Sorriso Maracanã

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Apesar do brilhantismo vocal da nossa espécie, também apresentamos os mesmos padrões de comunicação básicos de outras. Eles estão relacionados com emoções primárias e são prontamente reconhecidos pelo seu propósito. E ao contrário das línguas e idiomas, esses sinais são independentes de raça ou cultura. Eles são o choro, o riso e o sorriso.
O choro é partilhando pela maioria das espécies. Gritos, lamúrios e guinchos e chios são uma forma clara de transmitir susto ou dor. Tristeza também, mas principamente nos adultos. Quando somos pequenos choramos também pela ausência de necessidades imediatas, pela perda de apoio físico ou frente ao desconhecido. Pensando bem, quando somos adultos também. Além da verbalização, o choro é acompanhado por uma série de sinais visuais, manifestados principalmente na face: tensão muscular, vermelhidão, abertura da boca, retração dos lábios, lacrimejar e exagero na respiração.
O choro poderia até ser um riso. E é. Ou melhor, o riso é que é um choro. Sabe quando dizem que ‘rimos até chorar’? O mais correto seria dizer que ‘choramos até rir’, porque aparentemente o riso é que se origina do choro.
Enquanto o choro está presente desde o momento do nascimento, o riso aparece apenas por volta do 3 mês de vida, quando começamos a reconhecer nossos pais. E mais precisamente, nossa mãe. “Antes de aprender a identificar o rosto da mãe e a distinguí-lo de outros adultos, um bebe pode gorgolejar e balcuciar, mas não ri. Quando começa a conhecer a própria mãe, começa também a ter medo dos outros adultos.” E ai o riso será importante.
Conforme começa a perceber o mundo a sua volta, o bebê aperfeiçoa o seu sentimento de medo. Convenhamos: é um mundo assustador! A mãe é a principal (senão única) fonte de conforto e segurança. Porém, como também a mãe é capaz de fazer coisas que assustam ao bebê, ele tem de administrar um conflito: chorar porque está assustado ou gorgojear e balbuciar porque está feliz? Perdido entre os dois, o bebê ri. Com o tempo (e a seleção natural), o riso se tornou uma resposta independente.
O riso é uma resposta dramática, que indica que um perigo existe, mas não é real. É um aval para uma brincadeira continuar, um sinal de confiança. Se a brincadeira causar maior desconforto, o riso vira choro e a resposta da mãe passa a ser de proteção. O riso indica que a pessoa está pronta para ultrapassar seus limites e explorar o mundo a sua volta.
Não somos apenas nós que rimos. O famoso úu-úu-úu dos chimpanzés também é o resultado da mistura da sua cara-de-felicidade (lábios projetados o máximo para frente) com a cara-de-medo (lábios retraídos com os dentes a mostra), que transforma o grunhido nesse som. Só que a medida que o tempo passa, os chimpanzés ficam mais sérios e brincam pouco quando se tornam adultos. Nós, por outro lado, continuamos brincalhões, e transformamos o ‘riso’ em uma importante arma social. “Rir é um duplo insulto, porque indica que o outro é assustadoramente esquisito e, ao mesmo tempo, que não vale a pena levá-lo a sério” afirma Desmond Morris no excelente livro ‘O Macaco Nu’.
Já o sorriso se diferenciou a partir do riso para se tornar uma resposta específica, um sinal de saudação entre membros da espécie. Enquanto uma saudação com um riso pode ser desconfortável (afinal, estão te chamando de esquisito) a saudação com o sorriso indica apenas amabilidade. Um bebê de 7 meses é incapaz de diferenciar um quadrado de um triângulo, mas reconhece perfeitamente esse leve alçar dos cantos da boca que configuram o sorriso.
“Todos os contatos sociais provocam pelo menos um certo medo. O comportamento do outro indivíduo na ocasião do encontro é sempre uma incógnita. Tanto o riso quanto o sorriso indicam a existência desse medo, associado com sentimentos de atração e bom acolhimento. (…) O sorriso mútuo assegura aos que sorriem que ambos estão num estado de espírito ligeiramente apreensivo, mas com atração recíproca. Estar ligeiramente receoso significa estar não agressivo e estar não agressivo significa estar amigável; dessa maneira, o sorriso constitui um dispositivo de atração amigável.”
A chave para entender o sorriso parece estar na nossa pele sem pelos (ao menos comparado aos outros primatas). Um bebê que começa a se desgarrar da mãe para explorar o mundo, quando quer voltar a segurança do convívio materno, tem sempre dois desafios: chamar a atenção da mãe e manter essa atenção. O primeiro é fácil, basta chorar. Qualquer mãe que esteja tentando dormir sabe disso. O segundo é mais difícil. Os macacos não precisavam se preocupar com isso, porque já nasciam fortes e quando a mãe se aproximava atendendo ao chamado do choro, eles logo se agarravam nela segurando no pelo. Pra não desgrudar mais. Como nós nascemos fracos e nossas mães não tem pelos, temos que usar uma outra estratégia para manter o foco da atenção da mãe: é ai que entra o sorriso. A mãe fica tão feliz de ver aquela coisinha sorrindo, que não consegue mais deixá-la. E sorri. O bebê fica tão feliz de estar com a mãe e vê-la sorrindo, que sorri mais ainda.
DSCN0834.JPGO sorriso diz para ambas as partes “Eu sou amigável, fique comigo”. Um gesto que dá origem a uma reação em cadeia de felicidade. Que ninguém sabia provocar como Danielli Pureza (in memoriam).

