80 milhões de anos sem transar


Poucas espécies se reproduzem assexuadamente. Mas todas elas podem, de tantas em tanta gerações, fazerem um sexozinho para dar uma embaralhada nos genes. Na verdade todas menos uma: o rotífero Bdellóide.

Rotíferos são pequenos animais, principalmente, de água doce. Pequenos mesmo. Apesar de serem metazoários (grupo ao qual eu e você também pertencemos) eles são mutias vezes menores do que os organismos unicelulares com os quais eles habitam. Eles não passam de 0,5 mm e têm em torno de umas mil células.

Os metazoários são aqueles animais que tem mais de um tecido embrionário (que se formam das dobras que o embrião faz quando ainda é apenas um apanhado de células) que depois vão se diferenciar nos vários órgãos.

Não é a toa que fazem parte do superfilo asquelmintos, dêem uma olhada na foto e vocês vão ver como ele é meio asqueroso. Nessa imagem a típica ‘coroa’ de cílios que se parecem com ‘rodas’ em torno da boca e que dá o nome ao filo está embutida e o bicho parece uma ‘camisinha’ cheia de ar.


Mas isso não chegaria a ser motivo para o rotífero Bdelloide nunca, em 80 milhões de anos, ter feito sexo. Sabe aquela piada que as meninas falam de ‘nem se ele for o último homem da Terra…’ Os Bdellóides nunca viram um homem e vivem em um mundo apenas de mulheres. Desde que foram descobertos todos os indivíduos observados até hoje são femeas que se reproduzem partenogeneticamente.

Em condições ambientais estressantes, eles, na verdade elas, podem formar cistos que podem ser até fervidos sem serem destruídos, e assim permanecer por centenas de milhares de anos(!) e depois eclodirem e em poucos dias povoarem um pequeno lago.

O Bdellóide ainda hoje é um desafio para as teorias que tentam explicar o porquê (e para queê existe sexo e o porquê (e para quê) existem gêneros.

Qualquer que seja a razão, esses pobres animais são um forte evidência do sobrenatural, já que só pode ser alvo de uma maldição!

Não é a tôa que o cérebro deles não possui mais que umas 15 células.

Partenogenética Maria

Madonna con bambino de Giotto
É Natal e o que um cético pode fazer? Na verdade não muito. Não resta mais nenhum mito para caçar, mas mesmo assim, as pessoas acreditam.

Anos atrás vi um excelente documentário na Discovery explicando historicamente todos os mitos da religião católica. Caiam por terra um depois do outro. Já se sabe que Jesus não nasceu em Dezembro, que a estrela era um planeta e até que Maria não era virgem.

Abre Parenteses: Essa era justamente a história que eu queria contar hoje, sobre como Mateus, ao traduzir o Velho Testamento do hebraico para o grego, trocou a palavra ‘bethulah‘, a correta tradução para o termo original hebraico ‘almah‘ (donzela) utilizado para descrever Maria (a donzela Maria), por ‘Parthenos‘ (virgem), gerando o mais poderoso mito da religião católica. Mas é incrível a quantidade de textos já falando sobre isso na rede. Fecha parenteses.

Já falaram tudo que poderia ser dito sobre a pseudociência na Bíblia. As pessoas continuam acreditando porque precisam. Ou por falta de alternativa, já que nem a ciênciologia, aquela ficção científica barata disfarçada de religião, conseguiu oferecer uma crença mais plausível, baseada em evidências.

Não restou muito o que falar e eu estava resignado a ficar quieto, com um grande esforço para respeitar a crença de grande parte da minha espécie. Até assistir o episódio de Natal do seriado House ontem. Uma garota chega com dores no hospital e descobre-se grávida. Dizendo-se virgem e noiva de um rapaz também virgem, ela procura por uma explicação para a gravidez, sob a argumentação irônica do médico resmungão. Um barato!

Foi dai que eu pensei na questão: será que Maria poderia ter se reproduzido por partenogênese?

Apesar de termos uma população que beira os 7 bilhões de habitantes e uma taxa média de nascimentos de 21 por cada 1000 habitantes (faça as contas, leve ainda em consideração que foram várias gerações até hoje, desde antes da época de Cristo, e você verá o quão grande é esse espaço amostral, e quão significativa é essa observação), nunca foi relatado um caso de partenogenese em humanos. O que para mim é suficiente para dizer que não existe. Nem por erro.

Mas na TV tudo pode e House consegue mostrar, para a satisfação do namorado que começava a coçar a testa, como um dos óvulos da garota poderia ter sido acometido com um carga dupla de cromossomos (veja como aqui) e por um evento elétrico ter iniciado a divisão, dando origem 9 meses depois a um bebê de uma mãe virgem.

O namorado acreditou. Claro, tem gente que ainda acredita em Papai Noel. Os resultados do teste de paternidade tinham sido falsificados para deixar os pombinhos acreditarem no que quisessem. Até que um incrivelmente raro evento científico, tão raro que nunca aconteceu, é mais plausível do que uma namorada traidora, que, convenhamos, acontece o tempo inteiro.

Mas nem a hipótese da partenogenese em humanos salva o mito da Virgem Maria. Nas espécies que se reproduzem assexuadamente por partenogênese (veja aqui) a população é inteiramente de fêmeas. Claro, elas só possuem cromossomas X para passarem adiante, e uma fêmea só pode dar origem a outra fêmea.

