Vai que dá…

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Minha irmã precisava de um armário pro seu quarto e comprou um nas ‘Casas Bahia’. Como mora em uma casa de dois andares, com uma escada em espiral para o quarto, foi enfática com a vendedora: “Por favor, mande o armário desmontado, senão será impossível passar pela escada.” No dia seguinte, pela manhã, chega o caminhão na casa dela levando o armário… montado. O caminhão voltou com o armário, que não passou pela escada espiral. Ela voltou a loja, procurou a vendedora, argumentou que foi enfática quanto a necessidade de mandar o armário desmontado, ao que a vendedora respondeu:
“É que quando eu cheguei de manhã, os rapazes já haviam montado o seu armário. Ai eu pensei: ‘vai que dá?!’ e falei pra eles entregarem”.
Todos temos de tomar decisões todos os dias, claro, mas porque alguns de nós insistimos em tomar decisões que vão contra todas as possibilidades de sucesso?
Já escrevi aqui sobre coerência e propensão ao risco, que são elementos fundamentais para explicar a dinâmica da tomada de decisão, mas hoje eu queria falar sobre ‘avaliar’ a incerteza. Acho que isso está na raíz desse ‘mal’. E tem a ver com um tema recorrente nesses tempos de internet e saturação da informação: a qualidade da informação que temos.
Veja, antigamente (e estou falando de 1993, a era pré internet), havia, realmente, pouca informação. E essa informação nem sempre era disponível, já que o esforço para chegar a ela era quase sempre infrutífero ou simplesmente não valia a pena.
Atualmente, a quantidade de informação produzida em um ano, supera a quantidade de informação produzida por toda a humanidade nos últimos 40.000 anos. Claro que nem toda essa informação é boa, ou útil, mas com os meios digitais, toda ela está ao alcance dos nossos teclados e monitores. O que nos traz um novo problema: como separar a informação que é boa, daquela que não é boa.
Deixa eu dar um exemplo. Eu posso querer saber se um aluno que chega na sala de aula feliz, aprende mais do que aquele que chega na aula infeliz. Como vou avaliar se meus alunos são/estão felizes? A melhor forma seria perguntar a eles. Então coloco uma folha de papel na mesa de cada um, com uma pergunta simples de múltipla escolha: Você está feliz? Marque uma opção de 1 a 5 com 1 sendo ‘muito infeliz’ e 5 sendo ‘muito feliz’. Analiso rapidamente os resultados e decido se a minha aula pode ‘pegar mais pesado ‘ ou tem que pegar mais leve. Certo? Errado!
Qual a qualidade, a credibilidade, da resposta das pessoas a pergunta ‘você está feliz’? Mesmo não tendo formação em psicologia, posso imaginar umas 100 razões para que uma pessoa responda essa pergunta com viés para o ‘muito infeliz’ ou para o ‘muito feliz’ e que não tenham nada a ver com o real estado de espírito dela.
Se você opta por utilizar a informação fornecida por esse questionário, não importa o quão bom seja o seu método de tomada de decisão (como por exemplo o método estatístico Bayesiano): sua decisão não terá sido melhor do que um chute.
Então como saber se uma informação é boa? Na falta de um mecanismo de verificação, temos que confiar no nosso critério.
Para ter certeza, a vendedora das ‘Casas Bahia’ poderia ter ido até a casa da minha irmã com uma trena, tomado as medidas da escada e da porta, e confrontado com as medidas do armário: montado e desmontado. Assim, tomaria uma decisão sem nenhuma dúvida. Em não tendo essa confirmação, ela tem de confiar na palavra da minha irmã, que conhece a própria casa melhor do que a ela (vendedora), contando que, ao contrário dos meus alunos na sala de aula, minha irmã não tenha nenhum motivo psicológico (conhecido 😉 para fornecer uma informação duvidosa.
Mas ainda assim, ela toma a decisão contrária a lógica e a razão. Porque?
Ok, primeiro escrevi uma longa resposta para essa pergunta (que vai virar o próximo texto), falando sobre critério (e a falta dele) mas depois pensei bem, apliquei a ‘navalha de Occam’ nas minhas idéias, e cheguei a conclusão mais simples (que mostrou que na verdade o meu exemplo inicial da vendedora foi ruim, mas agora vou responder do mesmo jeito).
A vendedora foi contra a lógica por preguiça! Não tem nada a ver com falta de instrumentos estatísticos ou critérios. Foi preguiça e falta de responsabilidade. Não foi ela quem montou o armário à-toa, não era ela quem pilotaria o caminhão ou descarregaria o armário à-toa, nem era ela que ficaria mais um dia sem armário. A sua responsabilidade era de mandar o armário naquele dia (ainda que montado, o que acrescenta falta de ética as suas qualidades).
A conclusão é que a preguiça não é um bom critério de decisão.