Por que mudar é tão difícil?

Foi em um programa de radio que eu ouvi um jornalista dizer, que “se nosso cérebro fosse simples o suficiente a ponto de podermos compreendê-lo, não seriamos capazes de fazê-lo!”

O reconhecimento de nossas limitações pela ciência deveria ser suficiente para preencher o vazio deixado pela angustia de termos limitações (sem precisarmos apelar pro sobrenatural). Nossa visão, por exemplo, é sensível apenas a uma faixa do espectro de radiação. Nossa audição também tem limites. Uma criança só desenvolve maturidade visual (ou seja, consegue associar formas, cores, contrastes com as informações sobre seus significados) lá pela idade de 9-10 anos. Por isso, dá próxima vez que ouvir “não acredite no que seus olhos estão vendo”, é… talvez você não deva acreditar mesmo!

Quer ver?! Então observe a figura abaixo e anote o número e o naipe das cartas do baralho na ordem em que elas aparecem.
Example

Figura 1 – São 8 cartas de baralho, que aparecem por 0,2s com intervalos de 2s entre uma e outra, alem de uma mensagem inicial.

Anotou?! Então confira: se você marcou 4 de espadas, 5 de copas, 7 de espadas, 6 de copas, 3 de espadas, 2 de copas, 5 de espadas, Ás de copas… tem alguma coisa de errado com você. Vamos ver, se você marcou 4 de copas, 5 de copas, 7 de espadas, 6 de espadas, 3 de copas, 2 de espadas, 5 de espadas e Ás de copas… têm alguma coisa de errado com você também.

Na verdade, existe, propositalmente, um erro nas cartas. O 3 e 4 de copas foram pintados de preto, e o 2 e 6 de espadas de vermelho. A maior parte das pessoas comete algum tipo de erro nesse ‘experimento’. Se você classificou as cartas no primeiro grupo, é por que sua percepção é mais influenciada pelas cores, enquanto no segundo grupo, pelas formas. Podem existir níveis intermediários de percepção entre cores e formas.

Tabela 1 – A ordem das cartas na figura 1. Na primeira coluna está a seqüência de cartas que pessoas com maior sensibilidade a cores percebem. Na coluna 2, a seqüência de cartas que pessoas com maior sensibilidade a formas percebem. Entre parênteses, a modificação que foi feita na carta para induzir o cérebro a reconhecer a incongruência.

Cor Forma
4 de espadas 4 de copas (preto)
5 de copas 5 de copas
7 de espadas 7 de espadas
6 de copas 6 de espadas (vermelho)
3 de espadas 3 de copas (preto)
2 de copas 2 de espadas (vermelho)
5 de espadas 5 de espadas
Ás de copas Ás de copas
Esse jogo faz parte de um experimento complexo, que mostra que nossa percepção dos fatos não depende apenas do fato em si, e que o reconhecimento da incongruência pelo cérebro é difícil.
De acordo com o dicionário do Aurélio, o adjetivo Incongruente significa: não acomodado; que não condiz; que não se adapta; incompatível. Nosso cérebro não consegue olhar um novo evento sem tentar relacionar ele com um evento passado. É por isso que temos tanta dificuldade para perceber esses erros. Por isso nossa dificuldade de reconhecer a incongruência. A percepção não é um ato isolado!

