Quem tem medo da Física?

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No excelente texto ‘O apagão vem ai‘ de Sonia Rodrigues no Blog Inclusão Digital, ela mostra a sua preocupação com a falta de formandos de Física para suprirem a imensa carência de professores dessa disciplina no ensino médio.
Segundo os dados do INEP que ela cita, são necessários 23,5 mil professores de Física, só para o Ensino Médio, e as todas as faculdades do país formaram, nos últimos 12 anos, apenas 7,2 mil licenciados.
Para ela, essa é a explicação para tantos professores de Biologia dando aulas de ciências no ensino fundamental e de Física no ensino médio. Criou-se um ciclo vicioso: se formam mais biólogos, que se tornam mais numerosos entre os professores de ciências, que puxam a brasa para a sua sardinha nas aulas de ciências, inspirando mais alunos a se tornarem biólogos, que se tornarão também professores de ciências.
O problema é que esse raciocínio cria uma tautologia: quem veio primeiro? O aluno inspirado que vira professor ou o professor que inspira o aluno?
Comentei no texto dela em minha opinião o problema é outro: as pessoas, e os alunos, tem mais medo da física do que da biologia, independente do professor. E como vocês sabem que cientista detesta não ter elementos para apoiar suas conclusões, resolvi fazer aqui uma pesquisa. Então:

De qual materia voce tinha (tem) mais medo na escola?
Historia
Fisica
Quimica
Biologia
Matematica
Portugues
Geografia
  
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Já anuncio o meu voto: matemática!
Acontece que quando a gente entra na faculdade descobre que a Biologia não é mais fácil do que nada: quero ver encarar Bioquímica I no 3o período ou Biologia Molecular no 6o!
E como diz a piadinha: “Quando a gente entra na faculdade descobre que Psicologia é, na verdade, Biologia; que Biologia é, na verdade Química; que Química é, na verdade Física; e que Física é na verdade Matemática (e que mesmo depois de estudar anos, você não vai entender bem nada).”
Por isso acho que existe outro motivo: a Biologia se aproximou mais das pessoas nos últimos 50 anos, enquanto a Física se distanciou. A Ecologia, a Biodiversidade e até o Genoma estão muito mais próximos do homem do que a teoria das Supercordas, os buracos negros e os universos paralelos. Mesmo com todo o charme (?) de Sheldon e do Marcelo Gleiser, os físicos estão perdendo!
Porém, meu comentário suscitou uma outra questão, que eu sei que arrepia a Sonia. Eu não vejo um movimento nas universidades públicas para valorizar as carreiras de base (que formam os professores para as disciplinas do ensino fundamental e médio). Ao contrário, o REUNI exigiu que as universidades criassem novos cursos. E elas criaram cursos voltados para o futuro. Ainda que seja o futuro delas.
Na UFRJ, os exemplos são os cursos de graduação em Biofísica, Nanotecnologia, Metrologia, Bioinformática e Biologia Forense.
São cursos interdisciplinares, antenados com a modernidade de um país que quer investir em inovação e recuperar o tempo perdido no desenvolvimento de tecnologia. Precisamos de profissionais preparados para navegar em diferentes mares e para muitas cabeças pensantes, esses cursos interdisciplinares são a solução. É importante ter em mente que no nosso país, assim como em todo o mundo, o desenvolvimento de tecnologia está ligado a universidade pública (a diferença é que aqui está ligado principalmente e quase exclusivamente a universidade pública – sim, eu sei que EMBRAPA e institutos de pesquisa do CNPq são fundamentais, mas me permitam esse raciocínio). A maior universidade do país (em número de alunos) não poderia se furtar a esse compromisso!
Mas e as disciplinas de base? O número de vagas vem aumentando ao longo dos anos, como por exemplo a criação da licenciatura em Biologia no período noturno (também na UFRJ).
Abre Parênteses: Na teoria é lindo, mas na prática não funciona. Os ‘cursos modernos’ de modernos tem apenas o nome. É mais fácil pronunciar interdisciplinaridade do que praticá-la. O resultado são currículos multidisciplinares, onde as diferentes disciplinas se misturam, mas caminhando paralelas e não convergentes. Não há uma só disciplina de gestão empresarial e de recursos humanos, criatividade, estética, cultura e idiomas. Os conselhos profissionais tem resistência a registrar esses novos profissionais que podem permanecer um bom tempo no limbo. E por outro lado, meus alunos do curso noturno não conseguem chegar pontuais nas aulas porque podem levar até 3h de ônibus para chegar na Ilha do Fundão vindos de São Gonçalo ou Maricá na hora do rush. Fecha Parênteses.
A Universidade Aberta do Brasil é uma tremenda iniciativa para recuperar o déficit de jovens fora da universidade e produzir os licenciados necessários para reverter as estatísticas infames que mostram, por exemplo, que apenas 1% dos professores do ensino fundamental na região norte tem ensino superior.
Não há dúvida que precisamos trabalhar para aumentar o número de licenciandos em física e garantir que haja professores qualificados e motivados ensinando ciências para nossas crianças e adolescentes, mas sem que se comprometa a formação interdisciplinar de pessoas para as profissões do futuro, aquelas que ainda nem sabemos quais são.

