A primeira impressão é a que fica

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O que os mamíferos e as plantas com flores e frutos (Angiospermas) tem em comum? Não vale dizer que você tem são aquelas mangas da Mangueira que você tem no quintal.

 A pergunta é ampla e por isso possivelmente difícil de responder mas está no centro de uma polêmica que envolve você diretamente, seu passado, presente e futuro: o ‘Imprinting parental’. Imprinting‘ é o nome dado a capacidade que alguns genes (o genótipo) tem de forçar a expressão da sua característica (o fenótipo) no filho de acordo com a origem desse gene: paterna ou materna. Se o gene que se manifesta veio do pai, então a característica será uma. Se veio da mãe, a característica será outra. Você pode achar que isso é a mesma coisa que a relação de ‘dominância’ que você aprendeu na escola, quando o alelo ‘A’ que determina olho escuro era dominante sobre o alelo ‘a’ que determinava olho claro. Mas não  é, porque a dominância do ‘A’ se mantém independente dele ter vindo da mãe ou do pai. No ‘imprint‘ quem determina se a característica será manifestada não é a informação do gene em si, mas as ‘marcas’, um verdadeiro programa ou software, que não está gravado no seu código genético.

Abre parênteses: Se você não lembra mais o que são ‘alelos’, ‘genótipo’ e ‘fenótipo’ não tem problema: Você sabe que nós somos diplóides, ou seja, possuímos dois conjuntos de genes, um de origem materna e outro de origem paterna. Então cada gene do nosso corpo, que, você sabe, é responsável pela produção de uma proteína (bom, não é exatamente assim, mas serve para a nossa discussão hoje) possui duas cópias, uma vinda do pai e outra da mãe. Cada cópia de um gene para uma mesma proteína é chamada de ‘alelo’. Então, como cada gene determina uma proteína, a sequência de nucleotídeos desse gene (aquelas letrinhas A, C, T e G) é que é o ‘genótipo’ e o produto final da manifestação desse genótipo, que nesse caso é a proteína que ele produz, é o ‘fenótipo’. Em geral usamos o termo ‘fenótipo’ para uma característica visível, como ‘olhos castanhos’, ou ‘cabelo ruivo’, mas como cada uma dessas características é dada por proteínas, então podemos dizer, especialmente aqui, que a proteína é o fenótipo. Fecha parênteses.

 Os genes que você importou do seu pai e mãe funcionam em conjunto, na grande maioria dos casos, sendo expressos ao mesmo tempo, produzindo as proteínas que, também agindo em conjunto, ajudam a te fazer quem e como você é. 

Abre parênteses: Na ‘expressão monoalélica‘, o fenótipo também é determinado pela expressão de apenas um dos alelos, o do pai ou da mãe. A diferença é nesses casos essa definição é aleatória, ao acaso, e no ‘imprinting‘ ela acontece em resposta a uma programação. Fecha parênteses.

Em geral essa mistura é boa, porque com característica combinadas da sua mãe e do seu pai, você tem melhores chances de enfrentar os problemas de adaptação ao ambiente do que eles tiveram. (e esse é o grande argumento da reprodução sexuada). Mas alguns genes não são assim. Eles não gostam dessa ‘mistura’. Na verdade detestam ela e são capazes de brigar, e muito, para que sejam expressos sozinhos, sem nenhuma manifestação ou interferência da copia do mesmo gene do outro genitor.

Mas por que isso? Se a reprodução sexuada é importante justamente para termos as características do pai e da mãe; e é tão importante a ponto de só podermos reproduzir se conseguirmos um conjunto de genes do sexo oposto, por que os genes então os genes combateriam para eliminar esses mesmo genes que, tantas (nossa, tantas e tantas) vezes, passam por grandes desafios para conseguir?

A resposta a essa pergunta é longa, então eu vou dar apenas parte dela. É que apesar de homens e mulheres colaborarem para terem um filho, em cada evento em que isso acontece, não significa que essa colaboração atenda aos interesses maiores de um e de outro. As estratégias reprodutivas de homens e mulheres (machos e fêmeas) são muito diferentes e não são conciliatórias. Colaboração em meio a competição. Isso é o que melhor descreve o relacionamento entre os dois sexos do ponto de vista biológico. Já sei, você acredita em almas gêmeas, unha e carne, feitos um para o outro… Bom, acho que se você for discutir com seus amigos na mesa de bar vai encontrar muito mais exemplos de um grande amor que te passou a perna (quando você então deixou de considerá-lo um grande amor) do que de um grande amor que se confirmou como tal. Não só na sua experiência, mas como na dos seus amigos e amigas também. O fato é que machos e fêmeas precisam colaborar para produzir a prole, mas ambos estão com as antenas ligadas para se aproveitarem um do outro na primeira oportunidade.

