Aprendendo a se importar
Mais um ano letivo vai terminando. E mais do que em outros anos, me assusturam as salas vazias. Na pauta, 67 alunos; na sala, 14 alunos. Como é que pode?
Não sou daqueles politicamente corretos que não usam certas palavras por prevenção. Então me pergunto: de quem é a culpa? A responsabilidade eu sei: é dos alunos. São eles que não aparecem e eles que levantam no meio da aula e vão embora, para atender o telefone, comer, ir no banheiro, porque não estão entendendo nada, porque acham que podem copiar do colega ou buscar no google, porque já não assistiram as outras aulas mesmo. Ou, simplesmente, por que não estão nem ai.
Mas e a culpa? Será que é do professor? Não são bons? Não sabem a matéria? Não sabem dar aula? São chatos?
Uma coisa é certa. Na verdade duas coisas são certas. A primeira é que o professor não sabe mais tudo (já soube algum dia?). E o trabalho dele não é mais saber tudo para passar isso para o aluno. O trabalho dele não é nem mesmo ‘fazer um resumo’ para o aluno do que é mais importante, porque a quantidade de informação no mundo é tanta, que qualquer resumo é superficial e individual. A segunda é que o Google, os slides da aula e as anotações do caderno do colega não substituem o professor.
Então entrar na UFRJ e passar pelo curso de graduação, no caso dos meus alunos em Biologia ou Biofísica, achando que você não tem nada a aprender, ou que porque os métodos são meio antiquados o que você pode aprender ali não vai fazer diferença na sua vida, é um grande, um enorme, um gigantesco erro.
Duas outras verdades: A primeira é que muitos dos alunos só vão descobrir isso quando for tarde demais. Quando a competição (sim, porque em algum lugar tem alguém estudando mais, prestando atenção em um professor que não é tão ‘cool’ quanto o facebook da sua namorada, ou lendo aquele ‘livro careta’) tiver atropelado ele na corrida pela bolsa de mestrado ou pelo posto de trabalho. Ou talvez nem isso, já que muitos fazem parte da geração ‘eu mereço’ da qual fala a Eliane Brum. Vão ficar se perguntando “Como puderam dar a vaga (ou a bolsa) para el@? Eu merecia!”
“Meu filho, você não merece nada!” Adorei a reportagem da Eliane. Me lembrei agora de um quadrinho que postaram no facebook e que eu, sem saber a quem referir o original, em nome da boa mensagem que ele traz, posto aqui também.
Não acho que a culpa seja do professor e não acho que vamos resolver esse problema citando ‘Sociedade dos Poetas Mortos‘. No semestre que vem, vai ser como Mercy Tainot, a professora universitária em um ‘community college‘ americano interpretada por Julia Roberts em ‘Larry Crowne‘. No primeiro dia de aula ela fala a seus 9 alunos:
“Isto é o que vão aprender a fazer na minha aula.
IMPORTAR-SE
Se não ligarem para minha aula, eu também não vou ligar.
Se não chegarem aqui tendo dormindo o mínimo de horas necessário para participarem e demonstrarem interesse durante os 55 minutos que preciso estar aqui três madrugadas por semana,
então vocês não se importam com a Oratória 217: a Arte de comunicação informal.
Portanto, saiam. Saiam, agora! Imediatamente! Fora!”
Eu tive vários professores chatos ao longo da minha vida. Mas em um determinado momento descobri que você pode ‘tirar’ do professor aquilo que é interessante pra você. Perguntando, sugerindo, discutindo. Se o professor topar esse esquema, ele é bom (independente de ele ser um bom comunicador).
A aula não é só o professor quem faz.
O gene do Tocha humana
A questão levantada na última mesa de bar, com maioria arrasadora de biólogos, do tipo que não perdoam uma, foi: existe um gene para a “autocombustão”?