Discussão - 26 comentários

  1. Climber disse:

    Interessante...
    Pra começar: o ensino é pouquíssississimo valorizado no Brasil, onde professor com curso superior de pedagogia ganha menos que advogado de porta de cadeia.
    Outro problema é que quem tem "talento" para física acaba fazendo algum curso de engenharia, caindo no mercado de trabalho, longe do ensino (devido a desvalorização da profissão de professor).
    Mas já falo q o resultado da sua pesquisa estará enviesado, pois o seu blog se chama "Você que é biólogo"...
    ah...Adorei o post anterior e tb esse. Só qualidade!
    abraços!

  2. Igor Z disse:

    Eu odiava a física no colégio e odeio física de colégio até hoje.
    Biologia era mais legal, com livros cheios de historinhas, fotos bonitas e a rotina maçante das aulas interrompidas ocasionalmente por um passeio no mato ou uma visita ao laboratório.
    Para passar de ano, bastava decorar as historinhas do livro.
    A mente humana ama narrativas, então a decoreba funcionava que era uma beleza.
    Mas não na física. A decoreba de física consistia em memorizar fórmulas matemáticas e truquezinhos para resolver os problemas que a gente tinha certeza que iam cair na prova. Muito mais difícil de decorar.
    Ah, e tinha aquele laboratório chato com polias, planos inclinados e voltímetros, onde as leis da física pareciam valer só depois da gente dar uma "arredondada" nos números. A única diversão era dar uns choques nos colegas...

  3. Sibele disse:

    Como o Igor Z., eu também odiava Física no colégio, mas diferentemente dele, agora acho incrível. A diferença é que no colégio se ensina a Física Clássica, e na metodologia da decoreba - fórmulas e fórmulas. Que cristão aguenta?
    Depois que namorei um graduando de Física na USP, tudo mudou. Planck, Einstein, De Broglie e Heinsemberg... e a Física pode, sim, ter narrativa. Até demais, chegando às raias da metafísica. Assim, Física é hype!

  4. Luan disse:

    Gente, eu faço bacharelado em Física na UFSC.
    O curso é considerado o mais difícil da universidade. A turma de cálculo, no primeiro semestre, tinha 55 alunos. Hoje, segundo semestre, nao tem mais de 10!
    Quem é que vai passar dez anos da vida, estudando mais de doze horas por dia pra conseguir o doutorado tão sonhado, e terminar dando aula em escola pública?
    Eu sou de escola pública, minha mãe e minha tia são professoras de ciências da escola em que estudei. Os recuros são péssimos. Não tem computadores, não tem datashows (mal tem livros didáticos), as escolas estão caindo aos pedaços, o salário é péssimo.
    Sim, é necessário alguma solução agora, a curto prazo (REUNI, PROUNI), mas o problema está nas escolas públicas!
    É de pequenino que se torce o pepino. É preciso incentivar o estudo desde o começo, oferecendo, além dessas novas oportunidades pra quem se forma no ensino médio agora, recursos pra quem tá começando hoje na primeira série (o que mais falta).

