Quem pode falar de política científica?

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Um dos primeiros textos que escrevi, em 2002, foi sobre a conversa dos presidenciáveis com cientistas. Ou melhor, o monólogo, já que apenas um dos presidenciáveis havia comparecido ao evento. No ano que vem teremos eleições novamente, então acho que posso voltar a esse assunto.
O que os candidatos a presidente poderiam falar sobre ciência aos cientistas? Tudo! A política científica se tornou parte importante da realização de ciência e deveria ser parte fundamental da vida dos cientistas. De TODOS os cientistas. Sim, porque para muitos, apenas cientistas seniores (o que no Brasil significa pesquisador nível 1 do CNPq) estariam aptos a opinar sobre política científica. Principalmente para os próprios cientistas seniores, em uma endogamia de idéias que muitas vezes atravanca o desenvolvimento da ciência.
Vejam, a política científica de um país interfere com a vida dos cientistas desse país através das agências de fomento. No Brasil essas agências são principalmente o CNPq e a FINEP (vinculados ao MCT), a CAPES (vinculada ao MEC) e as FAP (fundações de amparo a pesquisa dos governos estaduais). São elas que criam os programas de fomento a pesquisa, que determinam os valores e prazos de financiamentos, além dos critérios e regras dos editais.
Essas agências tem a difícil tarefa de avaliar os cientistas para decidir quais devem receber financiamento, bolsas e outros tipos de incentivos para a pesquisa. Porém, essa não é, de forma alguma, uma decisão tomada de forma científica: os critérios se aproximam mais da numerologia e do sobrenatural: número de artigos publicados, número de artigos publicados nos últimos 3, 5 ou 10 anos; número de artigos publicados como primeiro/último autor, número de citações, fator de impacto da revista, Qualis da revista, índice de impacto do pesquisador, índice H…
Claro que precisamos de um sistema de avaliação. No seu vídeo ‘A explosão do saber’, Leopoldo de Meis mostra que com a institucionalização da ciência, o número de cientistas no mundo que era de 150 no sec XVII (passou para 4500 em 1900 e) hoje esta estimado em mais de 30 milhões. Os recursos para a ciência não acompanharam esse número um a determinação de um ranque é inevitável.
Mas será que a os fatores de impacto são a melhor ferramenta? Não poderia dizer que a avaliação da ciência por índices é o pior sistema possível, mas definitivamente é um sistema ruim o suficiente para ser extinto. O próprio Eugene Garfield, que inventou o fator de impacto em 1961, disse que ele não era apropriado para avaliar indivíduos. Há uma infinidade de artigos, publicados exatamente nas revistas com os mais altos fatores de impacto (veja “The politics of publication” por Lawrence PA, na Nature 422: 259-261), questionando com argumentos fortíssimos a ‘cienciometria’ vigente.
“Nós chegamos ao ponto de considerar a revista onde um artigo é publicado mais importante do que a mensagem científica que ele traz” faz uma mea culpa um dos principais editores da Nature (Lawrence no mesmo artigo citado acima).
Mas porque nada, nada consegue livrar o sistema desse vício?
A resposta é simples: porque ele convém as pessoas que mais se beneficiam do sistema, que são as mesmas que criam as políticas científicas. E esses são os cientistas seniores. Os índices, quaisquer que sejam, beneficiam quem está fazendo ciência há mais tempo. Em países como o Brasil, onde a verba para ciência é escarça, vale o dito popular: “Quem parte e reparte e não fica com a melhor parte ou é tolo ou não tem arte”.
Em outro comentário na Nature (423:585), Robert Insall da Universidade de Birmingham (Inglaterra) diz que “Seria mais fácil fazer frio no inferno que conseguir que cientistas mais velhos mudem alguma coisa, muito menos alguma coisa que beneficia muitos deles”.
A forte endogamia na ciência dificulta a objetividade na avaliação da produtividade científica. Cientistas seniores convidam uns aos outros para participarem de comités e conferencias, distribuem prêmios uns aos outros e apoiam publicações mutuamente. Olhem os comités das agências de fomento (ok, não olhei todos, mas posso apostar a bolsa de produtividade científica que eu ainda não tenho): não há 1 (um), nenhum, cientista com menos de 40 anos.
Ei, mas vejam bem, esse texto não é um lamento tendencioso de um cientista com (um pouco) menos de 40 anos para com seus pares seniores. O sistema é sim pernicioso e a razão é simples: é mais fácil criar bons indicadores do que fazer boa ciência!. E é por isso que deveria ser modificado.
Cientistas, mesmo os não tão bons, não são bobos (uma das poucas coisas que podem se gabar). Mesmo os jovens já perceberam que o importante não é mais fazer boa ciência e sim fazer bons ‘indicadores de ciência’ (já que na maioria das vezes não é a mesma coisa). No máximo, fazer boa ciência enquanto faz bons indicadores de ciência.
A única saída é colocar ‘sangue novo’ nas agências de fomento. É definitivamente mais fácil mudar a composição dos conselhos deliberativos das agências que nominei no início desse artigo, do que a cabeça dos cientistas seniores que participam desses mesmos conselhos. Enquanto não houver cientistas jovens participando das instâncias decisórias da ciência no Brasil, vamos continuar sofrendo dessa endogenia. Até lá, as agências de fomento, assim como as revistas científicas, poderiam pelo menos solicitar aos cientistas que declarassem algum tipo de conflito de interesse em suas propostas de projetos: Você de alguma forma está se beneficiando de contribuições que tenha feito na preparação desse edital?
O interessante seria um ‘índice conflito’ com base na resposta dessa pergunta.

