O gene da Cinderela

O segundo capítulo de “A doutrina do DNA” de Richard Lewontin, um livro obrigatório para todos os biólogos, começa com a pergunta: “Está tudo nos genes?” A resposta é que nem tudo está no DNA. Fatores ambientais e o acaso, na forma das ‘anomalias do desenvolvimento’ (tudo explicadinho no livro), têm um papel importante no que torna cada ser vivo único.

Porém, algumas coisas estão nos genes sim. Quais? Isso foi tema de discussão com uma querida amiga psicóloga durante a última semana. ‘ID’, ‘EGO’ e Freud vinham pra cá; genes, mutações e Darwin iam pra lá. Acordamos que o comportamento humano possuía aspectos biológicos, algo parecido com o instinto (que eu coloquei no ID), que são transmitidos pelos genes de uma geração para outra; e aspectos culturais, dependente do ambiente, moral e ética (que eu coloquei no ego e superego) que não eram transmitidos para a próxima geração. Ou pelo menos não biologicamente.

Isso tudo porque eu tenho pensado muito ultimamente sobre como nosso comportamento biológico impõe limitações ao nosso comportamento cultural. Se não impõe limitações, deve ter um grau de responsabilidade pelos dilemas que enfrentamos ao longo da nossa vida. Porque algumas escolhas parecem tão complicadas? Porque é tão difícil ficar satisfeito? Porque, tantas vezes, somos tão ambíguos? Para mim, a resposta está em que nosso comportamento biológico diz uma coisa e nosso comportamento moral diz outra. Ainda que o moral vença na maior parte das vezes em nós animais racionais, ele raramente convence o biológico, que fica esperando o momento de apontar: “mas eu te disse!”

Mas não são apenas os genes dos nossos instintos que nos impõe limites. Existem exemplos mais concretos de limites morfológicos e fisiológicos que vão contra as determinações culturais. Os mais fáceis de explicar (e talvez mais interessantes) ilustram as diferenças entre homens e mulheres.

Durante o nosso desenvolvimento, além de colocar as coisas nos seus devidos lugares, os genes X(X) e(X)Y trabalham na ‘formatação’ do nosso cérebro para que sejamos homens ou mulheres. Espero que vocês me permitam a metáfora com os termos de informática. Se um corpo, o hardware, é masculinos ou femininos; a configuração do cérebro, o software, tem de acompanhar aquele corpo (em alguns casos isso não acontece, mas vou deixar, de novo, isso para outro post).
Diferenças importantes entre homens e mulheres são determinadas por essa formatação do cérebro. Uma formatação comandada por genes. Se vocês pudessem observar estudos de ressonância magnética no cérebro masculino e feminino enquanto ouvem o choro de um bebê ou quando tentam resolver a solução de um labirinto, veriam do que estou falando. “As aves que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá”, como diria Gonçalves Dias. As luzes que aqui (no cérebro do homem) acendem, não acendem como lá (no cérebro das mulheres). E vice-versa.

Homens têm maior profundidade de foco na visão e um raciocínio espacial melhor, o que permite enxergar mais longe com maior acurácia e precisão. As mulheres têm um campo visual (visão lateral) mais amplo e são capazes de lidar diferentes tipos de fontes de informação ao mesmo tempo. Essas habilidades e capacidades específicas diferentes foram inseridas no cérebro pelo ‘programa’ genético que acompanha cada um dos sexos. Provavelmente elas não nos servem hoje como serviram durante todo o tempo que foi necessário para que a seleção natural as escolhessem. Mas a questão é outra. A questão é que essas características nos impõe limites biológicos! Nenhum homem conseguirá ser tão eficiente em escutar e falar como uma mulher, e nenhuma mulher conseguirá ser tão eficiente quanto um homem em determinar posição e distância (a discussão do grau dessas diferenças fica para o outro texto que mencionei acima).

