'Brothers in arms' – Quando a cooperação leva a guerra

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“Como funciona a agressão? Que tipos de comportamento envolve? Como é que nós nos intimidamos uns aos outros? Temos, mais uma vez, de olhar para os outros animais. Sempre que um mamífero se torna agressivamente excitado, passa-se no seu corpo um certo número de alterações fisiológicas básicas. Todo o organismo vai se preparar para a ação, através do sistema nervoso autônomo. Esse sistema compõe-se de dois subsistemas opostos que se contrabalançam — o simpático e o parassimpático. O primeiro é responsável pela preparação do corpo para atividades violentas, o segundo tem a função de manter e reconstituir as reservas do corpo. O primeiro diz: “Está pronto para a ação, pode começar”; o segundo diz: “Tome cuidado, modere-se e conserve a sua força”. Em condições normais, o corpo presta atenção a ambas as vozes e mantém-se equilibrado. Mas, quando ocorre agressão violenta, o organismo apenas escuta o sistema simpático. Quando este é estimulado, aumenta a adrenalina no sangue e todo o sistema circulatório é profundamente afetado. O coração bate mais depressa e o sangue que circula na pele e nas vísceras é desviado para os músculos e para o cérebro. A pressão arterial aumenta. Acelera-se a produção de glóbulos vermelhos. O sangue coagula mais rapidamente do que em condições normais. Além disso, interrompem-se os processos de digestão e de armazenamento dos alimentos. A salivação é inibida, assim como os movimentos do estômago, a secreção de sucos digestivos e os movimentos peristálticos dos intestinos. O reto e a bexiga esvaziam-se com mais dificuldade do que normalmente. A reserva de hidratos de carbono é expelida do fígado, provendo o sangue de açúcar. A atividade respiratória aumenta. A respiração torna-se mais rápida e profunda. Os mecanismos reguladores da temperatura são ativados. Os cabelos põem-se em pé e há intensa sudação.”

Abre parênteses: Me permito, muito raramente, escrever com o texto de outros autores, sempre dando o devido crédito, é claro, porque simplesmente tem tanta coisa boa já escrita. As vezes do mesmo jeito exa

to que eu gostaria de escrever. Outras vezes só porque eu quero dizer par ao autora: cara…. como você mandou bem! Esse é o caso de Desmond Morris e ‘O Macaco Nu’. Alguns amigos as vezes me acusam de citar um livro. Não me sinto ofendido. Eu sei quantos livros já li. Eu fico com pena deles. Eu estou tentando quebrar o preconceito deles com as palavras e exemplos mais poderosos que tenho ao meu dispor e várias vezes elas vêm de um livro como ‘O Andar do bêbado’ de Leonard Modlinow. Mas preconceitos não caem facilmente e eles se apegam a argumentos como “você só sabe falar de um livro” pra justificar a manutenção das suas crenças arraigadas. Fecha Parênteses.

Mas mesmo com o corpo todo preparado, vale a pena lutar? A descrição de Desmond Morris e ‘O Macaco Nu’ é excelente.

“Com todos os seus sistemas vitais ativados, o animal está pronto para se lançar ao ataque. Mas há um obstáculo. A luta sem tréguas pode conduzir a uma vitória valiosa, mas pode igualmente acarretar sérios prejuízos para o vencedor. O inimigo não só estimula a agressão, mas também o medo. A agressão empurra o animal para a frente, o medo o faz recuar. Produz-se uma situação de intenso conflito interior. Tipicamente, um animal excitado para a luta não se atira de cabeça para o ataque. Começa por ameaçar que vai atacar. O conflito interior o sustem, já preparado para o combate, mas ainda não completamente pronto para começar. Nessa altura, é sem dúvida melhor que a atitude do animal seja suficientemente impressionante para intimidar o inimigo e esse se ponha em fuga.”

