A reprodução assexuada

Uma vez, em uma festa, ouvi um amigo fazer o seguinte comentário: “sexo é bom, mas dá muito trabalho”. Até esse dia achava que todas as pessoas sabiam que o sexo era bom justamente porque dava trabalho. Eu gostava dele, mas ele era meio chato. Muito tempo depois, algumas semanas atrás na verdade, estava numa mesa de bar quando o assunto novamente veio à tona. Uma amiga estava reclamando de um outro amigo que, de tão mala, não poderia ser bom de cama. Ele insistia em, sempre que um cara bonitão chegava perto dela, apoiar as mãos seus ombros, como se estivessem juntos. E o bonitão se afastava.

Chegamos à conclusão que algumas pessoas, de tão chatas, deveriam se reproduzir assexuadamente.

Mas como não éramos todos biólogos a mesa, veio a pergunta: Existe reprodução assexuada?

A assexualidade é relativamente rara entre os organismos multicelulares por razões ainda não completamente compreendidas. Do ponto de vista estratégico, a hipótese atual é a de que a reprodução assexuada pode oferecer benefícios no curto prazo quando o crescimento populacional rápido se torna importante, como por exemplo, para colonizar um novo ambiente; ou em ambientes muito estáveis, que não oferecem risco. Aha!!! A associação entre os chatos e a reprodução assexuada foi crescendo. Chatos adoram tentar colonizar festas vazias e dominar relacionamentos estáveis.

Mas um outro fator chama atenção. As espécies assexuadas podem aumentar seus números rapidamente porque todos podem produzir ovos viáveis. Todos produzem ovos viáveis? Opa?! Então são todos fêmeas?

Sim, e por isso, em condições ideais, essas espécies apresentam o dobro da taxa de crescimento populacional. A partenogênese é um tipo de reprodução assexuada encontrada nos multicelulares e toda população de uma espécie que se reproduz dessa maneira é composta por fêmeas.

Isto sugeriria que apenas as fêmeas podem ser chatos assexuados, mas, como já vimos no início do texto, isso não é verdade. Na espécie humana, existem muitas fêmeas assexuadas sim, mas quase sempre associadas a um macho assexuado. No entanto, essas fêmeas não permanecem assexuadas por muito tempo…

Todos os indivíduos das espécies assexuadas possuem o mesmo (ou quase o mesmo) gentótipo (pop-up: o conjunto dos genes que confere as características gerais de cada indivíduo). Que deveria estar muito bem adaptado ao ambiente estável. A chave do tipo de reprodução está, então, na estabilidade do ambiente e não o sexo do organismo.

O microcrustáceo de água doce, Daphnia, se reproduz por partenogênese em condições ambientais estáveisNas populações sexuadas, a metade dos indivíduos é de machos que não podem, eles próprios, sozinhos, produzir descendentes. E por isso essas populações têm uma fecundidade menor. Mas as alterações genéticas decorrentes da troca de material genético durante a reprodução sexuada, criam para esses organismos um enorme potencial de adaptação a alterações no ambiente.

Por exemplo, se um novo predador, ou patógeno, aparecer no ambiente e o genótipo da população for particularmente indefeso contra ele, a linhagem assexuada inteira poderá ser completamente eliminada. Já nas linhagens que se reproduziram sexuadamente, devido à recombinação gênica que produz um genótipo novo em cada indivíduo, existe uma maior probabilidade de que pelo menos alguns deles sobrevivam àquelas mudanças (que podem ser tanto físicas quanto biológicas) no ambiente.

A reprodução sexuada veio para causar mudança. Mas ela também veio porque havia mudanças. Em longo prazo, todos os ambientes tendem a ser perturbados. Ainda que essas mudanças não sejam necessariamente súbitas, os ambientes estão permanentemente em transformação.

Citando Bernard Shaw: “Não há progresso sem mudança”.

Algumas espécies alternam entre as estratégias sexuada e assexuada dependendo das condições, uma habilidade conhecida por heterogamia. Por exemplo, o crustáceo de água doce Daphnia se reproduz por partenogênese durante a primavera para povoar rapidamente os lagos, mas muda para o modo sexuado quando a competição e a predação aumentam. Assim têm maiores chances de sobreviver.

Os chatos assexuados também tentam aumentar de número rapidamente, mas acabam perecendo frente a competição… ou a predação. Em geral, não dá pra distinguir o chato assexuado nos ambientes estáveis. Mas basta as condições mudarem um pouco pra que eles se revelem. As fêmeas assexuadas, especialmente aquelas que ficam bravas quando recebem lingerie sexy de presente dos seus parceiros no dia dos namorados, mesmo quando dispensadas, não continuam sozinhas por muito tempo. Tem sempre um chato assexuado mais chato de plantão e elas se adaptam de novo. Já os machos assexuados… têm uma sorte pior: primeiro as fêmeas ativam o modo partenogenético, mostrando pro cabra que não precisam dele pra nada mesmo, e depois… é meu amigo, depois elas ativam o modo sexuado mesmo!

PS: Contribuiu a minha grande amiga bióloga Cristine Barreto.

Discussão - 4 comentários

  1. aliki disse:

    O que é um "longo prazo " para o biólogo neste texto/contexto?

  2. Mauro Rebelo disse:

    Oi Aliki,acho que a primeira resposta não vai ajudar muito: depende! Mas posso dar outra: o tempo que for necessário!Já sei, não ajudou muito de novo. Acontece que o tempo nesse contexto é relativo e por isso vou tentar uma outra abordagem. A questão é o que você vai fazer quando esse tempo chegar? Por que ele VAI, INEVITAVELMENTE, chegar. Porque os sistemas sempre vão ser perturbados. Então, se você está "contando" que esse tempo não vai chegar... pode pensar melhor e parar de se enganar. Estatísticamente, em um momento ou em outro, haverá uma perturbação no seu ecossistema. Você pode estar preparada pra lidar com ela, recorrendo ao seu arsenal de genes providenciados pela reprodução sexuada, ou... se escolheu a comodidade de uma reprodução assexuada, que permitiu uma grande expansão na calmaria, mas não te deu flexibilidade... sucumbir.

  3. erica fahena disse:

    nao entendi,deveriao ser mas glaros quando o asunto é tao polemico assim,nao da pra entende nada.

  4. Mauro Rebelo disse:

    Oi Erica, o que você não entendeu?

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