos, por exemplo, tem uma contribuição européia ligeiramente maior do que africana. Ano passado Ivete Sangalo e Marcos Palmeira também tiveram seu DNA analisado, mostrando que apesar dos seus 99% de descendência européia, os 0,5% de negro e 0,5% de índio fazem toda a diferença.

Em 2000, esse mesmo grupo já havia publicado um estudo parecido, mostrando que os brancos (ou caucasianos), que segundo o IBGE representam um pouco mais de 50% da população brasileira, têm sangue materno de origem indígena ou africana. Mas praticamente não existem genes negros e índios de origem paterna. Os nossos pais ancestrais são quase todos europeus.

Para fazer esses estudos, são examinados segmentos do DNA que são altamente conservados de geração para geração, ao mesmo tempo que são específicos em diferentes grupos, chamados “Marcadores genéticos”. O DNA está dentro do núcleo da célula, geralmente na sua forma desorganizada, chamada eucromatina. Quando a célula vai se dividir, então o DNA se organiza em cromossomos. Todos os seres humanos possuem 23 pares de cromossomos: 22 cromossomos autossômicos e 2 cromossomos sexuais. As mulheres possuem dois cromossomos sexuais X (portanto XX) enquanto os homens possuem um X e um Y.

Daqui poderíamos partir para vários pontos. Da mesma forma que se tirarmos uma perninha do X ele pode virar um Y, a teoria mais aceita é de que o cromossomo Y realmente se originou da perda de material do X (mais uma evidência de que ambos os sexos se originaram do sexo feminino). “Imprint Parental” que determina se é o material genético herdado da mãe ou do pai que vai determinar uma característica, é uma das muitas nuances que temos entre o nosso material genético e nossas características físicas e psicológicas. Nas mulheres, existe a teoria de que os dois cromossomos X “lutem” para determinar quem vai controlar quais características. E seria por isso que as mulheres NUNCA conseguem se decidir!

Mas para voltarmos a questão da descendência é importante lembrar que se apenas os homens possuem o cromossomo Y, então, ele passa sempre de Pai para filho (e nunca de pai para filha). Com isso, o meu cromossomo Y é praticamente identico ao do primeiro macho ancestral da minha árvore genealógica. Assim como o seu, caso você seja um “ele”, é do macho ancestral da sua árvore. O cromossomo X passa de mãe para filha, de mãe para filho e de pai para filha. Com isso, tudo vira uma bagunça e é impossível fazer um rastreamento da mãe ancestral através do X.

Mas as mulheres tem seu trunfo. Durante a fecundação, apenas a cabeça do espermatozóide que contem o DNA do macho, é utilizada para fecundar o óvulo (a cauda do sptz fica do lado de fora). Assim, o macho contribui apenas com o material genético. Todo o “aparato celular” do zigoto é feminino. Por aparato celular, podemos entender toda a maquinária bioquímica da célula: ribossomos, aparelho de golgi, retículo endoplasmático e as mitocôndrias. As mitocôndrias, todo mundo já ouviu no 2o grau, são a “usina elétrica” da célula, queimando carbono para produzir energia.

A teoria mais aceita ainda hoje é de que essas organelas eram bactérias simbiontes em um passado muito, muito remoto. E uma das evidências mais fortes para essa explicação, é o fato delas possuírem um material genético próprio: O DNA mitocondrial. Então, da mesma forma que o cromossomo Y é sempre passado de pai para filho, o DNAmt é sempre passado ao filho ou a filha pela mãe. Com isso, o meu DNA mitocondrial remonta ao da “fêmea fundadora” da minha linhagem.

É claro que com o passar do tempo, esse material genético pode sofrer mutações aleatórias, além de simplesmente perder material. Mas com sorte, os pedaços que servem para fazer as análises estão intactos.

Então se pegarmos o cromossomo Y e o DNA mitocondrial (que podem nos levar ao macho e a fêmea fundadores de nossas linhagens) e juntarmos pedaços de cromossomo Y e de mtDNA que são específicos para caucasianos, negros e ameríndios… conseguimos ótimos marcadores genéticos.

O que o estudo não fala é que nada disso interessa. Esses marcadores genéticos servem para comprovar linhagem, mas não se encontram em nenhum gene que determine características fenotípicas, características ativas. Eles se encontram no chamado DNA lixo, que compões 95% do nosso genoma e até semana passada não servia para nada (digo até semana passada porque o estudo de um brasileiro mostrou o papel de algumas dessas seqüencias na regulação da função de genes). Não comprovam inteligência, habilidade específica, capacidade imune… nada! 99,99% do DNA de um caucasiano é igual ao de um negro ou um ameríndio. O DNA de um caucasiano pode ser inclusive apresentar mais diferenças com relação ao de outro caucasiano do que de um ameríndio (ou negro). Genéticamente, o conceito de raça não existe na espécie humana!

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