E o Imprint parental é uma dessas estratégias. Uma ‘rasteira epigenética‘ que machos e fêmeas tentam passar um no outro logo depois da fecundação. Os ‘genes de imprint‘; trazem ‘marcas’ do seu genitor, seja ele o pai ou a mãe. Como as cicatrizes que o Lamarck achava que poderíamos passar de uma geração para outra. Essas ‘marcas’ são grupamentos metil que são adicionados no DNA durante a meiose para a formação do gameta. A ‘metilação‘ do DNA é um código, um programa, que vai influenciar na expressão desses genes ao longo do desenvolvimento do embrião. Ops, mas peraê, quer dizer então que podemos transferir informação ‘adquirida’ para as próximas gerações sem que elas estejam gravadas no código genético? Exatamente! São os mecanismos epigenéticos, mas isso é uma outra história, para ser contada um outro dia.

O ‘imprint‘ começa a ser programado no corpo do genitor, durante a espermato e ovogênes. Os ‘genes de imprint‘ são metilados diferencialmente, um programa que é capaz de resistir até mesmo a ‘limpeza do zigoto’ que é o grande evento de desmetilação que acontece assim que o óvulo é fecundado, para apagar todas essas ‘marcas’ hereditárias. Logo depois da grande limpeza, lá estão de volta os genes de imprint todos metilados novamente. São essas marcas epigenéticas, esses nucleotídeos metiladosque levarão a expressão diferencial dos genes.

Ops, peraê, divergi. 

Relendo o texto vejo que não respondi a pergunta que formulei 3 parágrafos atrás: porque sufocar os genes que nos esforçamos para conseguir misturar? E pior, que servem tanto para machos e fêmeas de mamíferos quanto de angiospermas?

O conflito entre machos e fêmeas vem do fato da fêmea carregar o filhote no ventre e ter certeza que todos os seus filhos, são seus filhos. Isso faz com que a infidelidade da fêmea seja pior para o macho do que a infidelidade do macho é para a fêmea. Ou você acha possível que uma fêmea crie a prole da infidelidade do macho achando que os filhotes são dela? Não tem como. Já o macho… pode muito bem estar criando um filhote que saiu da barriga da fêmea dele, mas que não é dele. Só para vocês terem uma idéia, em humanos essa taxa está em torno de 10-15%. Que é baixa, porque nós temos muitos mecanismos para iludir os outros, mas muitos mecanismos para evitarmos de ser iludidos também.

Em outros animais, esse percentual é muito maior. O imprint parental não pode ajudar a garantir a fidelidade, mas pode ajudar que ela seja menos profícua.

No embrião humano, as camadas externas são responsáveis pela formação da placenta. As plantas com frutos tem a estrutura chamada ‘endosperma’, que em geral é a parte suculenta do fruto, aquela que a gente come. Apesar das diferenças, o endosperma e a placenta tem a mesma função: transferir nutrientes da mãe para o embrião, seja ele um bebê ou um grão de milho. Uma placenta desenvolvida dá origem a um bebê maior e mais forte, que tem mais chances de sobreviver, mas enfraquece tanto a mãe quanto os outros filhotes que ela possa estar carregando na mesma gestação. Ainda que em humanos isso seja mais difícil, não é difícil de perceber a idéia por trás. Em muitos mamíferos, como os cãezinhos de estimação, a fêmea é capaz de carregar filhotes de diferentes machos em uma mesma gestação. Se um filhote carrega um gene do pai que estimula a formação de uma placenta grande, então aquele filhote receberá mais nutrientes que os outros, e nascerá com  mais chances de sobreviver. Para o filhote e para o pai dele é ótimo, mas para a mãe e os outros filhotes dela (meio-irmãos do ‘placentudo‘), é muito ruim.

Como a mãe tem sempre certeza que os filhotes são dela, ela quer mais é variar o macho, para ter uma prole diversificada, e com mais chances de ter seus genes se fixando na população. Para isso, ela quer garantir que os recursos energéticos que pode investir na reprodução, sejam divididos igualmente entre os filhotes, sem que ela aumente o risco de morte durante o nascimento ou seja prejudicada nas próximas gestações.

Para o macho, essa diversificação da fêmea não é interessante, porque criar futuros competidores para os seus genes. Então ele, além de cuidar para que ninguém mais fecunde a sua fêmea, coloca nos seus espermatozóides genes que vão explorar os recursos energéticos da fêmea e minimizar as chances de sucesso de outros filhotes dela que não sejam seus.

A mesma coisa acontece nas plantas com frutos. Os genes da planta macho querem um endosperma grande e suculento, para que os seus genes, presentes na semente, possam germinar com tranqüilidade. Já a planta fêmea, quer distribuir seus recursos em endospermas equivalentes para todos os frutos, garantindo a germinação de todas as sementes que ela produzir.

Sinistro, não é mesmo?!

Um ‘cabo de guerra’ até que a morte os separe.

