O que o seu astrólogo não vai dizer

ResearchBlogging.org


A validação pessoal é um dos dois problemas que eu tenho com a astrologia. É o problema que foi apresentado no último post. As pessoas acreditam em, e confirmam, qualquer coisa que você disser a elas sobre elas.

Não é por maldade ou fraude, mas simplesmente porque as características que determinam a unicidade de um indivíduo podem ser encontradas em qualquer indivíduo. O que diferencia cada um é o grau com que apresenta (ou manifesta) cada uma dessas características. Forer já havia dito isso há mais de 50 anos. Eu já havia dito algo parecido sobre a importância das ‘doses‘ de qualquer coisa.

O problema da ‘validação pessoal’ nos testes de personalidade é que geralmente esses são os chamados ‘testes positivos’, onde a evidência é recolhida através de uma resposta afirmativa. Tipo: “Você gosta de festas?” “Sim!” Logo, você é uma pessoa sociável (parece a piada do português sobre lógica, mas essa fica pra depois).

Muitos autores já mostraram que, em casos de julgamento sobre a nossa própria personalidade, o nosso ‘ego‘, nós possuímos informações detalhadas e complexas sobre nossa história passada que em geral são diversas e muitas vezes contraditórias. Por isso, para praticamente qualquer afirmação ou condição proposta, nós deveríamos encontrar evidência que comprova a proposta. Que comprova a hipótese.

Um autor Inglês Martin Davies mostrou que o nosso ‘ego‘ é ainda mais tendencioso. Ele mostrou que uma hipótese é mais difícil de ser confirmada quando o teste proposto é um ‘teste negativo’, onde a pergunta espera uma resposta negativa do tipo: “Você é um cara que gosta de ficar em casa?” “Não” para confirmar a hipótese de que gosta de ir a festas.

O problema é que quando alguém propõe um teste positivo para confirmar uma hipótese, e depois um teste negativo para fazer uma verificação do primeiro, o seu cérebro simplesmente impede o acesso as memórias que contradiriam a primeira afirmação. Você pode ter um monte de lembranças de quando prefiriu ficar em casa do que ir a uma festa, mas depois de dizer que gosta de ir a festas, vai lembrar de várias festas memoráveis, mas não lembrará de nenhum sábado feliz junto a TV vendo Supercine.

Como diria o filósofo Bonovox: “She (a mente) moves in misterious ways” (que excelente lembrança, adoro essa música e vou colocar pra tocar agora).

A mente, simplesmente, opera de maneira a dar um parecer ‘confortável’ para o indivíduo em uma determinada situação, mas essa sensação de conforto e segurança significa que a confirmação pelo indivíduo será, sempre, tendenciosa. Isso sem que haja nenhuma racionalização.

Se já somos tendenciosos naturalmente, imagina quando há algum interesse em jogo?! O mesmo estudo mostrou que se um indivíduo é motivado a confirmar uma característica do seu ego, não importa se ela é apresentada em um teste positivo ou negativo: ele ira confirmar a característica. O autor não sabe identificar quais características, e em quais situações, influenciam na decisão da confirmação, mas eu posso pensar em uma ou duas:

Quando tinha 19 anos fui a uma boate que existia no Clube Naval em Xaritas (Niterói) com um amigo. Conhecemos duas meninas e fomos bater papo na varanda do clube. Aquela que conversava comigo começou a falar da lua e ai eu comecei a falar estrelas. Eu sei, é meio cafona, mas eu tinha 19 anos e estava motivado. Mas ai ela perguntou meu signo e eu comecei a dizer que não acreditava em astrologia, que a física do mapa astral era ainda a mesma da época de Ptolomeu, quando se conheciam apenas 5 planetas e a Terra era o centro do universo. Oh Gosh, A astrologia não reconhecia Copérnico! Não preciso dizer que só meu amigo beijou na boca aquela noite. Eu fiquei …vendo estrelas. Desde então sou motivado a responder a responder que sou de Virgem, independente de não acreditar no que isso representa.

Isso encerra a primeira razão pela qual eu não acredito em Astrologia, mas também já introduz a segunda: Não há como funcionar simplesmente porque a ferramenta de cálculo é totalmente imprecisa e inacurada. É errada.

Um estudo duplo cego (aqueles ondes quem planeja não conduz, quem conduz não analisa e quem analisa não planejou, e que por isso são os mais livres de observações tendenciosas), da astrologia publicado na revista Nature com os melhores astrólogos dos Estados Unidos, recomendados pela associação americana de astrólogia pela sua incrível e incontestável expertise, mostrou que o acerto é mero acaso.

Cem astrólogos receberam 100 mapas astrais de 100 voluntários e também os dados necessários para a formulação do mapa astral desses indivíduos (data, horário em minutos e local exato de nascimento). Junto com o mapa correto daquele indivíduo, o astrólogo recebia dois outros mapas de duas outras pessoas, que tinham o mesmo signo astral. O trabalho deles, dos astrólogos, era indicar, dentre as 3 possibilidades (o mapa correto e os outros dois incorretos) qual era o mapa daquela pessoa. A taxa de acerto foi de 30%. Como havia 1 mapa correto em 3, 30% significa que eles acertaram por acaso. Quem quiser mais detalhes pode ver o artigo de Shawn Carlson no vol. 318 da Nature de 1985.

Trinta por cento! Imaginem se houvesse 1 mapa correto em 5? Seria 20%. E se houvesse 1 em 10? Seria 10%. Não existe ciência ou filosofia ou paranormalidade: é puro acaso!