Jesus teria de ser menina. Ou… Maria não era virgem.

A reprodução assexuada

Uma vez, em uma festa, ouvi um amigo fazer o seguinte comentário: “sexo é bom, mas dá muito trabalho”. Até esse dia achava que todas as pessoas sabiam que o sexo era bom justamente porque dava trabalho. Eu gostava dele, mas ele era meio chato. Muito tempo depois, algumas semanas atrás na verdade, estava numa mesa de bar quando o assunto novamente veio à tona. Uma amiga estava reclamando de um outro amigo que, de tão mala, não poderia ser bom de cama. Ele insistia em, sempre que um cara bonitão chegava perto dela, apoiar as mãos seus ombros, como se estivessem juntos. E o bonitão se afastava.

Chegamos à conclusão que algumas pessoas, de tão chatas, deveriam se reproduzir assexuadamente.

Mas como não éramos todos biólogos a mesa, veio a pergunta: Existe reprodução assexuada?

A assexualidade é relativamente rara entre os organismos multicelulares por razões ainda não completamente compreendidas. Do ponto de vista estratégico, a hipótese atual é a de que a reprodução assexuada pode oferecer benefícios no curto prazo quando o crescimento populacional rápido se torna importante, como por exemplo, para colonizar um novo ambiente; ou em ambientes muito estáveis, que não oferecem risco. Aha!!! A associação entre os chatos e a reprodução assexuada foi crescendo. Chatos adoram tentar colonizar festas vazias e dominar relacionamentos estáveis.

Mas um outro fator chama atenção. As espécies assexuadas podem aumentar seus números rapidamente porque todos podem produzir ovos viáveis. Todos produzem ovos viáveis? Opa?! Então são todos fêmeas?

Sim, e por isso, em condições ideais, essas espécies apresentam o dobro da taxa de crescimento populacional. A partenogênese é um tipo de reprodução assexuada encontrada nos multicelulares e toda população de uma espécie que se reproduz dessa maneira é composta por fêmeas.

Isto sugeriria que apenas as fêmeas podem ser chatos assexuados, mas, como já vimos no início do texto, isso não é verdade. Na espécie humana, existem muitas fêmeas assexuadas sim, mas quase sempre associadas a um macho assexuado. No entanto, essas fêmeas não permanecem assexuadas por muito tempo…

Todos os indivíduos das espécies assexuadas possuem o mesmo (ou quase o mesmo) gentótipo (pop-up: o conjunto dos genes que confere as características gerais de cada indivíduo). Que deveria estar muito bem adaptado ao ambiente estável. A chave do tipo de reprodução está, então, na estabilidade do ambiente e não o sexo do organismo.

O microcrustáceo de água doce, Daphnia, se reproduz por partenogênese em condições ambientais estáveisNas populações sexuadas, a metade dos indivíduos é de machos que não podem, eles próprios, sozinhos, produzir descendentes. E por isso essas populações têm uma fecundidade menor. Mas as alterações genéticas decorrentes da troca de material genético durante a reprodução sexuada, criam para esses organismos um enorme potencial de adaptação a alterações no ambiente.

Por exemplo, se um novo predador, ou patógeno, aparecer no ambiente e o genótipo da população for particularmente indefeso contra ele, a linhagem assexuada inteira poderá ser completamente eliminada. Já nas linhagens que se reproduziram sexuadamente, devido à recombinação gênica que produz um genótipo novo em cada indivíduo, existe uma maior probabilidade de que pelo menos alguns deles sobrevivam àquelas mudanças (que podem ser tanto físicas quanto biológicas) no ambiente.

A reprodução sexuada veio para causar mudança. Mas ela também veio porque havia mudanças. Em longo prazo, todos os ambientes tendem a ser perturbados. Ainda que essas mudanças não sejam necessariamente súbitas, os ambientes estão permanentemente em transformação.

Citando Bernard Shaw: “Não há progresso sem mudança”.

Algumas espécies alternam entre as estratégias sexuada e assexuada dependendo das condições, uma habilidade conhecida por heterogamia. Por exemplo, o crustáceo de água doce Daphnia se reproduz por partenogênese durante a primavera para povoar rapidamente os lagos, mas muda para o modo sexuado quando a competição e a predação aumentam. Assim têm maiores chances de sobreviver.

Os chatos assexuados também tentam aumentar de número rapidamente, mas acabam perecendo frente a competição… ou a predação. Em geral, não dá pra distinguir o chato assexuado nos ambientes estáveis. Mas basta as condições mudarem um pouco pra que eles se revelem. As fêmeas assexuadas, especialmente aquelas que ficam bravas quando recebem lingerie sexy de presente dos seus parceiros no dia dos namorados, mesmo quando dispensadas, não continuam sozinhas por muito tempo. Tem sempre um chato assexuado mais chato de plantão e elas se adaptam de novo. Já os machos assexuados… têm uma sorte pior: primeiro as fêmeas ativam o modo partenogenético, mostrando pro cabra que não precisam dele pra nada mesmo, e depois… é meu amigo, depois elas ativam o modo sexuado mesmo!

PS: Contribuiu a minha grande amiga bióloga Cristine Barreto.

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