Inovação da lei
Na semana passada foi amplamente divulgado pela imprensa o absurdo da produção de leis no Brasil: 75.517 leis criadas entre 2000 e 2010, numa média de 18 novas leis por dia.
Poderíamos pensar em todas essas novas leis como inovações, mas não são. Não tem como esse monte de leis ser viável. E não são. A reportagem no Globo fala muito bem sobre todos os problemas associados a esse alto número.
Um livro espetacular que li no ano passado e ainda não tinha comentado aqui, já tratava desse assunto. Chama-se The Death of Common Sense: How Law Is Suffocating America
(‘A morte do bom senso: como as leis estão sufocando os Estados Unidos’), do advogado americano Philip Howard. Ele mostra que essa enxurrada de leis matou o bom senso, a noção de ‘certo’ e ‘errado’ que todo mundo tem.
Para ele, o sistema legal moderno tem engloba o pior de dois mundos: É maior do que deveria ser porque quer fazer coisas demais, mas é menos eficiente do que deveria ser porque só consegue fazer coisas de menos:
“Esse paradoxo é explicado pela ausência de um ingrediente indispensável a qualquer empreendimento humano: o uso do discernimento. Nas décadas após a segunda guerra mundial, construímos um sistema de leis que basicamente exclui o bom senso, em um esforço para tornar a lei auto-executável e que tirou a sua humanidade.”
“Fazer leis cada vez mais precisas se tornou um mantra” Como se apenas elas pudessem garantir que não haverá favorecimento de uma das partes em diferentes situações. Não garantem.
Um dos princípios da evolução é que sem diversidade de possibilidades há mais chances de extinção. Organismos especialistas, que por exemplo só comem broto de bambu, podem ser muito eficientes e muito bem adaptados. Contanto que nunca falte broto de bambu. Já se você tem uma dieta flexível… pode ter uma dor de barriga de vez em quando, mas não vai passar fome se a sua floresta preferida for desmatada para o plantio de soja.
Existem estratégias evolutivamente estáveis, mas a melhor estratégia é poder mudar de estratégia se a situação assim pedir. E para isso, precisamos de discernimento, que tem sido preterido as normativas;
“O sistema interestadual de rodovias, até hoje o maior programa público de obras do pós-guerra, foi autorizado em 1956 com um estatuto de 28 páginas. A ‘lei do transporte’ que passou no congresso em 1991 sem que isso tenha afetado muito a sua vida, tinha dez vezes mais.(…) Só a EPA (agência de proteção ambiental americana) tem mais de 10.000 páginas de regulamentos.”
No Brasil não é muito diferente e basta ver o drama por que passam qualquer empreendimento que tente se instalar no Brasil. Será que deveríamos ter leis mais flexíveis, que contassem mais com o discernimento das pessoas? E se o resultado fosse que as hidroelétricas de Belo Monte, Santo Antônio e Jirau fossem instaladas sem uma discussão prévia? Acontece que com as leis precisas demais, os empreendimentos continuam acontecendo, mas ao invés de uma discussão, estimulamos o descumprimento da lei e a corrupção.
Eu acho que uma nova lei deveria ser considerada como uma inovação: só pode ser produzida se houver indícios concretos que ela possa ser cumprida. Nem só cumprida, ela tem que ser viável. Talvez, antes de qualquer um dos dois, ela tem de ser necessária!
O Richard Feynman dizia, ou eu depreendi isso do que li do livro dele ‘Deve ser brincadeira Sr. Feynman’ que uma boa idéia não pode refutar os princípios básicos das coisas. Já falei sobre isso aqui.
Lembro do meu deputado, o Fernando Gabeira, propondo isso no congresso anos atrás: que toda lei proposta fosse acompanhada de um estudo do custo de implementação.
Se todo deputado tivesse de escrever um plano de negócios de suas leis, para ser submetido a FINEP ou a um grupo de investidores de risco, ou mesmo de capital anjo, teríamos muito, muito menos leis. E teríamos deputados muito, muito melhor preparados.
Falta critério, falta bom senso, falta inovação.