Você acredita em magia? (terminei de ler…)

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As vezes a gente ouve uma música que diz tudo aquilo que a gente está sentindo. Ficamos impressionados de como alguém pode ter escrito as palavras que estavam em nossa cabeça, a gente só não sabia até ouvir. Ou isso nunca aconteceu com você ouvindo uma música do Chico Buarque? A verdade é que mesmo que quiséssemos, não poderíamos escrever a música. Mas que dava vontade de ter escrito, dava.

As vezes isso acontece comigo também quando leio um livro. E foi assim com ‘Do you believe in magic? The sense and non sense of alternative medicine’ (você acredita em magia? O sentido e o sem sentido da medicina alternativa) de Paul Offit.

Eu, que desde 2011 tenho rascunhos de textos no blog para falar sobre o fiasco do artigo da memória da água, publicado na prestigiosa revista ‘Nature’ em 1988 pelo francês Jacques Benveniste, só para depois ser retratado pelos editores (que não conseguiram reproduzir os resultados e terminaram acusando os autores de fraude), ou sobre a descoberta da via de ação do efeito placebo; quando li o livro de Offit, fiquei maravilhado: deletei os rascunhos velhos porque tudo que eu gostaria de ter dito, ele escreveu. Não sei se melhor do que eu escreveria ;-), mas muito bem escrito.

E ainda mais, ele traz TODOS os fatos relacionados ao crescimento descontrolado, desregulado e perigoso da industria de vitaminas: datas, montantes, leis, atos; nomes de lobistas, congressistas, CEOs de empresas, pseudo xamãs e celebridades que, equivocadas ou mal intencionadas, promovem o que não só não ajuda a saúde (soluções de água pura ou pílulas de açúcar) como o que pode fazer mal e até matar (excesso de antioxidantes).

Os resultados científicos compilados por Offit ao longo de mais de 100 anos da história da medicina científica colocam por terra as falsas promessas das milenares das ‘medicinas’ ayurvédica e chinesas. Assim como a acupuntura, quiropraxia, Roff, etc, etc, etc. Como ele diz no livro: “Não existe medicina e medicina alternativa. Existe medicina que funciona, de maneira reprodutível e comprovada cientificamente, e medicina que não funciona”.

Além disso, mostra como a atenção do médico e o efeito placebo podem, realmente, ajudar em algumas situações, mas quase exclusivamente situações onde a ‘dor’ (que tem um forte componente psicológico) está envolvida. E não… não se cura AIDS ou Cancer com o efeito placebo. Ou com ativação do sistema imune.

Diferente do classico programa dos anos 80 ‘Acredite, se quiser’ (Ripley’s Believe It or Not!), onde Jack Palace apresentava historias verdadeiras, mas quase inacreditáveis, Offit nos mostra como historias falsas, foram contadas de maneira muito acreditável por servir aos interesses de uma industria de vitaminas e suplementos alimentares que fatura tanto quanto a industria farmacêutica criticada pelos adeptos dessas práticas, mas sem gastar nenhum tostão em controle de qualidade, prova de eficácia ou eficiência.

Acredite somente se quiser, porque não há nenhuma outra razão para isso.

Placebos

Hoje a pergunta, de um amigo de meu pai, veio disfarçada: “Mauro, você…” e não completou, “…me diga uma coisa”. Quando ele nem completou, eu já sabia que boa coisa não podia vir. Mas como ele foi uma das duas únicas pessoas que assistiu espontaneamente a reportagem que a Globonews fez comigo uns anos atrás, eu não franzi a testa e deixei ele perguntar:

“Enquanto eu estava morando nos EUA, tomava um remédio como acessório para o controle da minha diabetes. Como era um remédio muito caro, de volta ao Brasil resolvi pesquisar se o encontrava por aqui. Na Farmácia, consegui o mesmo remédio, na mesma dosagem. Então como se explica ele ter tirado meu sono e aumentado meu apetite?”

