A arte da imprecisão da conversa


Quando minha querida amiga Cris comenta um texto, eu vou correndo ver. Segundo uma outra leitora assídua, os comentários da Cris são melhores que os textos do Mauro.E os comentários dela dão sempre margem a outros comentários meus. E isso rende na mesa de bar, ainda que nem sempre a gente concorde!
Bom, mas no comentário dela sobre a “Navalha de Occam” eu fiquei com a sensação, de apesar dela ter discordado de mim, que nós estavamos falando da mesma coisa.
Isso me levou a colocar esse texto, que estava na minha mente há alguns dias. Tem uns livros que eu adoro (o que eu mais adoro é “A insustentável leveza do ser”) e por isso leio eles mais de uma vez (a “insustentável” eu li 3). Eu agora estou relendo descuidadosamente “Quando Nietzsche chorou”. Descuidadosamente porque não estou seguindo o texto. Abro aleatóriamente e me encaixo em um dos sensacionais diálogos fictícios entre Breuer e Nietzsche.
Transcrevo um pedaço do diálogo que me chamou atenção. Breuer e Nietzsche caminham por um cemitério e comentam sobre um ensaio de Montaigne sobre a morte e discutindo um sonho constante de Breuer, onde enquanto ele procura por sua amante Bertha, o chão se liquefaz deixando-o afundar na terra, e depois de cair exatamente 40 m ele para em uma laje de mármore.
– Genial! – Nietzsche diminuiu o passo e bateu palmas. – Não são metros, mas anos! Agora o enigma do sonho começa a se esclarecer! Ao atingir seus quarenta anos, você se imagina afundando na terra e parando em uma laje de mármore. Mas a laje é o final? É a morte? Ou significa, de algum modo, uma interrupção da queda? Um salvamento?- Sem esperar por uma resposta, Nietzsche seguiu apressado. – E eis outra pergunta: A Bertha que você procurava
quando o solo começou a se liquefazer… de que Bertha se tratava? A jovem Bertha, que oferece a ilusão de proteção? ou a mãe, que outrora oferecia segurança real e cujo nome está escrito na laje? ou uma fusão das duas Berthas? Afinal, de certa forma, suas idades estão próximas, pois sua mãe morreu com uma idade não muito superior à de Bertha!
– Que Bertha? – Breuer abanou a cabeça. – Como poderei responder essa pergunta? E pensar que poucos minutos atrás, eu imaginei que a terapia através da conversa pudesse culminar em uma ciência precisa! Mas como ser preciso sobre tais questões?(…)
– Pergunto-me – ponderou Nietzsche – se nossos sonhos estão mais próximos de quem nós somos do que a racionalidade ou os sentimentos.

A imprecisão da conversa, dos sonhos e, como não, dos nossos sentidos; impedem que a gente possa aplicar a ciência e o método científico aos sentimentos.
Mas deixam tudo mais divertido!

Discussão - 1 comentário

  1. Cris disse:

    Meu amadíssimo Mauro. Por mais que nos esforcemos, nunca conseguiremos, com nossos comentários, igualar-nos aos teus textos sempre tão inteligentes, bem escritos e bem humorados. Já provocar as melhores discussões na mesa do bar, ah isso todos nós, seus leitores assíduos, fazemos! Só pra ter você “brilhólogo” ateando fogo nas idéias que surgem dos sentidos maravilhosamente imprecisos provocados pelas cervejas e cubas libres! Então, abusando um pouco do espaço do seu adorável blog, e da nossa sólida amizade, me deixa falar duas coisas: (1) O Breuer e o Nietzsche estavam tentando compreender algo expresso pela imprecisão dos sonhos. E se eles não perdessem tanto tempo da sempre bucólica e energizante caminhada pelo cemitério tentando criar um significado para a amante do Breuer? (2) E se o que para uns parecer tão absurdo, para outros não causar qualquer espanto? Da minha história favorita, transcrevo um diálogo, em homenagem aos amantes que foram capazes de, em momentos decisivos, abrir mão da lógica de Occam e aplicar, talvez, a lógica do Chapeleiro Louco, da Lebre Maluca. Nada fácil... Mas como ouvi da boca de uma personagem da TV outro dia “Amazing things happen when you say yes”! A Lagarta e Alice olharam-se uma para outra por algum tempo em silêncio."Quem é você?", perguntou a Lagarta."Eu - eu não sei muito bem, Senhora, no presente momento - pelo menos eu sei quem eu era quando levantei esta manhã, mas acho que tenho mudado muitas vezes desde então."O que você quer dizer com isso?", perguntou a Lagarta severamente. "Explique-se!""Eu não posso explicar-me, eu receio, Senhora", respondeu Alice, "porque eu não sou eu mesma, vê?""Eu não vejo", retomou a Lagarta."Eu receio que não posso colocar isso mais claramente", Alice replicou bem polidamente, "porque eu mesma não consigo entender, para começo de conversa, e ter tantos tamanhos diferentes em um dia é muito confuso.""Não é", discordou a Lagarta."Bem, talvez você não ache isso ainda", Alice afirmou, "mas quando você transformar-se em uma crisálida - você irá algum dia, sabe - e então depois disso em uma borboleta, eu acredito que você irá sentir-se um pouco estranha, não irá?""Nem um pouco", disse a Lagarta.Pra quem quiser baixar o livro todo, free download:http://virtualbooks.terra.com.br/freebook/infantis/alice_no_pais_das_maravilhas.htm

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