“A vitória pode ser obtida sem derramamento de sangue. Se a espécie é capaz de resolver as disputas sem grande prejuízo para os seus membros, não há dúvida de que se beneficia tremendamente do processo. Em todas as formas superiores de vida animal se tem verificado uma forte tendência nesse sentido — o sentido do combate ritualizado. A ameaça e a contra-ameaça foram substituindo em grande parte o combate físico propriamente dito.”

“Claro que ai

nda existem de vez em quando lutas sangrentas, mas apenas como último recurso, quando as atitudes e contra-atitudes agressivas não chegam para resolver uma disputa. A intensidade dos sinais que exteriorizam as alterações fisiológicas atrás referidas indica ao inimigo a intensidade da violência com que o animal agressivo se prepara para a ação.”

Todos nós, TODOS, já sentimos isso, essas mudanças fisiológicas. Chegou a apostar que sentimos até várias vezes ao dia. So sangue sobe a cabeça, você quer brigar com todo mundo: do funcionário do banco ao seu irmão ou irmã. Em geral o medo nos impede de prosseguir. Todo mundo tem medo e nossos principais medos são de duas coisas: violência física e abandono. Quando não é o medo, pode ser a nossa razão a nos segurar: Será esse o caminho para o que eu quero/preciso? Será que vale mesmo a pena? Quando nem o medo e a razão funciona, temos a polícia: que poderia sim funcionar como uma grande consciência, estando alí e tem lembrando do que é o correto, mas também pode, como tem feito, tentar te conter ao impingir medo, baixando a porrada.

O combate ritualizado foi um grande ganho evolutivo e certamente evitou a extinção de muitas espécies. Essa estratégia evoluiu, para garantir ainda mais a segurança dos combatentes, aumentando ao máximo a distância entre os combatentes. Nós, humanos, somos o ápice desse combate ritualizado, realizando guerras a distâncias continentais. Fomos tão bem sucedidos que exageramos na dose, e o que poderia ser a nossa glória, agora pode ser a nossa ruína.

“As lanças podem funcionar a distância, mas têm raio de ação muito limitado. As setas são melhores, mas falta-lhes precisão. As espingardas representaram um melhoramento dramático, mas as bombas, lançadas 

do céu, podem ser ainda lançadas a maior distância, e os foguetões intercontinentais levam ainda mais longe o ‘golpe’ do atacante. Resulta de tudo isso que os rivais, em vez de serem vencidos, são indiscriminadamente destruídos. Como já expliquei, quando se desenvolve agressão ao nível biológico no interior de uma espécie, as coisas não se limitam a matar o inimigo, mas acabam por destruir a própria espécie. A fase final de destruição da vida costuma ser evitada quando o inimigo foge ou se rende. Em ambos os casos, termina o encontro agressivo: resolve-se a disputa. Mas, uma vez que o ataque se faz a tão grandes distâncias, os vencedores não conseguem ver os sinais de apaziguamento emitidos pelos vencidos e a agressão violenta transforma-se em devastação. A única forma de interromper a agressão é através da submissão mais degradante, ou da fuga precipitada do inimigo. Como nenhuma delas pode ser presenciada na moderna agressão a longa distância, a matança em larga escala atinge proporções muito maiores do que as alcançadas por qualquer outra espécie precedente”

Essa perda de controle do processo da agressão gerada pelo aumento da distância entre combatente foi maximizado pelo alto grau de cooperação que nossa espécie possui, levando a produção de ainda mais danos!

“O poderoso instinto de nos ajudarmos mutuamente tornou-se hoje suscetível de intervir poderosamente quando se geram conflitos agressivos entre os membros da espécie. A lealdade na caça transformou-se em lealdade na luta, e assim nasceu a guerra. Por uma verdadeira ironia, o nosso profundo instinto de ajudar o próximo desenvolveu-se de forma a constituir a principal causa dos horrores da guerra. Foi ele que nos levou a formar bandos, grupos, hostes e exércitos mortais. Sem ele, não haveria coesão e a agressão se manteria ‘personalizada’.”