Reik W, & Walter J (2001). Genomic imprinting: parental influence on the genome. Nature reviews. Genetics, 2 (1), 21-32 PMID: 11253064
Moore, T. (1991). Genomic imprinting in mammalian development: a parental tug-of-war Trends in Genetics, 7 (2), 45-49 DOI: 10.1016/0168-9525(91)90230-N

A reprodução assexuada

Uma vez, em uma festa, ouvi um amigo fazer o seguinte comentário: “sexo é bom, mas dá muito trabalho”. Até esse dia achava que todas as pessoas sabiam que o sexo era bom justamente porque dava trabalho. Eu gostava dele, mas ele era meio chato. Muito tempo depois, algumas semanas atrás na verdade, estava numa mesa de bar quando o assunto novamente veio à tona. Uma amiga estava reclamando de um outro amigo que, de tão mala, não poderia ser bom de cama. Ele insistia em, sempre que um cara bonitão chegava perto dela, apoiar as mãos seus ombros, como se estivessem juntos. E o bonitão se afastava.

Chegamos à conclusão que algumas pessoas, de tão chatas, deveriam se reproduzir assexuadamente.

Mas como não éramos todos biólogos a mesa, veio a pergunta: Existe reprodução assexuada?

A assexualidade é relativamente rara entre os organismos multicelulares por razões ainda não completamente compreendidas. Do ponto de vista estratégico, a hipótese atual é a de que a reprodução assexuada pode oferecer benefícios no curto prazo quando o crescimento populacional rápido se torna importante, como por exemplo, para colonizar um novo ambiente; ou em ambientes muito estáveis, que não oferecem risco. Aha!!! A associação entre os chatos e a reprodução assexuada foi crescendo. Chatos adoram tentar colonizar festas vazias e dominar relacionamentos estáveis.

Mas um outro fator chama atenção. As espécies assexuadas podem aumentar seus números rapidamente porque todos podem produzir ovos viáveis. Todos produzem ovos viáveis? Opa?! Então são todos fêmeas?

Sim, e por isso, em condições ideais, essas espécies apresentam o dobro da taxa de crescimento populacional. A partenogênese é um tipo de reprodução assexuada encontrada nos multicelulares e toda população de uma espécie que se reproduz dessa maneira é composta por fêmeas.

Isto sugeriria que apenas as fêmeas podem ser chatos assexuados, mas, como já vimos no início do texto, isso não é verdade. Na espécie humana, existem muitas fêmeas assexuadas sim, mas quase sempre associadas a um macho assexuado. No entanto, essas fêmeas não permanecem assexuadas por muito tempo…

Todos os indivíduos das espécies assexuadas possuem o mesmo (ou quase o mesmo) gentótipo (pop-up: o conjunto dos genes que confere as características gerais de cada indivíduo). Que deveria estar muito bem adaptado ao ambiente estável. A chave do tipo de reprodução está, então, na estabilidade do ambiente e não o sexo do organismo.

O microcrustáceo de água doce, Daphnia, se reproduz por partenogênese em condições ambientais estáveisNas populações sexuadas, a metade dos indivíduos é de machos que não podem, eles próprios, sozinhos, produzir descendentes. E por isso essas populações têm uma fecundidade menor. Mas as alterações genéticas decorrentes da troca de material genético durante a reprodução sexuada, criam para esses organismos um enorme potencial de adaptação a alterações no ambiente.

Por exemplo, se um novo predador, ou patógeno, aparecer no ambiente e o genótipo da população for particularmente indefeso contra ele, a linhagem assexuada inteira poderá ser completamente eliminada. Já nas linhagens que se reproduziram sexuadamente, devido à recombinação gênica que produz um genótipo novo em cada indivíduo, existe uma maior probabilidade de que pelo menos alguns deles sobrevivam àquelas mudanças (que podem ser tanto físicas quanto biológicas) no ambiente.

A reprodução sexuada veio para causar mudança. Mas ela também veio porque havia mudanças. Em longo prazo, todos os ambientes tendem a ser perturbados. Ainda que essas mudanças não sejam necessariamente súbitas, os ambientes estão permanentemente em transformação.

Citando Bernard Shaw: “Não há progresso sem mudança”.

Algumas espécies alternam entre as estratégias sexuada e assexuada dependendo das condições, uma habilidade conhecida por heterogamia. Por exemplo, o crustáceo de água doce Daphnia se reproduz por partenogênese durante a primavera para povoar rapidamente os lagos, mas muda para o modo sexuado quando a competição e a predação aumentam. Assim têm maiores chances de sobreviver.

Os chatos assexuados também tentam aumentar de número rapidamente, mas acabam perecendo frente a competição… ou a predação. Em geral, não dá pra distinguir o chato assexuado nos ambientes estáveis. Mas basta as condições mudarem um pouco pra que eles se revelem. As fêmeas assexuadas, especialmente aquelas que ficam bravas quando recebem lingerie sexy de presente dos seus parceiros no dia dos namorados, mesmo quando dispensadas, não continuam sozinhas por muito tempo. Tem sempre um chato assexuado mais chato de plantão e elas se adaptam de novo. Já os machos assexuados… têm uma sorte pior: primeiro as fêmeas ativam o modo partenogenético, mostrando pro cabra que não precisam dele pra nada mesmo, e depois… é meu amigo, depois elas ativam o modo sexuado mesmo!

PS: Contribuiu a minha grande amiga bióloga Cristine Barreto.

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