Você conhece aquela do português?


Um dos motivos pelo qual fiquei sem escrever tanto tempo é o excesso de trabalho. Parte desse excesso de trabalho foi devido a duas teses de mestrado de alunos meus que tiveram, ou estão tendo, muita dificuldade de escrever.

Já falei aqui da minha descoberta da importância da leitura atenta e da escrita criativa para o suecesso da atividade científica. Saber contar uma história, a história de um trabalho científico, é tão importante quanto realização do trabalho científico em si.

Uma parte importante desse trabalho, é compreender o problema que está sendo investigado. Sem essa compreensão, a relação entre hipótese, objetivos, métodos, resultados e conclusões; o cerne do método científico; se torna impossível de analisar. Sem análise, não conseguimos transformar dados em informação.

Outro dia, tentando explicar isso para um aluno, me veio em mente uma piada de português. O pesquisador Manoel executa um experimento onde remove, uma a uma, todas as patas de uma aranha. Antes da remoção de cada excerto, ele executa um comando verbal para a aranha se locomover.

“Anda aranha, anda”
e a aranha andava.

O aracnídeo consegue realizar movimento até que a sua última perna é removida.

“Anda aranha, anda”
, e a aranha não se movia. “Anda aranha, anda”, e a aranha ainda não se movia.

Manoel conclui então que após a remoção das 8 patas, a aranha fica surda.

Eu sei, estou parecendo a Turma do Casseta & Planeta no “Piada em debate”, mas vejam, o erro do Manoel, que é fatal para o sucesso da atividade científica, é mais comum do que imaginamos, e é cometido por muitos, muitos alunos no início das suas carreiras acadêmicas: concluir apenas com base nos resultados, e não em todas as etapas do método.

No método científico, cada etapa depende da anterior, e o que mantém a integridade de um trabalho de pesquisa é a coerência entre elas: Se a segunda etapa segue a primeira, e a terceira segue a segunda, então, obrigatoriamente, a terceira segue a primeira. Parece obvio, e é, mas nem sempre é assim. Se a terceira etapa pode existir independentemente da primeira ou da segunda, então o processo está comprometido. Assim como as conclusões. Corremos o risco então de concluir que depois de arrancar as patas da aranha ela não consegue andar porque fica surda.

Acho que a parte mais difícil do trabalho do cientista é a análise dos dados, para retirar toda a informação contida neles. Nem mais, nem menos do que os dados podem fornecer.

Abre parênteses: Vocês já ouviram aquela outra: torturem seus dados e eles te dirão o que você quiser”? Pois é, esse é outro erro comum. Concluir com base em nossos preconceitos, aquilo que gostaríamos que fosse verdade, ou que acreditamos a priori que é verdade, e não nas evidências apresentadas pelos resultados. fecha parênteses.

Mas identificar o problema de pesquisa corretamente é a parte mais crucial do trabalho científico. Aquela que pode comprometer todo o processo. Sem o problema identificado corretamente podemos proceder a uma coleta de dados que resultará inutil (e o que é pior, irreversível ou irrecuperável) enquanto uma análise superfícial (ou abusiva) dos dados produz danos parciais e, geralmente, reversíveis.

Identificar o problema corretamente pode ser uma habilidade inata, mas também pode ser uma habilidade desenvolvida com treino e trabalho. O que o cientista não pode é prescindir dela.

Incoerente?! Eu?!