Não sou médico, não entendo de diabetes e não conheço o remédio que ele falou, mas uma das coisas que ele falou me chamou atenção: remédio acessório. Na verdade a dúvida do amigo de meu pai era como, exatamente o mesmo remédio, podia causar um efeito tão diferente quando comprado nos EUA ou aqui. A questão é que o remédio não era um remédio. Me lembrei de dois outros causos que terei mais facilidade pra explicar a questão.

No primeiro, namorava uma menina que sofria muito de cólicas e depois de penar em meio a uma crise terrível de TPM dela, uma amiga sugeriu que eu indicasse Artemísia para ela, dizendo que não existia nada melhor para a cólica. Fui numa dessas lojas de natureba e encontrei as gotinhas. No rótulo estava escrito: “Indicado para cólicas menstruais, blá, blá, blá”. No contra-rótulo estava: “Nenhuma contra-indicação. Não existe nenhuma comprovação científica dos efeitos da Artemísia.” Pronto, bastou para eu devolver o frasco para a prateleira e correr na farmácia pra comprar Buscopa.

Minha mãe, que andou sofrendo de artríte nos dedos por fazer suas belas pinturas, pediu uma vez que eu comprasse a última novidade para as dores nas articulações. Fui na farmácia, mas ninguém conhecia o tal do Sulfato de Glicosamína. É que ele fica na prateleira das vitaminas. O troço promete maravilhas: “diminui a dor nas articulações” e “aumenta a flexibilidade e a amplitude dos movimentos”; custa caríssimo, mas nas letras pequenas está dizendo “essas afirmações não foram testadas pela FDA. Não existe comprovação científica dos efeitos relatados”. Fala sério gente!

O que eu vou fazer aqui, é explicar pra vocês o que quer dizer o “Não existe comprovação científica”. Isso quer dizer que, quando eles ministraram a droga para um monte de pessoas com dores nas articulações, umas sentiram melhora, mas outras… não. Quando eles repetiram o experimento, novamente algumas pessoas sentiram melhora e outras não, só que o percentual dessa vez era diferente. Pode ter sido ainda que em outras repetições do experimento, pra gente encurtar a estória, numa vez todos sentiram melhora, mas na outra… ninguém. O que importa não são as variações pra maior ou menor. O importante é que eles não conseguiam repetir o resultado. E isso, um resultado que não pode ser repetido, a ciência não admite! Com um resultado assim, não podemos provar nada.

Não dá pra provar que não faz bem, mas mal também não faz e… acaba-se conseguindo uma licença pra vender a porcaria. Mas ao invés de vir escrito em letras garrafais que apenas 13,87% das pessoas que consomem o medicamento observam alguma melhora, eles colocam uma embalagem linda e escondem em letras minúsculas que não há comprovação científica. E vendem pra grande parte da população, com a aprovação do governo, um placebo de luxo. Caríssimo!

Podemos discutir porque alguns remédios, com efeitos comprovados, realmente apresentam variação na resposta de pessoa pra pessoa (isso tem a ver, por exemplo, com a ativação dessas drogas pelos Citocromos P450 no fígado) mas o problema é que a força da ciência não é páreo para a propaganda. E nem para a especulação. Por isso que temos mais igrejas do que universidades, mais astrólogos que astrônomos, e os homeopatas e ortomoleculares crescem em meio aos médicos, que são cada vez mais arrogantes e despreparados para lidas com os seres humanos.

Pacientes são chatos é verdade, principalmente os com dores. Mas mais ainda, aqueles com dores com as quais os médicos não sabem lidar. A forma que eles tem achado para isso, é ministrar remédios com comprovação de resultados discutível, torcendo para que seus pacientes se encaixem nos 13,87% dos que apresentam melhoras, ou simplesmente, nos 42% que se contenta de estar tomando um remédio caro e melhoram só por isso, ou em algum outro percentual dos que param de reclamar.

Minha mãe tem menos dores nas articulações, mas o amigo de meu pai não teve tanta sorte e por algum motivo, o placebo dele não funcionou. Mas o laboratório o médico, a farmácia e o laboratório ficaram felizes nos dois casos.

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