Já me aproveitei do Morris até aqui, então vou deixar ele concluir também:

“Qualquer animal quer derrota, mas não assassínio; a agressão visa à dominação e não à destruição. Aparentemente, não somos diferentes das outras espécies, a esse respeito. Nem há qualquer razão para sermos diferentes. Simplesmente, tudo aconteceu por causa da associação viciosa do ataque a distância com a cooperação de grupo, e os indivíduos envolvidos na luta deixaram de ver o objetivo inicial. Atualmente, os lutadores atacam mais para apoiar os seus camaradas do que para dominar os inimigos, e quase não há possibilidade de exprimir a suscetibilidade de reagir perante o apaziguamento direto. Essa infeliz evolução pode acabar por ser a nossa ruína e conduzir à rápida extinção da espécie.”

Uma peça fundamental nisso tudo é o hormônio testosterona. Mas esse história fica pra outro dia.

Seriam os seres humanos essencialmente bons?

2001

“Uma minoria de vândalos”

A frase passou da boca dos manifestantes, que queriam demonstrar para a sociedade que as imagens apresentadas pelos jornais e autoridades, como justificativa para o comportamento da PM; para as editorias dos próprios jornais, como anteciparam tantos dos meus amigos menos ingênuos, para que toda sorta de políticos e autoridades possam se apropriar das manifestações, contrárias a eles, que estão nas ruas.

“Deixem as ruas sem polícia e vamos ver o que dirão os manifestantes depois de 2 dias…” dizia um outro amigo, republicano radical, mas coberto de razão: assustados com a violência dos manifestantes para com o patrimônio público, com a polícia e com os próprios manifestantes, a galera mais tranquila dos protestos está assustada.

O que me chama atenção nos protestos do país do carnaval é a doce e ingênua ilusão, amplamente arraigada e difundida, que o ser humano, e especialmente o brasileiro, é, essencialmente, bom. Essa é uma gigantesca falácia que não encontra nenhuma sustentação na nossa história biológica ou cultural.

Explico.

Quando o clima começou a muda há cerca de quinze milhões de anos e as florestas que cobriam a europa e a Asia começaram a desaparecer, os símios resolveram descer das árvores e lançarem-se na vida terrestre, competindo com os outros animais, altamente especializados, que dominavam o pedaço. Para sobreviver, Ou se tornavam melhores assassinos que os carnívoros já experimentados, ou melhores pastadores que os herbívoros já existentes. Fomos bem sucedidos em ambos os setores, mas a agricultura, fruto da cultura, demorou muito para aparecer. Por outro lado, como diz Desmond Morris no sensácional livro ‘O Macaco Nu’ “era fácil apanhar animais jovens de todas as raças, desprotegidos ou doentes, e o primeiro passo para se tornar carnívoro não foi muito difícil.”

Compreender as mudanças de comportamento decorrentes dessa mudança de dieta é fundamental.

“passamos de vegetarianos a carnívoros (…) uma grande transformação desse gênero produz um animal com dupla personalidade. (…) Assume-se o novo papel com grande energia evolutiva (…) Ainda não houve tempo para se libertar de todos os velhos traços, mas apressa-se a adquirir novas características. Desenvolvemo-nos essencialmente como primatas de rapina. (…) Todo o seu corpo e modo de vida foram desenvolvidos para viver entre as árvores e, subitamente (em termos de evolução…), foi projetado num mundo onde apenas poderia sobreviver se se comportasse como um lobo inteligente e colecionador de armas.” , diz Desmond.

E continua: “A princípio, o macaco pelado não podia competir com os assassinos profissionais do mundo carnívoro. (…) um gato grande, era mais exímio em matar. (…) Os primeiros macacos terrestres possuíam já grandes cérebros de alta qualidade. Tinham bons olhos e mãos capazes de agarrar eficientemente as presas. Pelo fato de serem primatas, tinham também, inevitavelmente, um certo grau de organização social. À medida que as circunstâncias os obrigavam a aperfeiçoar-se na matança das presas, começaram a ocorrer modificações vitais: tornaíam-se mais eretos — correndo melhor e mais rapidamente; as mãos libertaram-se das atividades locomotoras — permitindo empunhar armas com mais força e eficácia; os cérebros tornaram-se mais complexos — tomando decisões mais rápidas e inteligentes. Tudo isso não se sucedeu segundo uma ordem bem estabelecida (…) uma competição baseada nas condições já existentes, (…) , originando um assassino mais parecido com o cão ou com o gato, (…) poderia ser desastroso para os primatas. (…) Em vez disso, fez-se uma tentativa completamente nova, em que se empregaram armas artificiais em lugar de armas naturais, o que dou resultado. (…) Pouco a pouco ia se formando um macaco caçador, um macaco assassino.

