Em busca dos 7 lugares de pensamento

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Na semana que vem começam meus cursos na pós-graduação, além do curso de formação de professores a distância da UAB que estou ajudando a ministrar, e como uso cada vez mais a escrita na avaliação dos alunos, quis pesquisar sobre a principal ferramenta que uso para e escrever e ensinar meus alunos a escrever: os 7 lugares do pensamento, representados pelas perguntas ‘O que’, ‘Quem’, ‘Quando’, ‘Como’, ‘Onde’, ‘Por que’ e ‘Para que’. Eu aprendi sobre eles com a Sonia Rodrigues quando estava reaprendendo a ler e a escrever.
Só que separar o Joio do trigo em busca da informação acurada no Google pode ser uma saga, como eu já descrevi aqui. Dessa vez foi outra epopéia, que eu contarei aqui, junto com o que eu descobri. Vou contar ela do início. O meu início. A minha ‘trilha’ do texto (que eu agora, depois do texto terminado, admito que ficou longa, quase um artigo. Certamente mais do que um post deve ser. Por isso, resolvi avisar aqui, pra se o tempo encurtar, você não ir embora sem ler os dois últimos parágrafos).
A primeira vez que vi as 7 perguntas fora das aulas da Sonia, foi no livro ‘O Anjo Pornográfico’ do Ruy Castro, uma biografia do jornalista Nelson Rodrigues. A história começa no Recife com seu pai, o jornalista Mário Rodrigues, do ‘Jornal da República’. A história de Nelson, nesse ponto, se confunde com a história da evolução do jornalismo no Brasil. Foi lá que aprendi que as perguntas eram o ‘Lead’, uma técnica de redação, do qual eu já vou falar.
“No Brasil, durante muito tempo, jornalismo e literatura se confundiam e até a segunda metade do século XX, era considerado um subproduto das belas artes. (…) Não tinham uma técnica própria de contar história, (…) um paradigma, um modelo a seguir e os jornalistas se espelhavam na literatura, seguindo uma gama variada de estilos. (…) Além de literatos, havia no jornalismo uma certa tradição associada aos bacharéis de Direito, o que fazia do jornalismo também herdeiro de uma certa retórica ’empolada’. Logo, “os periódico brasileiros seguiam então o modelo francês de jornalismo, cuja técnica da escrita era bastante próxima da literária. Os gêneros mais valorizados eram aqueles mais livres, como a crônica e o artigo polêmico”
Essa introdução do artigo de Lígia Guimarães[1] sobre o processo de produção jornalística no Maranhão da uma boa idéia do jornalismo naquela época, do qual um dos ícones era o ‘Nariz de Cera‘:
“O ‘nariz de cera’ era o texto introdutório, longo e rebuscado, normalmente opinativo, que antecedia a narrativa dos acontecimentos e que visava ambientar ao leitor sobre os fatos que seriam narrados a seguir. Usava uma linguagem prolixa, cheia de preciosismos e pouco objetiva. Outra marca visível do padrão francês no jornalismo brasileiro era o excesso de títulos e uma ausência de lógica na hierarquia do material.”
Isso dava muita liberdade aos redatores para ‘criar’ a notícia, como relata o Ruy Castro:
“Quando chegavam antes da polícia, repórter e fotógrafo julgavam-se no direito de vasculhar as gavetas da família, surrupiar fotos cartas íntimas e róis de roupas do falecido. Os vizinhos eram ouvidos. Fofocas abundavam no quarteirão, o que permitia ao repórter abanar-se com um vasto leque de suposições. (…) De volta à redação, o repórter despejava o material na mesa do redator e este esfregava as mãos antes de exercer sobre ele os seus pendores de ficcionista.(…) Nas suas mãos [de Nelson Rodrigues], o atropelamento de uma velhinha na rua São Francisco Xávier, no bairro do Maracanã, toprnava-se uma saga digna do merlho sub-Anatole France
Era ótimo para ficção e nos deu, anos depois, “A Vida como ela é” de Nelson Rodrigues . Mas para a verdade do fato… não era tão bom assim.
Tudo isso mudou na metade do século com a introdução do ‘Lead‘. O ‘Lead‘ palavra inglesa que significa ‘guiar, conduzir‘, é o primeiro parágrafo da notícia, a abertura que deve apresentar aos leitores os principais fatos, seguindo a lógica da ‘pirâmide invertida’ (o mais importante vem primeiro).