Discussão - 7 comentários

  1. Rafael disse:

    vc acaba de colocar o dedo na ferida. As universidades federais estão, como me disse um amigo: "cheias de professores velhos e com vícios"
    Tem muita razão quando fala das instituições de fomento, elas são as principais responsáveis pelo desenvolvimento destas políticas e em geral estão nas mãos do seniors. O problema não são os seniors, seus trabalhos são a fina arte da pesquisa [falo de senior com carreira, não senior pq ficou de cabelo branco repetindo a mesma coisa a anos..], o problema é a politicagem científica.
    Da mesma forma como critérios políticos corroem a eficiência das instituições públicas, eles colocam o poder do desenvolvimento científico do país nas mãos de uns poucos [seniors, porém, despreparados].
    Colocar sangue novo não basta, ou teremos uma geração de juniors insolentes no poder se a falta de critério não for resolvida.

  2. Biosfera MS disse:

    Muito interessante o blog. Vou indicar aos professores de biologia e ciências de MS.
    Biosfera MS

  3. Biosfera MS disse:

    Muito interessante o blog. Vou indicar aos professores de biologia e ciências de MS.
    Biosfera MS

  4. rberlinck disse:

    Caro Mauro,
    Esta sua postagem é muito importante pelo tema que ela aborda, mas parece que foram feitas algumas generalizações bastante questionáveis. Por exemplo, o comentário de Insall na Nature a que você se refere, “Seria mais fácil fazer frio no inferno que conseguir que cientistas mais velhos mudem alguma coisa, muito menos alguma coisa que beneficia muitos deles”, é não só questionável como perigosa. Taxar todo e qualquer cientista mais velho como conservador é leviano, como você mesmo sabe. Afinal, cientistas mais velhos diferem muito em suas opiniões. Um único exemplo de cientista mais velho bastante inovador é George Whitesides, que tem mais de 60 anos.
    Outra generalização questionável a que você se refere é sobre a "forte endogamia". Da forma como você se refere, parece que isso ocorre no mundo inteiro. Ou você está se referindo somente no Brasil? Mesmo assim, com que grau de certeza você pode confirmar sua afirmação?
    E, pode acreditar, criar bons indicadores não é nada fácil. Que trabalha com cientometria sabe disso. Um bom indicador cientométrico é muito difícil de ser estabelecido, e é por isso que os cientometristas utilizam vários, ou acabam por criar os seus próprios. E, sendo assim, fazer bons indicadores de ciência é muito difícil sem se levar em conta boa ciência.
    Seria a única saída "colocar 'sangue novo' nas agências de fomento"? Afinal, em quais dados e informações você toma por base para sustentar esta sua afirmação? Quem garante que o 'sangue novo' não iriam cometer os mesmos êrros?
    Sua postagem é muito parcial e não apresenta alternativas inteligentes, a não ser uma apreciação de valor: tudo o que os cientistas sêniores fazem em termos de avaliação é ruim, logo vamos substituí-los por cientistas jovens. Logo, seus argumentos são um argumento da autoridade invertido, o que os tornam tão ruins quanto o próprio argumento de autoridade.
    abraço,
    Roberto Berlinck

    • Mauro Rebelo disse:

