As metáforas científicas no discurso jornalístico
Hoje dei uma palestra sobre Escrita Criativa em Ciência na III Escola Temática de Química da UFRJ cujo tema era Divulgação Científica. Na palestra anterior a minha, um aluno perguntou que ferramentas poderiam ser utilizadas para sensibilizar o público da presença da ciência no nosso dia-a-dia.
Uma possível resposta para essa pergunta foi dada pelo nosso colega blogueiro e físico da USP-Ribeirão Osame Kinouche, com a psicóloga Angélica Mandrá, no ótimo artigo “Metáforas científicas no discurso jornalístico”. Meus amigos jornalistas deveriam adorar. Quando conversei com eles pela primeira vez sobre esse assunto, no I EWCLiPo, fiquei pasmo: era óbvio e eu nunca tinha pensado a respeito.
O que só torna a percepção deles mais genial: existem dezenas de termos utilizados na linguagem formal e informal cuja etimologia é científica.
As mais fáceis de reconhecer são termos da geometria Euclidiana como Ponto de vista; Linha de raciocínio; Traçar um paralelo; Analisar por outro ângulo; Volume de conhecimentos; Plano pessoal; Círculo de amizades e Triângulo amoroso.
É verdade que o oposto também é verdadeiro, e os cientistas se aproveitam de termos coloquiais com forte apelo imagético/sensorial para criar expressões científicas que possuem forte carga metafórica: barreira entrópica, relevo de energia, poço de potencial, ruído branco, paisagem rugosa, rede cristalina, buraco negro, supercordas. Termos mais simples como “carga”, “corrente”, “fio”, “pressão”, “resistência”, “campo” etc. também são etimologicamente anteriores ao seu uso científico.
Algumas vezes a comunicação tem ruído e as metáforas não funcionam bem. E com conseqüências relativamente sérias para o aprendizado de alguns conceitos em física: as palavras “aceleração”, “força”, “peso”, “trabalho”, “energia”, “calor”, tem sentidos coloquiais diferentes do técnico. Ou você não sabia que o que chamamos de ‘peso’ na verdade é a ‘massa’ de um corpo, e que o peso mesmo é a resultante da ação da gravidade nessa massa?! E dai?! Você pode dizer. Bom, você pode achar que isso não tem importância, mas dá um nó na cabeça dos alunos tanto no ensino médio quanto depois na faculdade de física. E nós já temos problemas suficientes para formar todos os físicos que o Brasil precisa.
A saída acha pelos cientistas para minimizar essa confusão não ajuda em nada a aproximar a ciência do cidadão leigo. Eles criam neologismos radicais, com um mínimo de sentido metafórico: quark, próton, entropia, entalpia, fractal, quasar etc. Mas mesmo assim, esses termos acabam chegando metaforicamente a linguagem comum, como já acontece com entropia (como metáfora para desordem) e fractal (como metáfora para organização em vários níveis). Não é um barato?!
Para vocês terem uma idéia, numa análise do número de vezes que os termos ‘pêndulo’ (física clássica) e ‘buraco negro’ (física moderna) são utilizados metaforicamente em aproximadamente 50% dos textos jornalísticos dos portais da Folha de São Paulo, do Estado de São Paulo e do G1 (confira o artigo para ver os números exatos).
O uso desses termos também demonstra que o uso metafórico de termos técnicos científicos serve para aumentar o potencial de expressão criativa do cidadão comum, ou mesmo um reconhecimento mais correto do mundo que o cerca, porque amplia ou expande a sua compreensão: termos como “forças políticas”, “equilíbrio de poder”, “fonte de atrito”, “tensão social”, sugerem a visão mecanicista da sociedade como uma máquina, que remete a física clássica determinística de Newton. No entanto, muitos desses fenômenos não tem nada de determinísticos. E a medida que aumenta a compreensão dos cientistas de fenômenos não lineares, como aqueles governados pela teoria do Caos, novos termos que expressam mais corretamente a incerteza relacionada aos fenômenos, como “efeito borboleta”, se incorporam a linguagem e permitem a representação mais correta dessas idéias.
Isso é muito importante porque, como dizem os autores, “Nosso repertório metafórico não apenas limita nossa capacidade de falar sobre tais sistemas, mas afeta nossa maneira de concebê-los e interagir com eles.”
