Cuidado com o Oscar

Na música ‘Senhas’, Adriana Calcanhoto diz: “eu não gosto do bom gosto, eu não do bom senso, eu não gosto dos bons modos”.

Eu sou um cara com uma alta dose de arrogância e seria muita desfaçatez da minha parte não dizer que um médico; que nem podemos dizer esquecido, porque provavelmente nunca foi lembrado; de um igualmente nunca lembrado setor de geriatria, de um conseqüentemente nunca lembrado hospital em Rhode Island nos EUA, que consegue, sem um experimento ou análise sequer, publicar um artigo, ainda que de relato, na mais importante revista de medicina do mundo, não é brilhante! Digno de todo nosso respeito e reconhecimento.

Minha bronca aqui, vamos deixar bem claro, não com esse médico e a forma original que encontrou de chamar atenção. Minha bronca é com os jornalistas de todo mundo que deram ao artigo, uma simples curiosidade, destaque de descoberta científica das mais importantes.

“Mas será que é pelo cheiro que ele reconhece quem vai morrer?” Me pergunta minha tia durante o almoço de domingo. Penso então em todas as tias que estão, nesse momento, e a partir dele, acreditando nos poderes sobrenaturais do gato Oscar. E com aval da The New England Journal of Medicine!

O relato do dr Dosa, médico geriatra da unidade avançada de demência do Hospital de Rhode Island e professor assistente da Brown University nos EUA conta um dia na vida do gato mascote da instituição Oscar, que, segundo o autor, desde que foi adotado pelo staff há dois anos, previu acertadamente 25 mortes. Sua presença ao lado do leito de um paciente é considerada pelos diretores do hospital razão suficiente para que as enfermeiras notifiquem a família.

O relato segue assim: Oscar passeia pelo corredor e observa Mrs P, que não é capaz de recordar a família que a visita diariamente, e que vive na área de demência à 3 anos, mas não lhe dá atenção. ‘Não chegou a sua hora'” As palavras na boca do gato é um dos artifícios utilizado pelo médico para angariar a atenção do leitor.

Oscar para na porta do quarto 310, onde Mrs T, vítima terminal de um cruel de câncer de mama, dorme acompanhada da filha que lê um livro; e espera até que a porta seja aberta. ‘Olá Oscar‘ saúda a filha, mas Oscar apenas sobe no leito, cheira o ar e decide ir embora. ‘Ainda não chegou a sua hora também’.” Não sabemos se ficamos felizes ou sentimos pena da paciente terminal que precisa de altas doses de morfina (de acordo com o artigo) para passar os seus dias.

A história muda quando Oscar chega ao quarto 313. “Quando a enfermeira vem checar sua paciente e encontra o gato sentado ao lado de Mrs K, volta para sua mesa, checa o prontuário da paciente e começa a fazer telefonemas. Em meia hora começam a chegar os primeiros familiares e também o padre. Mrs K faz sua passagem com calma e tranqüilidade. O gato some após seu último suspiro, silenciosamente, sem que os familiares nem mesmo percebam.”

Oscar volta para sua sala. Hoje não haverá mais mortes, porque no 3º andar, ninguém morre sem que Oscar faça uma visita antes” termina o relato do médico.

Não há charlatanismo. O relato fantasioso da conincidência observada pelo médico é certamente uma tentativa de aliviar a tristeza e as angústias daqueles que vivem ou que lidam, diariamente, com pacientes terminais. E que justamente por todo esse mérito, teve o reconhecimento da importante revista. No entanto, não podemos, em nenhum momento, deixar que a sensibilidade da história de Oscar confunda uma curiosidade com um fato científico. Minha bronca é, reitero, com os jornalistas que deturpam o fato para criar a notícia.

Diz uma recente pesquisa do Ministério da Ciência e Tecnologia, que os jornalistas são os profissionais em que o povo brasileiro mais confia para se informar sobre ciência e tecnologia. Transformar um gato que passeia pelo corredor do setor de pacientes terminais em um gato que ‘reconhece a hora da morte’, e noticiar isso como verdade científica é fazer sensacionalismo. As consequencias imediatas para o povo podem parecer menores, mas em longo prazo…

Se não for suficiente para vocês que que as doenças terríveis, terminais, prolongadas, que afligem essas pessoas, sejam um presságio muito mais significativo que a presença de Oscar, então proponho duas simples verificações: A primeira testar as habilidades de Oscar fora do setor de pacientes terminais do instituto de demência geriátrica; e a segunda, observar quantos pacientes foram visitados por Oscar sem que nada acontecesse. Não acredito que o mito sobreviva após esses testes.

O maior mérito de Oscar é, como bem cita o artigo, o de fazer companhia àqueles que sem a sua presença, morreriam completamente só.

PS: Comente também no Roda de Ciência

Discussão - 3 comentários

  1. Miriam Salles disse:

    Olá!Indiquei o seu blog para o prêmio “Blog com Tomates”. Espero que você aceite a indicação. As informações estão no meu blog http://www.miriamsalles.info/wp!Um abraço

  2. Joao Soares disse:

    OláBlogue muito interessante.O seu blogue está no bloguerolo do meu Dossier Biologia.Um abraço desde Portugal

  3. Mauro Rebelo disse:

    Oi Miriam, claro que aceito a indicação. Obrigado a você e ao João pelo reconhecimento. Espero vocês em novas visitas! Um abraço

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