Os limites biológicos impostos pelas características morfológicas e fisiológicas, foram levando os sexos a optarem por estratégias de vida diferentes (o que por sua vez foi criando mais limites biológicos). Uma das diferenças de estratégia mais marcantes entre os sexos, nos mamíferos vivíparos como nós, é o investimento que fazem na prole: o da fêmea é significativamente maior que o do macho. Nos humanos, algumas peculiaridades fazem com que esse investimento seja ainda mais pesado. A relação entre o tamanho do bebe é tamanho da mãe é proporcionalmente maior que em qualquer outro mamífero. Isso maximiza a saúde do filhote, mas minimiza a da mãe. As dificuldades com o parto e o aleitamento impossibilitam a busca por abrigo, alimento e proteção de ambos. Com isso, a ajuda do pai não é apenas um luxo para que a fêmea não tenha que criar o filhote sozinha: é uma necessidade vital sem a qual as chances de sobrevivência da fêmea e do filhote são incrivelmente menores. Geneticamente, as fêmeas humanas foram desenhadas para precisarem do cuidado do macho humano. Que bom, porque se não fosse isso, provavelmente não teriam evoluído o sexo por diversão: único na natureza e a melhor estratégia que as fêmeas encontraram para manter o macho por perto (e feliz) cuidando delas e dos filhotes. Ainda que dê trabalho, compensa!

Porém, a codificação para um bebe maior e com maiores chances de sobrevivência não revogou instruções anteriores, como a de ‘encontre o melhor macho para seus filhotes. Se encontrar um macho melhor que o anterior, substitua o velho’. Como já falei aqui, machos são instintivamente (está nos genes) promíscuos e fêmeas são instintivamente infiéis. Hum… assim vou perder leitoras. Deixa eu reformular. As mulheres são biologicamente seletivas e carentes. Comportamentos instintivamente programados pelos genes para compatibilizar com a estratégia reprodutiva de alto custo energético com a prole. Biologicamente preparadas para a infidelidade, porque seu maior compromisso é com a prole, e não com o parceiro. Como compatibilizar esses instintos de seletividade e carência com a cultura que vivemos ignora, que ignora esses aspectos biológicos? Não dá. As mulheres modernas vivem em constante dilema. Essa ambigüidade foi muito bem identificada pela autora americana Colette Dowling no clássico dos anos 80 “O complexo de Cinderela” (que minha amiga Vanessa diz ser uma teoria ultrapassada, mas que nunca me pareceu tão atual).


Com a mudança do estilo de vida tribal de 2 milhões de anos atrás para o atual supermercado/microondas, o ‘gene da Cinderela’ se tornou um fardo para as mulheres modernas: bem sucedidas, competitivas na sociedade e no mundo profissional, capazes de superar grandes dificuldades na vida sozinhas, mas também capazes de abrir mão de todas as suas conquistas para sucumbirem a um desejo incontrolável de serem cuidadas pelos homens assim que encontram um.

A pitada de crueldade é dada pela inexistência no genoma masculino do ‘gene do príncipe encantado’. E tem
quem discorde de mim quando digo que a natureza é amoral.

O que é Semelparidade?

Confesso a vocês que no texto sobre por que acabamos atraindo apenas loucos, no comentário de uma amiga bióloga inteligentíssima, apareceu uma palavra que eu nunca tinha ouvido falar: semilparidade. Como a palavra veio em um contexto meio ameaçador, eu fui obrigado a investigar e agora conto pra vocês.
Na verdade o termo correto é Semelparidade. Semel vem do latim e quer dizer “apenas uma vez”, e parare (que também vem do latim), “dar a luz”. Pros que não gostam de pensar que somos como os animais, esse é um bom motivo. Os semélparas são animais que concentram seu esforço reprodutivo em apenas uma tentativa. Acasalam e depois da deposição dos ovos, as fêmeas morrem. Resumindo, eles trepam apenas uma vez na vida. Que tristeza!

Durante a pesquisa, fiquei feliz de descobrir que somos iteróparas! A Iteroparidade (itero do latim “várias vezes”) é o termo que descreve aquelas espécies que acasalam várias vezes ao longo da vida. Essa é uma realidade para muitas espécies, principalmente de mamíferos, que são muito mais felizes. Uma coisa leva a outra e me lembrei que somos uma das únicas espécies em todo o reino animal (e vegetal também) que fazem sexo por diversão. Parece que os golfinhos são a única outra espécie. Mas qual o objetivo evolutivo do sexo por diversão?

Na maioria das espécies, o sexo é tão bom que mesmo o instinto de sobrevivência sucumbe ao desejo sexual e o acasalamento pode ocorrer mesmo em situações de risco de vida (ex: com um predador por perto). Mas o desejo sexual não é contínuo e as fêmeas não estão sempre preparadas para o sexo. A excitação feminina, dependente do hormônio testosterona, vem junto com a ovulação. É o cio (ou calore em italiano) e é um processo lento, mas que não pode ser desperdiçado. Como o macho nunca sabe quando vai encontrar uma fêmea no cio, ele tem de estar SEMPRE pronto para o sexo. Ou pelo menos em um estado basal que permita a ele se aprontar para o sexo em pouco tempo (os homens podem passar de um estado de não excitação a prontos para copula em 30s). Isso é garantido pelas altas concentrações de testosterona no corpo do homem.

