Você conhece aquela do português?


Um dos motivos pelo qual fiquei sem escrever tanto tempo é o excesso de trabalho. Parte desse excesso de trabalho foi devido a duas teses de mestrado de alunos meus que tiveram, ou estão tendo, muita dificuldade de escrever.

Já falei aqui da minha descoberta da importância da leitura atenta e da escrita criativa para o suecesso da atividade científica. Saber contar uma história, a história de um trabalho científico, é tão importante quanto realização do trabalho científico em si.

Uma parte importante desse trabalho, é compreender o problema que está sendo investigado. Sem essa compreensão, a relação entre hipótese, objetivos, métodos, resultados e conclusões; o cerne do método científico; se torna impossível de analisar. Sem análise, não conseguimos transformar dados em informação.

Outro dia, tentando explicar isso para um aluno, me veio em mente uma piada de português. O pesquisador Manoel executa um experimento onde remove, uma a uma, todas as patas de uma aranha. Antes da remoção de cada excerto, ele executa um comando verbal para a aranha se locomover.

“Anda aranha, anda”
e a aranha andava.

O aracnídeo consegue realizar movimento até que a sua última perna é removida.

“Anda aranha, anda”
, e a aranha não se movia. “Anda aranha, anda”, e a aranha ainda não se movia.

Manoel conclui então que após a remoção das 8 patas, a aranha fica surda.

Eu sei, estou parecendo a Turma do Casseta & Planeta no “Piada em debate”, mas vejam, o erro do Manoel, que é fatal para o sucesso da atividade científica, é mais comum do que imaginamos, e é cometido por muitos, muitos alunos no início das suas carreiras acadêmicas: concluir apenas com base nos resultados, e não em todas as etapas do método.

No método científico, cada etapa depende da anterior, e o que mantém a integridade de um trabalho de pesquisa é a coerência entre elas: Se a segunda etapa segue a primeira, e a terceira segue a segunda, então, obrigatoriamente, a terceira segue a primeira. Parece obvio, e é, mas nem sempre é assim. Se a terceira etapa pode existir independentemente da primeira ou da segunda, então o processo está comprometido. Assim como as conclusões. Corremos o risco então de concluir que depois de arrancar as patas da aranha ela não consegue andar porque fica surda.

Acho que a parte mais difícil do trabalho do cientista é a análise dos dados, para retirar toda a informação contida neles. Nem mais, nem menos do que os dados podem fornecer.

Abre parênteses: Vocês já ouviram aquela outra: torturem seus dados e eles te dirão o que você quiser”? Pois é, esse é outro erro comum. Concluir com base em nossos preconceitos, aquilo que gostaríamos que fosse verdade, ou que acreditamos a priori que é verdade, e não nas evidências apresentadas pelos resultados. fecha parênteses.

Mas identificar o problema de pesquisa corretamente é a parte mais crucial do trabalho científico. Aquela que pode comprometer todo o processo. Sem o problema identificado corretamente podemos proceder a uma coleta de dados que resultará inutil (e o que é pior, irreversível ou irrecuperável) enquanto uma análise superfícial (ou abusiva) dos dados produz danos parciais e, geralmente, reversíveis.

Identificar o problema corretamente pode ser uma habilidade inata, mas também pode ser uma habilidade desenvolvida com treino e trabalho. O que o cientista não pode é prescindir dela.

Discussão - 13 comentários

  1. João Carlos disse:

    Salve, Mauro! (Bom vê-lo de volta...)Muito a propósito esse seu post! Eu encontrei no Anals of Improbable Research uma menção a um estudo sobre gostwrting de artigos na área de medicina (especificamente sobre o medicamento "Vioxx") e as nefastas conseqüências da não-observância dos princípios da redação de um bom relatório de pesquisas.Talvez, se todos os orientadores de Teses fossem exigentes como você, os pós-graduados ficariam mais imbuídos da enorme responsabilidade que é a autoria de um relatório de pesquisa científica... Infelizmente, até os periódicos científicos respeitáveis ainda publicam matérias onde se nota, claramente, que "os dados foram torturados até confessarem" o que o patrocinador da pesquisa queria...

  2. Gabriel Melani disse:

    Eu queria dar uma sugestao de post, mas não consegui encontrar seu e-mail no blog então vou postar aqui mesmo 🙂 Eu achei uma lista das 10 piores catastrofes e desastres naturais de 2007e gostaria que vc desse uma olhada e talvez postasse no blog pra galera discutir. Vale a pena verToma aí o link: http://www.weshow.com/top10/pt/ciencias-humanas-e-naturais/top-10-piores-catastrofes-e-desastres-naturais-2007

  3. Anonymous disse:

    Eu não sou cientista mas sou portuguesa e fico triste sempre que constato que formamos e cultivamos opiniões negativas sobre outros os povos. Repugnam-me, actualmente, as reacções (negativas) à flôr da pele que muitos dos meus conterrâneos manifestam em relação à comunidade brasileira residente aqui em Portugal.Seja como for a anedota é bem engraçada e eu dei umas boas gargalhadas.