Quantas vezes já te chamaram (ou acusaram 😉 de incoerente? Mas o que é coerência? Existe todo um ramo da estatística que lida com a tomada de decisões. Todas essas técnicas pretendem avaliar as probabilidades de você alcançar o sucesso escolhendo entre diferentes possibilidades (quem assistiu “Quero ficar com Polly”?). É assim que as companhias de seguros (e também os cassinos) ganham rios de dinheiro. No entanto, para que elas funcionem, é preciso que haja… coerência! Estatisticamente, coerência é descrita da seguinte forma: Se A é melhor do que B, e B é melhor do que C, então, obrigatoriamente, C é melhor do que A. Concordam? Aposto que sim. A maior parte de vocês deve concordar. O problema é quando saímos das ‘letrinhas’. Você pode preferir jogar bola (evento A) do que ir a praia (evento B), e preferir ir ao cinema (evento C) do que ir a praia (evento B). Então, por coerência, você deveria preferir ir ao cinema (evento C) do que jogar bola (evento A). Só que, estatisticamente, nem todos concordariam quanto a essa conclusão. Algumas pessoas, prefeririam jogar bola do que ir ao cinema (seria interessante fazer essa pesquisa pra saber exatamente o resultado entre nossos leitores). E isso seria, do ponto de vista científico, incoerente. Isso é uma exceção? Não. O fato é que o ser humano é, basicamente, incoerente!

É verdade que os problemas que enfrentamos são mais complexos do que isso simplesmente jogar bola ou ir a praia. Mas vamos manter o exemplo e complicar um pouco a situação: você prefere ir a praia se estiver sol, mas e se chover? Chovendo, deve ser melhor ir ao cinema. Mas e se você não sabe se vai chover? Melhor ir pra praia e arriscar? Ou ir ao cinema e correr o risco de perder o dia de sol, mas se divertindo sem o risco de passar frio?

Bom, agora entra em cena outra questão, a ‘propensão ao risco’. Esse fator é ainda mais variável. Principalmente por que a propensão ao risco da chance de ganhar e do premio. Em geral, quanto maior o ganho (ou melhor o premio), maior o risco que a pessoa está disposta a correr. Mas isso pode mudar se as chances de ganhar forem pequenas. A propensão ao risco varia de cultura para cultura e de pessoa para pessoa, mas se ela depende das chances, podem variar até para a mesma pessoa. Nesse caso, dependendo do risco, o premio pode deixar de ser interessante. Parece lógico? Pode (até) parecer, mas a conseqüência é a falta de coerência. E falta mesmo!

Dependendo do premio e do risco, a coerência… flutua!

Bom, e agora?! Como viver nesse mundo cheio de pessoas INCOERENTES? Não é fácil. Desde pequenos vivemos em um mundo dicotômico (dia e noite, muito e pouco, etc) e somos ensinados a escolher entre ‘certo’ ou ‘errado’. Nunca pudemos dizer: tenho 70% de certeza de que tenho a resposta certa.

A forma que o ser humano elegeu para lidar com a incerteza dos eventos foi eliminá-la, ao invés de aprender a lidar com ela. Como eliminar a incerteza é impossível (vocês já ouviram falar do principio de incerteza de Heisenberg?), agora temos de nos re-educar para lidar com ela. Mas não dá pra, depois de macaco velho, sair por ai calculando probabilidades e montando árvores decisórias pra decidir se vamos passar as férias na montanha ou na praia. O que podemos é, sabendo que os eventos são incertos e que as pessoas são incoerentes, propormos escolhas mais flexíveis (até para nós mesmos). Quanto menos você colocar uma situação entre certo ou errado, menos pressão vai colocar sob a pessoa que deve decidir. E mais fácil vai ser (deveria ser) a decisão. Não é coerência, é ciência!

PS: De acordo com diversos estudos, só um elemento consegue generalizar a coerência nos seres humanos. Dinheiro! (apostos que vocês pensaram que eu ia falar sexo!) Repita o teste do ‘se A é melhor que B e B é melhor que C, então A é melhor que C’; substituindo os eventos por quantias monetárias crescentes. Todos os participantes do teste concordarão e serão coerentes: uma quantia maior é sempre preferível a uma quantia menor.

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