Na maior parte das espécies, a excitação feminina é demonstrada de várias formas. A genitália muda de cor e de forma. Em macacos babuínos, os grandes lábios incham aumentando de tamanho e passam de uma tonalidade roxa para um vermelho vivo. Alem disso, a fêmea exala um odor particular, com substâncias químicas (os feromônios), que indicam ao macho que ela está pronta para a cópula. Se a vagina vermelha, inchada, quente e cheirosa não for suficiente para chamar atenção do cara, ela ainda faz danças e movimentos que indicam, com as mãos e gritos, que o momento é aquele e ainda indicam o “caminho” para ele.

Que felicidade seria sair à noite e saber exatamente quais fêmeas estão prontas para copular, não é mesmo rapazes? Bom, mas isso causaria um problema evolutivo para as fêmeas humanas. O fato é que o filhote humano é muito grande em relação ao corpo da fêmea (da mulher), e por isso que o parto é difícil e necessita de assistência, sem falar no número de mulheres que fenecem no parto. O auxilio precisa ser durante o parto, mas também no período de recuperação. E não só ela, mas também o filhote (que é grande, mas bobo e dependente) necessita de auxílio (em ambos os casos, por auxílio entenda-se alimento e proteção contra predadores). Quem é o escolhido para auxiliar nesse momento? O homem!

Mas por que o homem, que como nós já falamos anteriormente tem uma estratégia reprodutiva diferente da mulher, ficaria para ajudar depois de ter copulado? Não me venham com respostas culturais do tipo… por amor. O macho necessita de um argumento muuuuuuito bom para ficar ao lado da fêmea nesse momento e continuar provendo suas necessidades. E que argumento poderia ser melhor do que sexo? Nenhum, apenas MAIS sexo! Por isso, as fêmeas humanas desenvolveram evolutivamente a capacidade de ter sexo fora do período reprodutivo, apenas para manter o macho presente e feliz, a ponto de continuar suprindo suas necessidades. Claro, ela também tem prazer com isso, mas essa não era a idéia original. Vocês meninas é que acabaram aperfeiçoando o processo!

Mas para isso ser verdade, precisaríamos observar algo que parece controverso: que os machos humanos casados e com filhos fariam mais sexo que os machos humanos solteiros e sem prole. Obviamente já foram pesquisar o assunto, e os homens casados fazem sexo em média 3 vezes por semana, enquanto os solteiros fazem menos de 1 vez por semana! É um fato.

Então, da próxima vez que você invejar aquele seu amigo solteiro que ta saindo para uma tremenda noitada enquanto você vai pra casa colocar os filhos pra dormir, lembre-se que você vai trepar com certeza, já ele…

Por que algumas mulheres (homens) só atraem homens (mulheres) malucos(as)?

Vai dizer que essa não é uma pergunta interessante? Aposto que o novo contador instalado no Blog vai disparar! Mais uma vez, não é uma pergunta pra Biólogo, mas como eu disse anteriormente, isso não importa, desde que tenha ciência por trás e que eu possa tentar falar a respeito. Não espere a solução dos seus problemas por que esse não é um site de auto-ajuda.
Cientificamente, os homens fazem parte do grupo que chamamos de estrategistas ‘r’. O ‘r’ é minúsculo mesmo e representa o valor do coeficiente de crescimento exponencial de uma população que nunca chega ao equilíbrio. Mulheres são estrategistas K, maiúsculo, e representa o valor da constante de equilíbrio de uma população quando alcança a estabilidade, em uma outra equação. Essas duas estratégias estão relacionadas com utilização de energia. Não existe estratégia certa ou errada. Existem duas formas de alcançar o sucesso reprodutivo (e evolutivo) em longo prazo. Ambas são perfeitamente viáveis (o que é mais importante que serem ‘certas’ ou ‘erradas’). Isso se não tivessem de conviver juntas!
Evolutivamente, as fêmeas acharam por bem manterem seus ovos próximos a elas, já que o custo” energético de um ovo é extremamente alto para um predador qualquer se valer dele. Acabaram por manterem seus ovos ‘dentro delas. Isso trouxe uma vantagem seríssima para as fêmeas: seus filhotes são sempre seus! Ela nunca corre o risco de cuidar de um ovo que não seja seu! O que é importantíssimo, já que o custo de manter o ovo dentro do próprio corpo e depois ainda amamentar, no caso dos mamíferos, é muito elevado.
Todo esse ‘investimento energético na gestação, fez com que as fêmeas desenvolvessem mecanismos muito seletivos para a escolha do macho. Pra gerar um filho, não poderia ser qualquer um. Tinha de ser o mais forte e com sistema imune mais eficiente. Um macho que pudesse providenciar comida e abrigo para ela e o filhote. Bom, achar um macho assim, nem era difícil, o problema era convencer ele a topar essa proposta. Basicamente a proposta é: “Me dê casa, comida e roupa lavada, por que eu juro que o filho é teu!”. Mas muitas vezes… o filho não era.