Sabe quando está passando aquela mulher gostosézima, você está com a sua namorada do lado e… você sabe que ela vai estar te vigiando, mas…. você deveria olhar pra calçada, mas… não consegue se controlar e…. olha pra bunda da gostosa?! Tipo quando está em uma mesa predominantemente de mulheres e… começa com o maior papo machista de falar mal da mulher que você tem (ou bem das mulheres que você não tem)? Isso serve pra contar piadas de mal gosto, dar aquele drible a mais no futebol, tirar a cebola da pizza e pra mais um monte de coisas. É queimação na certa, mas é inevitável.
Fiquei pensando se esse comportamento não se encaixaria em um dos padrões conhecidos de expressão gênica, e esse gene, quando ativado por algum fator externo, levaria a uma disfunção na cascata de ativação das fosforilases que deveriam ativar o seu superego, a região do seu inconsciente que trava, por razões boas ou ruins, essas enxurradas de inoportunismos.
Os genes em organismos superiores, os eucariotos, são controlados de muitas formas, apesar de poderem apresentar um mecanismo básico: possuem uma região promotora, que é capaz de receber sinais do exterior da célula e ativar a transcrição do gene; possuem seqüências espaçadoras chamadas Íntrons, que ajudam a determinar a forma final do RNA; precisam de um conjunto de enzimas para transcreverem a seqüência do DNA em uma seqüência de RNA; e de um outro conjunto de enzimas e moléculas (os ribossomos) para transformarem esse molde de mRNA em uma proteína.
Muitos genes possuem mecanismos de indução e repressão. Moléculas sinalizadoras (em geral proteínas) chamadas fatores de transcrição, podem se ligar ao DNA fazendo com que o gene seja mais. Outras moléculas, chamadas repressores, enquanto estão ligadas ao DNA, impedem que o gene seja ativado. Nesses casos, o sinal para ativação do gene é o desligamento dessa molécula.
Em geral (de novo) o mecanismo de comunicação entre o meio extracelular e o núcleo da célula (onde está o DNA) é através de uma cascata de reações. Uma proteína receptora específica na membrana celular é ativada pela ligação do seu sinal específico (por exemplo, o álcool no sangue). Essa proteína usa então passa um fosfato para uma outra proteína abaixo dela, que vai passando o fosfato adianta, através de várias outras proteínas no citoplasma, até a proteína, final, ligada ao fosfato, entrar no núcleo e se ligar ao promotor do gene no DNA, ativando a transcrição.
Então, voltando ao gene de “autocombustão”. Me parece um mecanismo de repressão clássico, com uma molécula ligada ao DNA constantemente, que impede que a gente seja inconveniente na maior parte do tempo (pelo menos a maior parte de nós, por que tem gente… que insiste em ser inconveniente o tempo todo). Algum fator… que não me parece ser o álcool, a nicotina, ou a cafeína; poderia ser o desbloqueador desse gene. Mas ainda assim, me parece estranho… não deveríamos ser inconvenientes em momento nenhum! E qualquer gene que levasse a inconveniência seria rapidamente excluído da população pela seleção natural. Como já vimos, os chatos acabam se reproduzindo assexuadamente.
Então o gene não seria da autocombustão e sim um gene da resposta mal-criada (esse sim, com grande utilidade em diferentes momentos). Por um erro na cascata de fosforilação, esse gene seria ativado em situações desnecessárias fazendo com que você, ao invés de mal-criado, acabe sendo inconveniente, inoportuno e… se queimando.
Finalmente, poderíamos ter um gene do “não-tô-nem-ai”, que também é muito útil, mas que funciona com um mecanismo diferente. Esse, em geral, não tem repressor, nem ativador, está acionado o tempo todo. Tem gente que é assim mesmo.
Mas, infelizmente, tudo isso é divagação. Não existe nenhum gene para esse comportamento. Como começamos a ver no início da semana, o determinismo biológico é furado! A inconveniência, a autocombustão e o inoportunismo dependem do ambiente e do contexto. O problema da gente não é ativar um gene ou outro: é não reconhecer os diferentes contextos, ambientes e situações particulares. Pode ser por falta de hábito, pode ser por desatenção, falta de jeito ou por pura falta de educação mesmo.