  4. Juliana disse:

    Oi acabei caindo aqui neste blog por acidente.. e como trabalho com aranhas todo mundo vem e me contam esta piada.Apesar de concordar com a rigorosidade científica, que neste caso foi um erro metodológico..O mais estranho foi que ao ler artigos sobre bioacustica de aranhas é que vi que o português apesar de errar no método concluiu algo verdadeiro.. rs Realmente aranhas sem pernas fica surda.. ja que o som elas percebem através dos tricobótrios, cerdas pequenas localizadas nas pernas das aranhas.. onde o som gera uma vibração e são por estas cerdas que elas "ouvem".

  5. Anonymous disse:

    Continuo aqui, fiel e curiosa. A sua "piada" veio a calhaire - e ollha que a inseri no contexto da dança-terapia com relação à dança ou à terapia isoladamente...Merci, aliki. Peço desculpas, só da para eu comentar soit-disant an^onimamente...

  6. Mauro Rebelo disse:

    João, obrigado, mas como você pode ver pela demora em responder esses comentários... o tempo ainda anda curto. Tenho tantas coisas para escrever sobre o desenvolvimento sustentável mas não consegui escrever na Roda no mês passado. Enfim, um grande professor da UFRJ tem na porta do seu lab um cartaz onde diz que "as revistas médicas são o braço científico da industria farmacêutica".

  7. Mauro Rebelo disse:

    Gabriel, obrigado pela sugestão, vou colocar na minha lista. Mas ela anda tão acumulada... que eu não sei quando conseguirei escrever. Um abraço,

  8. Mauro Rebelo disse:

    Cara Portuguesa, enquanto escrevia o post tinha certeza que a piada incomodaria alguém. Já tive horas de discussão filosófica sobre o preconceito embutido nas piadas, etc. Mas uma vez li que o que achamos serve, em última instância, apenas para nós mesmos. O que importa é o que fazemos para os outros. E prometo que nunca vou recusar um aluno por ele ser português, ou irlandês, ou belga...Volte sempre, Mauro

  9. Mauro Rebelo disse:

    Juliana... Hahahaha! Quem diria... Seu comentário além de curioso e interessante revela uma questão importantíssima na ciência. Que apesar de toda eficiência do método científico, sempre poderemos chegar a conclusões certas pelos caminhos tortos ou... por pura sorte. Muitíssimo obrigado! Seja bem vinda e volte sempre

  10. Mauro Rebelo disse:

    Aliki, Je suis très heureux que vous êtes revenu (ou il continue toujours) un baiser

  11. Fabio disse:

    adoro esse blog!!!

  12. Anonymous disse:

    Pedido da falsa genebrina aliki, impressionada com os prótons correndo no LHC praticamente debaixo dos pés da madame... Com a cidade infestada de físicos, eu quereria mesmo é um ponto de vista biólogo sobre a experiência. Sim, é um descarado pedido de post. Par avance merci et plein de bisous!

  13. Mauro Rebelo disse:

    Aliki, querida, você me pegou no contra pé. Minha compreensão do que acontece a na colisão de partícula sub atômicas, como no LHc, é quase sobrenatural. Entendo, mas não exatamente como. Eu posso dizer pra você, em português, que entendo vagamente o que eles falam sobre teoria das supercordas, mas a verdade é que saindo desse vago, a teoria é muito próxima do que chamamos de sobrenatural. O que eu posso te dizer é que li o livro do Carl Mullins, premio nobel de fisiologia pela invenção do PCR, e que ele diz que o investimento de bilhões de dólares em aceleradores de partículas é um grande desperdício, e que eu descordo plenamente dele. Apesar dos meus 37 anos e de não ter vivido a época dos hippies, eu acredito no "faça amor não faça a guerra". Se podemos gastar bilhões (se os americanos podem) na pesquisa e construção de armas, 8 bilhões de dolares e 14 anos para construir um acelerador de partículas que vai ajudar a desvendar os mistérios do universo, e de quebra nos dar, como já nos deu o CERN, coisas como a WWW (World Wide Web) então nós estamos no lucro. Trate bem os físicos (e biólogos) que encontrar na rua, porque a compreensão do mundo, é deles. Um beijo, M

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