O seu cérebro conhece as cartas do baralho e por isso sabe que um 4 preto não pode ser de copas, então automaticamente, corrige essa informação e você vê um 4 de espadas. Ou vice versa, se a correção for feita pela forma. Pode levar muito tempo pro cérebro perceber que existe algo errado, e uma informação nova para ser avaliada.

Tá, mas e ai?! Essa característica do nosso cérebro tem profundas implicações na nossa tomada de decisões. Ainda que o processamento de informações pelo cérebro não seja tão simples, a cada momento estamos tendo que tomar decisões. Mesmo levantar de uma cadeira, dar um passo, esticar o braço… para realizar qualquer uma dessas ações, nosso cérebro tem que acionar mecanismos decisórios. Se o cérebro não se adaptasse ao ambiente, estabelecendo um conhecimento prévio desse ambiente, a quantidade de processamento de informações seria tão grande, quer ir a cozinha buscar um copo d’água terminaria por gerar uma grande dor de cabeça! Isso por que o custo do processamento e armazenamento de informações novas é alto.

Então, todos os organismos desenvolvem algum tipo de expectativa quanto ao ambiente em que eles se encontram. Para isso, ele procura maximizar as percepções relacionadas com suas necessidades, minimizar aquelas não relacionadas. Essas expectativas geram uma certa segurança, e até mesmo um certo conforto, para as nossas ações no dia-a-dia. Grande parte das pessoas necessita de uma certa constância no seu ambiente. Um tipo de “descanso de tela”, um mecanismo de ‘economia de processamento’ para o cérebro. E esse mecanismo deve ser tão importante, que quando essas expectativas são frustradas, o cérebro oferece uma dura resistência ao reconhecimento do “novo”. É por isso que vemos as cartas “diferentes” como uma das cartas que já conhecemos.

Apesar dessa resistência ao ‘novo’, o cérebro não é bobo. Se as evidências do novo são fortes, repetidas e incontestáveis, o mecanismo de processamento dessa nova informação é acionado e ela é incorporada. Durante o experimento, conforme o tempo de exposição às cartas erradas aumentava, e as pessoas tinham mais tempo para olhar (e ver) a informação ‘nova’, mais pessoas identificavam a incongruência.

No entanto, algumas pessoas precisavam olhar (ver) a carta por mais de 5 seg para poder reconhecer a incongruência, o erro. E outras, mesmo depois de olhar fixamente para a carta por vários segundos, não reconheciam o erro, apesar de terem consciência de que havia algo de errado. A incapacidade de decidir, em função do conflito entre a ‘informação estabelecida’ e a ‘informação nova’ levava algumas pessoas ao desespero!

A conclusão desse experimento é que apenas um organismo muito doente, muito motivado (para a negação), ou sem oportunidade de exercer mecanismos de verificação (que nesse caso é o de olhar tempo suficiente para a carta), resiste a uma informação nova, suportada por evidências fortes, para se apegar a uma expectativa pré-estabelecida pelo cérebro, e que acaba de ser frustrada.

Porém, e isso é importante, enquanto for possível, um organismo vai relutar na percepção do inesperado, aquelas coisas que não se encaixam no seu conjunto de eventos conhecidos, com a utilização de todos os meios disponíveis.

Thomas Kuhn disse que “As descobertas são raras porque as nossas expectativas cobrem nossa visão e obscurecem nossa percepção do mundo”. Nossa relutância ao ‘novo’ nos ajuda a ter uma vida mais confortável, mas o mundo a nossa volta muda. Quanto melhor forem nossos mecanismos de ‘verificação’ das informações novas, melhor será nossa percepção e mais rápido (e melhor) poderemos nos adaptar a ele. Mas se a relutância ao novo for mantida em detrimento das informações coletadas pelos nossos 5 sentidos (e quem quiser acreditar, no 6º, 7º…), conflito que pode levar a loucura!

Com a licença do poeta ”
Mudar é preciso”, ainda que doa.

PS: Quem quiser conhecer o experimento das cartas na integra e ler mais sobre a dificuldade de perceber a incongruência, pode ler o artigo Bruner JS & Postman L. 1949 . On the Perception of Incongruity: A Paradigm. Journal of Personality 18: 206-23. Quem não conseguir encontrar o artigo, escreve pra mim que eu mando o PDF por e-mail.

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