      Caro Roberto,
      Talvez generalizações sejam sempre questionáveis. Por isso, todo mundo sabe (outra generalização) que generalizações não representam sempre (outra ainda) o conjunto universo em questão. 'A exceção que justifica a regra' é uma terceira generalização que mostra como podemos lidar com generalizações. Sim, meu texto é parcial (assim como é o seu comentário), mas tudo bem, é para isso que um blog de opinião serve. Opinião que devo dizer, aparece constantemente nos editoriais da Nature e Science, como nos exemplos que eu cito no texto. No entanto, não acho que o meu texto seja injusto e acho que o seu comentário procura transformar minhas generalizações em afirmações. Os relatórios das agências de fomento mostram que a fase mais produtiva dos cientistas é entre os 30 e 40 anos, sendo que novas evidências sugerem o auge da criatividade se dá aos 40 anos. No entanto, as agências, que são dominadas por cientistas seniors, querem esses cientistas na bancada, no exterior fazendo pós-doc, e não dos comitês deliberativos. Será que um pouco dessa criatividade não seria útil nos CDs? Você nega que o conflito de gerações, que existe em todas as sociedades, famílias e épocas; não existe na ciência? Minha proposta, colocar sangue novo nas agências, não é a única (e eu nunca disse isso) e nem tem garantia de funcionar (o que eu não acredito que uma proposta precise). Mas é uma alternativa. Se é uma alternativa inteligente ou não, eu não vou discutir com você. Eu acho que você tomou as dores dos cientistas seniors, como eu tomei as dores dos jovens cientistas e isso prejudicou a lógica da sua argumentação, principalmente no final.
      Um abraço, Mauro

  5. Mauro Rebelo disse:

    Acho também que você não vai gostar do que eu escrevi sobre professores titulares aqui (http://scienceblogs.com.br/vqeb/2011/06/abaixo_a_lista_pra_titular/) e aqui (http://scienceblogs.com.br/vqeb/2011/06/os_titulares_e_os_reservas/).

  6. Roberto Berlinck disse:

    Caro Mauro,
    Generalizações não são sempre questionáveis. Muitas generalizações são válidas, inclusive cientificamente, sabemos disso. O que eu disse é que
    “parece que foram feitas algumas generalizações bastante questionáveis”.
    Porque meu comentário é parcial? Você não explicou porque.
    Que opinião aparece constantemente nos editoriais da Nature e Science? Que os velhos [cientistas] não mudam nada? Eu gostaria que você indicasse outros editoriais que apresentam este argumento além do citado por você (Insall).
    Veja só o que você afirma no meio da sua postagem:
    “Mas porque nada, nada consegue livrar o sistema desse vício?
    A resposta é simples: porque ele convém as pessoas que mais se beneficiam do sistema, que são as mesmas que criam as políticas científicas. E esses são os cientistas seniores. Os índices, quaisquer que sejam, beneficiam quem está fazendo ciência há mais tempo. Em países como o Brasil, onde a verba para ciência é escarça, vale o dito popular: “Quem parte e reparte e não fica com a melhor parte ou é tolo ou não tem arte”.”
    Não é esta uma afirmação de sua parte?
    Outra afirmação você faz agora no seu comentário:
    “Os relatórios das agências de fomento mostram que a fase mais produtiva dos cientistas é entre os 30 e 40 anos, sendo que novas evidências sugerem o auge da criatividade se dá aos 40 anos.”
    Que relatórios são estes? Aonde estão disponíveis?
    Para contrapor esta sua afirmativa veja este artigo:
    Scientists Are Doing Their Most Creative Work Later In Life (http://bit.ly/rzbiHt)
    Outra afirmação de sua parte:
    “as agências, que são dominadas por cientistas seniors, querem esses cientistas na bancada, no exterior fazendo pós-doc, e não dos comitês deliberativos. Será que um pouco dessa criatividade não seria útil nos CDs? Você nega que o conflito de gerações, que existe em todas as sociedades, famílias e épocas; não existe na ciência?”
    Você tem certeza que as agências [de fomento] estão dominadas (sic) por cientistas seniors? E que estes pesquisadores seniors “querem esses cientistas na bancada, no exterior fazendo pós-doc, e não dos comitês deliberativos”? Mauro, você sabe quantos anos tem a coordenadora do programa BIOEN da FAPESP? Ou o diretor do CTBE? Sinceramente, Mauro, creio que você está mal informado. Você ficaria surpreso em verificar o número de pesquisadores com menos de 50, e até mesmo de 40 anos, que trabalham nos comitês assessores da FAPESP.
    Se existe “conflito de gerações” na ciência, é um conflito que tem muito pouco a ver com a ciência em si, não é mesmo? Afinal de contas, os conceitos claros de meritocracia, excelência, qualidade de pesquisa, competência e criatividade absolutamente nada têm a ver com a idade do cientista que deve ter estes conceitos claros quando avalia projetos, relatórios, etc. Mas, com certeza, a experiência pesa, ah, isso sim.
    Não acho que colocar somente pesquisadores jovens nas agências seja inteligente por uma única razão: nada garante que a avaliação de mérito, competência, excelência e qualidade em pesquisa seja mais bem feita por pesquisadores jovens do que por pesquisadores seniores. Este é um argumento de antiguidade e de autoridade invertidos.
    Eu não tomei as dores dos pesquisadores seniores. Apenas estou questionando seus argumentos.
    abraço,
    Roberto

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