Foi quando a coisa começou a ficar perigosa para a nossa espécie. Ou, quando nós começamos a ficar perigosos para a nossa própria espécie.

“Para compreendermos a natureza dos nossos instintos agressivos, temos de encará-los segundo a nossa origem animal. A nossa espécie está atualmente tão preocupada com a violência e com a destruição em massa, que somos capazes de perder objetividade ao discutir esse assunto. Ê um fato comprovado que os intelectuais mais sensatos se tornam muitas vezes violentamente agressivos quando discutem a necessidade urgente de suprimir a agressão.”

Como isso funcionava com os nossos antepassados primatas omnívoros e com os carnívoros ‘puros’?

Entre os primatas, não há muito espírito cooperativo, como sucede entre outros animais — os lobos, por exemplo — que caçam em grupo. Existe sobretudo competição e dominação. Claro que em ambos os grupos existe competição na hierarquia social, mas no caso dos macacos e símios não há atividades cooperativas que a atenuem. (…) [Já para os carnívoros] no decurso de encontros sociais, as armas selvagens, tão importantes para a caça, constituem uma ameaça potencial para a vida e são utilizadas para resolver as mais íntimas disputas e rivalidades. Quando dois lobos ou dois leões se zangam, ambos estão tão fortemente armados, que, em questão de segundos, a luta pode originar mutilação ou morte. Isso podia ameaçar de tal maneira a sobrevivência das espécies, que, durante a longa evolução em que foram aperfeiçoando suas mortíferas armas de caça, os carnívoros tiveram igualmente necessidade de criar poderosas inibições quanto ao uso das armas contra os outros indivíduos da própria espécie. Tais inibições parecem ter uma base genética específica: não precisam ser aprendidas. Criaram-se posturas submissivas especiais, as quais apaziguam automaticamente um animal dominador e inibem-no de atacar.”

Mas para que lutar? Existem duas razões: ou para estabelecer domínio numa hierarquia social, ou para estabelecer os direitos em um território.

“Algumas espécies são puramente hierárquicas e outras puramente territoriais. Outras [ainda] mantêm hierarquias nos seus territórios e têm de encarar ambas as formas de agressão. Pertencemos ao último grupo: temos os dois problemas. (…) [com um agravante] a prolongada fase de dependência dos mais novos, que levou à adoção de unidades familiares unidas aos pares, exigia (…) que Cada macho passasse a defender a sua própria habitação no interior do grupo. (…) Como cada um de nós sabe por experiência própria, essas formas de agressão ainda hoje são bem manifestas, apesar das complexidades da sociedade atual.”

Apesar do que os muitos antropólogos (e eu sou fã e amigo de Massimo Canevacci e Alba Zaluar), sociólogos (e sou também fã e amigo de Domenico De Masi) e cientistas políticos falarão sobre os eventos dos últimos dias, cada um com uma explicação diferente (ou não) para os eventos, todos eles, TODOS, sem exceção, terão uma coisa em comum: ignorarão o papel dos nossos traços instintivos e heranças biológicas e relíquias comportamentais do nosso lado animal.

Não existe bom ou ruim. Por milhões de anos, para nos impormos como espécie, precisamos colocar em prática os nossos instintos mais violentos e conseguir outros. Somos violentos! Somos muito violentos! E ainda vamos precisar de muitos anos de escola e família, abundância de recursos e de um monte de outras coisas, para abandonarmos essa furia. Até lá… eu acho melhor não ignorar isso.

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