O gene do Tocha humana

Queria começar esse texto com a etimologia da expressão “queimar o filme”, mas rapidamente vi que seria impossível e então desisti antes de começar. Era importante pra explicar que a expressão é utilizada pra dizer que “alguém” pode queimar o “seu filme”, o que geralmente acontece se você é vacilão, mas e quando VOCÊ é o grande especialista em “queimar” o seu próprio “filme”? Uma daquelas pessoas que “se queima sozinha”, sem nem precisar da trapalhada dos outros? Um tocha humana, que basta dizer “inflame-se” e pronto… se queimou!

A questão levantada na última mesa de bar, com maioria arrasadora de biólogos, do tipo que não perdoam uma, foi: existe um gene para a “autocombustão”?

Sabe quando está passando aquela mulher gostosézima, você está com a sua namorada do lado e… você sabe que ela vai estar te vigiando, mas…. você deveria olhar pra calçada, mas… não consegue se controlar e…. olha pra bunda da gostosa?! Tipo quando está em uma mesa predominantemente de mulheres e… começa com o maior papo machista de falar mal da mulher que você tem (ou bem das mulheres que você não tem)? Isso serve pra contar piadas de mal gosto, dar aquele drible a mais no futebol, tirar a cebola da pizza e pra mais um monte de coisas. É queimação na certa, mas é inevitável.

Fiquei pensando se esse comportamento não se encaixaria em um dos padrões conhecidos de expressão gênica, e esse gene, quando ativado por algum fator externo, levaria a uma disfunção na cascata de ativação das fosforilases que deveriam ativar o seu superego, a região do seu inconsciente que trava, por razões boas ou ruins, essas enxurradas de inoportunismos.

Os genes em organismos superiores, os eucariotos, são controlados de muitas formas, apesar de poderem apresentar um mecanismo básico: possuem uma região promotora, que é capaz de receber sinais do exterior da célula e ativar a transcrição do gene; possuem seqüências espaçadoras chamadas Íntrons, que ajudam a determinar a forma final do RNA; precisam de um conjunto de enzimas para transcreverem a seqüência do DNA em uma seqüência de RNA; e de um outro conjunto de enzimas e moléculas (os ribossomos) para transformarem esse molde de mRNA em uma proteína.

Muitos genes possuem mecanismos de indução e repressão. Moléculas sinalizadoras (em geral proteínas) chamadas fatores de transcrição, podem se ligar ao DNA fazendo com que o gene seja mais. Outras moléculas, chamadas repressores, enquanto estão ligadas ao DNA, impedem que o gene seja ativado. Nesses casos, o sinal para ativação do gene é o desligamento dessa molécula.
Em geral (de novo) o mecanismo de comunicação entre o meio extracelular e o núcleo da célula (onde está o DNA) é através de uma cascata de reações. Uma proteína receptora específica na membrana celular é ativada pela ligação do seu sinal específico (por exemplo, o álcool no sangue). Essa proteína usa então passa um fosfato para uma outra proteína abaixo dela, que vai passando o fosfato adianta, através de várias outras proteínas no citoplasma, até a proteína, final, ligada ao fosfato, entrar no núcleo e se ligar ao promotor do gene no DNA, ativando a transcrição.

Então, voltando ao gene de “autocombustão”. Me parece um mecanismo de repressão clássico, com uma molécula ligada ao DNA constantemente, que impede que a gente seja inconveniente na maior parte do tempo (pelo menos a maior parte de nós, por que tem gente… que insiste em ser inconveniente o tempo todo). Algum fator… que não me parece ser o álcool, a nicotina, ou a cafeína; poderia ser o desbloqueador desse gene. Mas ainda assim, me parece estranho… não deveríamos ser inconvenientes em momento nenhum! E qualquer gene que levasse a inconveniência seria rapidamente excluído da população pela seleção natural. Como já vimos, os chatos acabam se reproduzindo assexuadamente.

Então o gene não seria da autocombustão e sim um gene da resposta mal-criada (esse sim, com grande utilidade em diferentes momentos). Por um erro na cascata de fosforilação, esse gene seria ativado em situações desnecessárias fazendo com que você, ao invés de mal-criado, acabe sendo inconveniente, inoportuno e… se queimando.

Finalmente, poderíamos ter um gene do “não-tô-nem-ai”, que também é muito útil, mas que funciona com um mecanismo diferente. Esse, em geral, não tem repressor, nem ativador, está acionado o tempo todo. Tem gente que é assim mesmo.

Mas, infelizmente, tudo isso é divagação. Não existe nenhum gene para esse comportamento. Como começamos a ver no início da semana, o determinismo biológico é furado! A inconveniência, a autocombustão e o inoportunismo dependem do ambiente e do contexto. O problema da gente não é ativar um gene ou outro: é não reconhecer os diferentes contextos, ambientes e situações particulares. Pode ser por falta de hábito, pode ser por desatenção, falta de jeito ou por pura falta de educação mesmo.

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