  5. Mauro Rebelo disse:

    Quem sabe não é esse o problema Sibele? Os professores de Biologia conseguiram dar uma modernizada no conteúdo de biologia, enquanto os de Física não falam de mecânica quântica e continuam na mecânica clássica. Eu lembro que foi um amigo que disse muuuuuito tempo atrás: "A física move o mundo!" Depois desse dia nunca mais deixei de ver a física em tudo, mas continuei detestando (e errando) os exercícios do cursinho pré-vestibular

  6. Sibele disse:

    E como ensinar Física Quântica no ensino médio, Mauro?
    Pelo menos, com a atual estrutura compartimentada das disciplinas, não vejo como. Ou estou sendo muito radical? 😛
    Cadê os físicos do SbBr para opinar? Renan Picoreti? Luís Brudna? Help us!

  7. Mauro Rebelo disse:

    Bom Sibele, eles já aprendem spins e outras maluquices como 'números imaginários' então não vejo porque pares quânticos seriam muito mais estranho ou difícil de explicar. Mas isso é um problema para os físicos! 🙂

  8. Sibele disse:

    Ah, e o correto é Heinsenberg... (ando meio disléxica ultimamente :P)

  9. Sibele disse:

    Afe! E o Luís Brudna na verdade é Químico! [Dislexic Mode On]

  10. Gabsz disse:

    Eu estou no 3 ano (graças a Deus) do ensino médio em uma escola pública, e vou dizer uma coisa: física de escola é um SACO! os professores só sabem passar contas, e contas e contas, a parte legal (teoria das cordas, multiverso, astrofísica,antimatéria e outras coisas que explodem a cabeça de qualquer um, mas que são muuuuito interessantes) é totalmente deixada de lado. Aliás, nunca nem são citadas em sala de aula. Eu me lembro que ano passado o meu professor de física não disse uma palavra sobre o LHC, nem pra explicar pros alunos do que se tratava aquela "maluqice" e porque tinha gente achado que ele ia acabar com o mundo. Parecia que nada tinha acontecido. Eu acho física fascinante fora da sala de aula, e o pouco que eu sei aprendi por conta própria, porque se depender da escola. E o mesmo acontece com a matemática, cadê a teoria dos jogos? fractais? teoria do caos? só sabem passar calculo,calculo e calculo!
    Se depender das escolas(públicas pelo menos) a ciência brasileira está correndo é risco de extinção!
    (desculpem pelo desabafo, mas é que eu fico revoltada com isso...)

  11. Igor Z disse:

    Gabsz, você é meu herói!
    Eu me senti assim no colégio e durante boa parte do curso de física na USP.

  12. Josué Danich disse:

    Uma outra questão é que as faculdades de física precisam percerber que não são cursos de combate de exército. O objetivo não é reprovar o máximo possível, o objetivo é formar o máximo possível... Se tem uma turma que começa com 55 alunos e no final está só com 10 alunos alguém realmente acha que o problema está nos alunos? Acredito que um dos meios mais eficazes de aumentar a quantidade de formandos em física é criar meios de diminuir a evasão que é brutal nesses cursos...

  13. Acho que o problema não se restringe apenas à física. Decoramos uma enxurrada de conteúdos no colégio, mas não somos ensinados a fazer conexões. E as disciplinas que necessitam da matemática como ferramenta (física em especial) são as que mais "sofrem" por causa disso... Na própria biologia de ensino médio, já vi muito aluno se atrapalhando com genética por causa de cálculos de percentual (!). Química, então....

  14. A educação não está se transformando na mesma velocidade que as relações humanas. Estamos cada vez mais ligados ao mundo dos hipertextos, das conversas curtas por celular, das conversas ã distância pela internet, etc.
    A tecnologia modificou a forma de o ser humano se comunicar, e a troca de informações é essencial para o processo educativo. Vamos demorar um tempo até REALMENTE percebermos que necessitamos de um novo paradigma na educação.
    Estamos muito atrasados e talvez até prematuros para adotar novas pedagogias. Isso não acontece só no Brasil, mas no mundo inteiro.