Com essas dicas, eu ou você podemos agora mesmo montar uma barraquinha na praia de Copacabana na Noite de Reveillon e começar a fazer mapa astral da galera. Ou não.

Mas por via das dúvidas, não fale nada de Ptolomeu ou Copérnico. Você pode ficar a ver estrelas também!

Forer, B. (1949). The fallacy of personal validation: a classroom demonstration of gullibility. The Journal of Abnormal and Soci
al Psychology, 44
(1), 118-123 DOI: 10.1037/h0059240

Cuidado com o Oscar

Na música ‘Senhas’, Adriana Calcanhoto diz: “eu não gosto do bom gosto, eu não do bom senso, eu não gosto dos bons modos”.

Eu sou um cara com uma alta dose de arrogância e seria muita desfaçatez da minha parte não dizer que um médico; que nem podemos dizer esquecido, porque provavelmente nunca foi lembrado; de um igualmente nunca lembrado setor de geriatria, de um conseqüentemente nunca lembrado hospital em Rhode Island nos EUA, que consegue, sem um experimento ou análise sequer, publicar um artigo, ainda que de relato, na mais importante revista de medicina do mundo, não é brilhante! Digno de todo nosso respeito e reconhecimento.

Minha bronca aqui, vamos deixar bem claro, não com esse médico e a forma original que encontrou de chamar atenção. Minha bronca é com os jornalistas de todo mundo que deram ao artigo, uma simples curiosidade, destaque de descoberta científica das mais importantes.

“Mas será que é pelo cheiro que ele reconhece quem vai morrer?” Me pergunta minha tia durante o almoço de domingo. Penso então em todas as tias que estão, nesse momento, e a partir dele, acreditando nos poderes sobrenaturais do gato Oscar. E com aval da The New England Journal of Medicine!

O relato do dr Dosa, médico geriatra da unidade avançada de demência do Hospital de Rhode Island e professor assistente da Brown University nos EUA conta um dia na vida do gato mascote da instituição Oscar, que, segundo o autor, desde que foi adotado pelo staff há dois anos, previu acertadamente 25 mortes. Sua presença ao lado do leito de um paciente é considerada pelos diretores do hospital razão suficiente para que as enfermeiras notifiquem a família.

O relato segue assim: Oscar passeia pelo corredor e observa Mrs P, que não é capaz de recordar a família que a visita diariamente, e que vive na área de demência à 3 anos, mas não lhe dá atenção. ‘Não chegou a sua hora'” As palavras na boca do gato é um dos artifícios utilizado pelo médico para angariar a atenção do leitor.

Oscar para na porta do quarto 310, onde Mrs T, vítima terminal de um cruel de câncer de mama, dorme acompanhada da filha que lê um livro; e espera até que a porta seja aberta. ‘Olá Oscar‘ saúda a filha, mas Oscar apenas sobe no leito, cheira o ar e decide ir embora. ‘Ainda não chegou a sua hora também’.” Não sabemos se ficamos felizes ou sentimos pena da paciente terminal que precisa de altas doses de morfina (de acordo com o artigo) para passar os seus dias.

A história muda quando Oscar chega ao quarto 313. “Quando a enfermeira vem checar sua paciente e encontra o gato sentado ao lado de Mrs K, volta para sua mesa, checa o prontuário da paciente e começa a fazer telefonemas. Em meia hora começam a chegar os primeiros familiares e também o padre. Mrs K faz sua passagem com calma e tranqüilidade. O gato some após seu último suspiro, silenciosamente, sem que os familiares nem mesmo percebam.”

Oscar volta para sua sala. Hoje não haverá mais mortes, porque no 3º andar, ninguém morre sem que Oscar faça uma visita antes” termina o relato do médico.

Não há charlatanismo. O relato fantasioso da conincidência observada pelo médico é certamente uma tentativa de aliviar a tristeza e as angústias daqueles que vivem ou que lidam, diariamente, com pacientes terminais. E que justamente por todo esse mérito, teve o reconhecimento da importante revista. No entanto, não podemos, em nenhum momento, deixar que a sensibilidade da história de Oscar confunda uma curiosidade com um fato científico. Minha bronca é, reitero, com os jornalistas que deturpam o fato para criar a notícia.

Diz uma recente pesquisa do Ministério da Ciência e Tecnologia, que os jornalistas são os profissionais em que o povo brasileiro mais confia para se informar sobre ciência e tecnologia. Transformar um gato que passeia pelo corredor do setor de pacientes terminais em um gato que ‘reconhece a hora da morte’, e noticiar isso como verdade científica é fazer sensacionalismo. As consequencias imediatas para o povo podem parecer menores, mas em longo prazo…

Se não for suficiente para vocês que que as doenças terríveis, terminais, prolongadas, que afligem essas pessoas, sejam um presságio muito mais significativo que a presença de Oscar, então proponho duas simples verificações: A primeira testar as habilidades de Oscar fora do setor de pacientes terminais do instituto de demência geriátrica; e a segunda, observar quantos pacientes foram visitados por Oscar sem que nada acontecesse. Não acredito que o mito sobreviva após esses testes.

O maior mérito de Oscar é, como bem cita o artigo, o de fazer companhia àqueles que sem a sua presença, morreriam completamente só.

PS: Comente também no Roda de Ciência

Sobre ScienceBlogs Brasil | Anuncie com ScienceBlogs Brasil | Política de Privacidade | Termos e Condições | Contato


ScienceBlogs por Seed Media Group. Group. ©2006-2011 Seed Media Group LLC. Todos direitos garantidos.


Páginas da Seed Media Group Seed Media Group | ScienceBlogs | SEEDMAGAZINE.COM