Durante um mesmo período fértil, quando o macho dava uma escapada pra buscar comida, se aparecesse outro macho, mais viril, mais forte, mais bonito ou mais resistente a doenças, a fêmea não pensava duas vezes, e dava pra ele também (de acordo com alguns cientistas, a partir desse momento começa uma ‘guerra’ entre os espermatozóides dos dois machos, dentro das trompas da fêmea. Se você quiser saber mais pode ler o livro Sperm Wars: The Science of Sex de Robin Baker).
A questão é tão séria que define promiscuidade. Apesar de muitas fêmeas humanas terem diversos parceiros ao longo da vida, elas não são promiscuas, sendo o termo reservado apenas para aquelas que tem diferentes parceiros durante o mesmo ciclo ovulatório. Ou seja: aquelas que não podem garantir quem é o pai!
Os machos para não precisarem correr o risco de acreditar em suas fêmeas, desenvolveram uma outra estratégia. Como eles efetivamente nunca teriam certeza que seus filhotes eram seus, eles resolveram investir pouca energia neles, ou melhor, em cada um deles. Produziram muitos espermatozóides, mas muitos mesmos, células pequenas, simples e que não gastassem muita energia. E jogaram com a sorte: poderia ser que uma fêmea, duas, vai lá, três se ele fosse muito ferrado, poderiam encontrar um macho mais interessante depois de terem sido fecundadas por ele. Mas mais que isso… seria difícil. Como as mulheres sabem, não tem tanto homem interessante dando sopa por ai. Bom, os machos também sabiam disso (alias, melhor que as mulheres, por isso fazem um doce de vez em quando) e por isso, resolveram espalhar seus espermatozóides pelo maior número de fêmeas possível. Só assim, estatisticamente, seus genes seriam passados adiante. De uma forma, ou de outra. E como ainda por cima eles não tem interesse em investir energia na prole que não tem certeza de ser sua, precisam fecundar um número ainda maior de fêmeas, para aumentarem suas chances de terem uma descendência.
Parece machista? Terrível? Olhe a sua volta: peixes, aves, cães e gatos… todos fazem assim, só nós queremos ser diferentes.
Agora entra o argumento óbvio: Ahh… mas nós não somos cães e gatos! Nós somos inteligentes! Mesmo os seres humanos, viveram como animais no último 1 milhão de anos. Apenas nós últimos 4-5 mil anos, começamos a nos civilizar(?). Acreditem em mim, isso não é tempo suficiente pra seleção natural agir e mudar nossa biologia.
A natureza criou as mulheres exigentes e os homens descompromissados. As fêmeas exigem qualidade e prometem fidelidade, mas… traem! Os homens… bem, os homens só traem mesmo!
Não somos malucos, mas temos regras sociais que ditam uma coisa e hormônios que exigem outra. Uma equação difícil de resolver. Somos a primeira espécie que tenta apaziguar uma guerra evolutiva entre os sexos que dura milhões de anos. E estamos pagando o preço.
Mas isso não serve de desculpa para ninguém. Temos mesmo a inteligência e a cultura, e devemos fazer uso delas. Mas se resolvermos fechar os olhos para as questões biológicas (e abrirmos muito eles para os contos de fadas), corremos o risco, simplesmente de morrer tentando. Ou pior ainda, de não trepar!

PS: Pra quem estiver mais curioso sobre os aspectos científicos do sexo e dos relacionamentos, não deixe de ler o impagável “Por que os homens fazem sexo e as mulheres fazem amor” de Allan e Bárbara Pease. E pra quem estiver muito interessado mesmo nas questões biológicas mais intrigantes (Por que as mulheres mestruam? Por que os homens não amamentam?) podem tentar ler (por que é meio chato, apesar de super interessante) “Why sex is fun?” de Jared Diamond.

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