  15. Acho que um papel para a divulgação científica é despertar essas vocações (e se estão faltando físicos, deveriamos ter mais blogs de físicos... rs!)
    Cultura matemática? Em vez de Calculo, que tal enfatizar Estatística? (especialmente em Biologia, Ciencias Humanas, Psicologia e Pedagogia?)
    Uma prática que usei e que deu certo foi divulgar a Scientific American Brasil no Ensino Medio, entre professores e entre estudantes.
    Também tenho deixado a SciAm em consultorios de Dentistas, Barbeiro, Cabeleleiros, Pedicures etc... Tem sido um sucesso só!!!

  16. Sibele disse:

    A Fernando Poletto falou tudo! Esse é o ponto crítico: as compartimentações do conhecimento, impedindo a conexão entre as diversas áreas - não apenas na Física.
    E quanto ao comentário do Ricardo Oliveira, acho que já existem, sim, alternativas pedagógicas mais condizentes com esse contexto de redes: um exemplo é o PBL (Problem Based Learning), ou Aprendizagem Baseada em Problemas.

  17. Denise Ton Tiussi disse:

    Há um viés nesta sua enquete: quem lê este blog com certeza se interessa - e em certa medida gosta - de biologia.

  18. Mauro Rebelo disse:

    Denise, certamente. Fique tranquila que usarei os resultados com parcimônia. Um abraço, Mauro

  19. F. Lo Schiavo disse:

    Sempre odiei fisíca e odeio até hoje na Biologia. Meu professor de fisíca diz que biólogo tem que parar de criticar a fisíca, mas eu nunca gostei mesmo e não é agora que eu irei gostar. (risadas)

  20. karla disse:

    faço faculdade de biológia e fui chamada para ensinar fisica a alunos do insino médio, estou com medo pois não sei se desenrolo, preciso muito da grana, mas não sei por onde começar.

  21. rodrigo disse:

    Da física faço peteca.

  22. Mauro Rebelo disse:

    Oi Karla, sugiro que você visite o site Sei mais física da prof. Sonia Rodrigues e o canal com o mesmo nome no youtube. São muitas aulas de física de professores consagrados que podem te ajudar a sair da inércia.

  23. weverton disse:

    vou fazer fisica e nao estou muito preocupado com calculo e sim com a teoria,matematica muitas das vezes nao e o problema e sim o intendimento da teoria e em outros casos o contrario,resumindo .....os que nao gostam de fisica e porque nao intendem!todos nos odiamos aquilo que nao intendemos.

  24. Munique disse:

    Fiz Física, embora também adorasse Biologia (entre outras ciências), mas não sei se foi uma boa escolha. Embora eu goste muito de Física, as aulas são chatas, os professores falam de contas de forma vazia e a maioria das pessoas esquece que está ali para entender a natureza. Fiquei bem triste. Como sempre quis ser professora, além de pesquisadora, parti para as salas de aula do ensino médio. Que tristeza. Temos que ensinar um monte de coisas de forma chata (contas, contas, exercícios, vestibular... arrrgh) em um tempo mínimo e que não são nem um pouco significativas para a maioria dos alunos. Um saco. Fico muito triste, porque sempre tive um entusiasmo enorme pela ciência e fica até difícil passar isso para os alunos. Tentei fazer algo diferente mas encontramos resistência até por parte dos alunos, que estão acostumados a essa cultura avaliativa (aprender algo só pra fazer uma prova). Isso acontece com a educação em geral, mas o ensino de física tem uma particularidade ruim, de poucas pessoas quererem realmente mudar algo. Às vezes fazem um projetinho aqui e ali (os mesmos que eles publicam em revistas de ensino), mas no geral fica a mesma coisa. Nossa... acho que fiquei pessimista!

  25. Mauro Rebelo disse:

    Munique, encaminhei sua mensagem e seu e-mail para a professora Sonia Rodrigues, que tem um projeto inovador de ensino de física. O 'Sei mais física'. Vamos ver se recuperamos esse seu entusiasmo!

  26. Silvana Simão disse:

    Sou recém formada no curso de ciências naturais (física, química e biologia). Durante o meu curso trabalhei em um seminário justamente a linguagem matemática no ensino de física e a dificuldade de encontrar professores habilitados para dá aulas de física no ensino médio

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