Aqui a dificuldade da busca por informações precisas se mistura com o próprio objeto da busca: será que se as pessoas se ativessem ao fato na hora de escrever seria mais fácil encontrar a informação? Acho que sim.
Pra começar tentaram, ainda que sem muito sucesso, abrasileirar o termo para ‘lide‘, o que já te manda para algumas páginas completamente fora do escopo. Mas o grande problema mesmo é a disputa pela paternidade do ‘Lead‘ (ou lide se você preferir), como vocês podem ver nesse trecho do artigo ‘Jornalismo Narrativo’ de Felipe Gomes[2]:
“No Brasil, o ‘Lead’ foi implantado pela primeira vez na redação do jornal ‘Diário Carioca’ em 1951, e muito se acredita que pelas mãos do chefe de redação, Pompeu de Souza, considerado o ‘pai do moderno jornalismo brasileiro’. Mas, segundo Nelson Werneck Sodré, a reforma foi devida a Luís Paulistano, chefe da reportagem.”
Outros autores ainda tentam atribuir a mudança ao Jornal do Brasil, mas o texto do Ruy Castro confirma a introdução do Lead no Brasil pelo ‘Diário Carioca’:
“O Diário Carioca (…) em sua casa nova, iria promover uma revolução na imprensa brasileira, adotando a técnica americana de uniformizar os textos e implantando a novidade do ‘copy-desk’ – o redator encarregado de escoimar as matérias de verbos como, por exemplo, escoimar. Ninguém mais podia ser literato na redação, a não ser em textos assinados, e olhe lá. As reportagens do ‘Diário Carioca’ tinham de ser objetivas e, logo nas primeiras linhas, dizer quem, quando, onde, porque e como o homem mordera o cachorro. Se fosse o contrário (mesmo que atendendo as exigências das 6 perguntas) não interessava. Isso se chamava ‘Lead’ – no fundo, um simples qui, quae, quod com Ph.D em Chicago”.
O Lead não foi bem aceito por todo mundo. Ainda hoje, se peço aos meus alunos, principalmente àqueles que são professores para serem mais sucintos… os animos se inflamam e sou acusado de tudo que vocês possam imaginar.
“Na década de 50, a modernização do jornalismo brasileiro causava fortes discussões, acalentadas pela percepção de que a própria sociedade rompia com antigos padrões de cultura, política e comportamento. (…) A idéia da objetividade, que vinha agregada aos conceitos do Lead, chegava em detrimento do jornalismo em profundidade (que então crescia no Brasil). (…) A modernização do jornalismo se adequava aos processos industriais e atribuía ao passado a escrita tida como literária e desregrada, enquanto o jornalismo que se instalava procurava apresentar-se mais técnico, isento e regrado. Fortalecia a distinção entre informação e opinião.”
[2]
Mas a minha pesquisa não era sobre o ‘Lead‘ no Brasil. Não era nem mesmo sobre o Lead, mas sim sobre as 6 perguntas (que eu acredito que sejam melhor como 7, como aprendi com a Sônia, e como já discuti aqui). Ninguém sabe direito também quem inventou o ‘Lead‘ e as páginas na internet apontam em muitas direções. Um wikipedia da vida atribui ao jornalista americano Walter Lippmann na decadá de 1920-30, mas se ele foi alguma coisa, foi apenas o principal divulgador da ferramenta, já que era um árduo combatente do ‘tendenciosismo’ no jornalismo.
“O início do mito da imparcialidade, intrinsecamente arraigada ao modelo do ‘Lead’, teria raízes ainda mais distantes (…) a divisão entre informação e opinião teve início no dia 11 de maio de 1702, com o jornal inglês ‘The Daily Courant’. A primeira notícia redigida com a técnica da ‘Pirâmide Invertida’ teria aparecido no ‘The New York Times’, em abril de 1861″ diz um artigo do professor Luiz Costa Pereira Junior[3], que segue:
“o surgimento do atual modelo que impera no jornalismo impresso ocorreu durante a Guerra Civil dos Estados (1861-1865), como uma tentativa dos militares de superarem a falta de tecnologia da época. Com as dificuldades nas transmissões de dados via telégrafos, tanto entre meios de comunicação quanto nos próprios serviços militares, consolidou-se o artifício de inserir as principais informações da forma mais objetiva possível logo no topo da notícia. Naquela época, o telégrafo era a tecnologia mais utilizada para enviar informações para regiões mais distantes, mas, ainda assim, com falhas: comumente as informações chegavam incompletas ao destinatário. Nesse contexto, surgiu o paradigma da ‘Pirâmide Invertida’ e do ‘Lead’, cuja paternidade é reivindicada por norte-americanos e ingleses.”