Osame e Angélica terminam concluindo que o pensamento, o ato da cognição, é metafórico e usamos metáforas para compreender um conteúdo-alvo abstratos a partir de um conteúdo-origem concreto. Ao enriquecer o repertório conceitual da população, a educação e a divulgação científicas produzem novas metáforas no discurso comum, que permitem a melhor descrição de sistemas complexos como os sistemas sociais e econômicos.
Se você se interessa por ciência e por divulgação científica não pode deixar de ler.
PS: E olhem só, apesar de eu ter conversado apenas um pouco com um e outro tempos atrás pelo grande interesse que o assunto me despertou, ainda ganhei uma menção nos agradecimentos. Obrigado!
Quanto tempo faz?
Há muito venho querendo escrever sobre uma coisa bastante complicada: o tempo.
Vários textos que eu coloquei sugerem o tempo, e até uma das minhas leitoras mais assíduas, a Aliki, pediu pra eu escrever sobre o assunto. Sempre hesito por várias razões: primeiro porque quase necessariamente vou ter que falar da 1ª e da 2ª leis da termodinâmica, o que por si só são assuntos difíceis, especialmente a parte que fala de entropia. Segundo, porque um monte de gente boa já escreveu muito bem sobre o tema, como por exemplo esse texto do Marcelo Gleiser.
Mas hoje resolvi escrever por várias razões também. A primeira delas é que faz muito tempo que eu não escrevo, o que dá um tempero novo ao assunto: voltar falando sobre o tempo, depois de tanto tempo 😉 A segunda razão é que eu deixe por tanto tempo (olha o tempo de novo ai) o artigo texto sobre a 1ª e da 2ª leis da termodinâmica que vocês já devem ter aprendido algo a respeito. Finalmente, dia desses, lendo o novo livro do Jabor (que por falar nisso, é meio chatinho) eu encontrei a deixa que precisava pra entrar no tema.
O Jabor fala de uma experiência do Glauber Rocha, que filmou índios de uma tribo do Mato Grosso e depois de 20 anos voltou à tribo pra mostrar o filme pros caras. Eles se viram crianças, viram entes que já tinham morrido e descobriram o passado. Até então a vida para eles era um grande presente. E sem passado, a idéia de futuro é difícil de imaginar. Einstein já tinha demonstrado que o tempo é relativo, mas esse pequeno trecho do livro do jabor mostra que a Percepção do tempo também é relativa. Nem todo mundo tem.
O tempo, e ao que parece, tudo no universo, está ligado também à energia. Na verdade existe a sugestão de que o tempo só começou quando o universo começou, o que torna a nossa compreensão do universo ainda mais difícil. Nunca houve um antes do universo.
Hum… parece que eu estou dificultando mais do que facilitando. Vamos lá: a nossa percepção de que o tempo passa, está diretamente ligada a irreversibilidade de alguns fenômenos. O tempo passa porque algumas coisas que acontecem são irreversíveis e isso, como vamos ver daqui a pouco, tem a ver com energia.
Vamos imaginar o exemplo do pendulo, que todos nós vimos na escola em algum momento, naquelas chatíssimas aulas de física. Se fizermos um filminho do pendulo e passarmos ele para frente ou para trás, vamos ver exatamente a mesma coisa. Presente, passado e futuro são iguais. O tempo não existe. Mas o pendulo só funciona em uma situação ideal, (no vácuo, com energia constante, blá, blá, blá). Muitos outros fenômenos, ou reações químicas, são irreversíveis. Ou seja, não voltam a sua posição inicial. Uma folha de papel rasgada não volta a ser uma folha de papel inteira; um fósforo queimado não volta a ser um fósforo e uma bicicleta enferrujada não volta a ser linda e nova.
Eu provavelmente perdi tempo demais nessa questão da energia, mas ela é fundamental para entender porque o tempo passa. Se a energia armazenada ou liberada por um fenômeno da natureza é sempre menor do que a do evento anterior, então, nunca podemos reverter o fenômeno com a sua própria energia. E assim… as coisas acontecem sem que possamos reverte-las. E o tempo… passa.