Eu estava quase perdendo as esperanças quando encontrei a minha resposta. E não podia ser melhor. Resolvi replicar o artigo do professor Francisco Karam no Bioletim por que não achei os sites por onde encontrei o artigo dele muito confiáveis (até porque ele publicou em mais de um veículo), mas a maior parte das vezes a referência apontava para a revista mexicana Prensa. Ele diz que a origem do ‘Lead’ remonta a Roma antiga, quando Cícero, no seu livro ‘de Inventione‘ retoma idéias de retórica e oratória dos antigos gregos. Eu vou reproduzir alguns trechos aqui para encerrar a minha trilha, mas vale a pena ler o artigo completo.
“A origem do ‘Lead’ (…) não é responsabilidade exclusiva do jornalismo norte-americano ou inglês. Não surge do acaso ou por um simples arbítrio na articulação do discurso. (…) Em Roma, filósofos retomam a tradição grega da Retórica, entre eles o exímio orador Marco Túlio Cícero. Os retores, entre os quais Platão, Aristóteles e Protágoras (cerca de 400 anos antes da era cristã), na Grécia Antiga, já haviam consolidado a idéia de que o discurso deveria ser bem articulado e acessível às massas. Para que a exposição fosse completa exigia-se, no entanto, alguns elementos essenciais. Para o famoso orador romano, era preciso responder as perguntas quem? (quis/persona) o quê? (quid/factum) onde? ubi/locus) como? (quemadmodum/modus) quando?(quando/tempus) com que meios ou instrumentos (quibus adminiculis/facultas) e por quê (cur/causa). As proposições de Cícero, originadas na Retórica da Antigüidade Grega, foram paradigma da exposição de acontecimentos nos dois milênios seguintes. Em diversos momentos, ao longo de tal período, as circunstâncias do fato tiveram grande relevância na constituição de uma ética da palavra, sendo exemplarmente utilizada no discurso jurídico e na argumentação filosófica. (…) lembra que a retórica envolve o docere (transmissão de noções intelectuais), o movere (atingir os sentimentos) e o delectare (manter viva a atenção do auditório, sem se deixar dominar pelo aborrecimento, pela indiferença e pela distração). Por isso, a linguagem deve ter um caráter claramente acessível, já que se dirige não a mentes superiores, a espíritos puros, mas a homens de carne e osso, sujeitos portanto ao cansaço e ao tédio, vulneráveis a raciocínios demasiado difíceis“.
É isso, a ética da palavra. Que termo lindo! Ser ético na palavra é falar para ser compreendido, é assumir que parte importante da responsabilidade da compreensão da informação está em quem transmite a informação! É saber para quem está falando, ou então, falar para todo mundo! E para falar pra todo mundo, você tem que falar simples, falar conciso, falar objetivo. Por que? Porque assim todo mundo te entende! E ninguém desmaia de chatice.
P.S. Na minha busca, nenhum dos endereços WEB fornecidos nos documentos que encontrei funcionaram. Tive que usar o nome dos autores e trechos dos artigos para prosseguir com a busca e chegar aos originais. Por isso não coloquei os links, mas aqui vão os títulos e autores. Antes que alguém reclame, não são artigos científicos, por isso não sigo o padrão acadêmico de citação. Boa sorte na busca!
[1] Processo de Produção jornalística: do nariz de cera ao lead nos jornais de São
Luis. Lígia Guimarães, Pâmela Pinto, Reuben da Cunha Rocha Junior, Sarita Bastos Costa e Yane Botelho.
[2]Jornalismo Narrativo. Eficiência e viabilidade na mídia impressa. Felipe Sáles Gomes, Klenio Veiga da Costa e Renata Lourenço Batista.
[3] A crise e a historia da pirâmide invertida. Luiz Costa Pereira Junior.

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