Para vencer a astrologia

UFRRJ - ático do prédio da reitoria 1

Em 1990 eu estava no segundo ano da universidade quando fui pela primeira vez a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Era o meu primeiro Encontro Nacional de Estudantes de Biologia (ENEB). Fui com Milton Moraes, hoje coordenador da pós-graduação da Fiocruz e mais uma galera da Bio UFRJ. Ninguém sai impune de um ENEB e eu certamente não sai. Fui a todos os outros durante toda a minha graduação (e alguns depois dela também). Fiz ali amigos para o resto da vida como minha querida Nádia Somavilla, que então era aluna de Biologia da Universidade Federal de Santa Maria. ‘Dançando Lambada’, do Kaoma, era o hit do momento (em todo o mundo) e eu lembro super bem de tantas coisas desse evento, que é de questionar se tudo que eu li esse ano sobre a fugacidade da memória é verdadeiro. Dormíamos no chão das salas de aula e o banho era frio, mas ali vi o Carlos Minc falar pela primeira vez e descobri o que era o movimento estudantil. Além, é claro, do Carimbó, com a sempre marcante delegação da UFPA. Lembro até de dirigir o FIAT UNO do Milton pelo campus, o que só aumentou hoje a minha surpresa, ao voltar a UFRRJ, quando me deparei com o belíssimo campus da universidade. Fui a convite da minha amiga, a jornalista e professora Alessandra Carvalho, falar sobre divulgação científica, dividindo a mesa com a também jornalista Eveline Teixeira, da Universidade Federal do Mato Grosso.

Eu não preciso de muito estímulo pra ir falar do meu blog. Principalmente agora que posso levar meu livro a tira colo. (fique até pensando, depois, se tinha alguma estória do ENEB no livro, mas acho que não. Ou será que falei daquela gaúcha de 1,90m da UFRGS que dançava lambada de mini-micro saia?) Mas quando cheguei lá, no cair da tarde, a beleza dos pastos e dos prédios me impactou.

UFRRJ - ático do prédio da reitoria 2Talvez por isso, apesar de ter falado bem (no sentido de conseguir dizer tudo que tinha pra falar), respondi pessimamente a melhor pergunta que foi feita na tarde. A pergunta era tão boa, que eu pedi para a Eveline deixar eu dar um aparte, mas como diria a minha irmã, eu sou daqueles caras que tem a resposta perfeita para um discussão, 2h depois dela ter acabado. A pergunta de um rapaz foi: “Todos os grandes jornais do Brasil e do mundo tem páginas e seções de horóscopo. Mas quase nenhum (mais) tem de ciência. Todos querem saber de astrologia e ninguém quer saber de astronomia. Por que perdemos tantos espaço para o esoterismo (hoje acertei Daniela Peres – na semana passada havia escrito esoterismo com ‘x’) e como podemos recuperar esse espaço?”

Essa pergunta está na raiz do problema! Ela é a principal razão pela qual precisamos divulgar ciência. A resposta da Eveline foi boa, mas foi padrão: “porque a ciência é difícil, está longe da vida das pessoas, enquanto o horóscopo… quem não quer saber se vai encontrar o amor da sua vida?”

Mas eu acho que não é só isso. Quer dizer, SEI que não é só isso. Não é a questão da dificuldade. Aprendi que as pessoas, as normais, não NERDS, só gostam e só se interessam por histórias. De preferência com outras pessoas. E é por isso que as pessoas gostam tanto de astrologia. Não, não tem nada a ver com astros, planetas, mapas, modelos malucos com cálculos absurdos: tem a ver com pessoas. Como se comportar em relação a você e em relação as pessoas a sua volta. Nada prende mais a nossa atenção do que isso!

E ai cometi a grande gafe: disse pro rapaz que não havia nada que pudéssemos fazer e que dificilmente ganharíamos da astrologia. A ciência é efetivamente muito difícil e está se afastando cada vez mais da escala das coisas que interessam as pessoas, para escalas, astronômicas ou moleculares, que pouquíssimas pessoas entendem.

E foi só duas horas depois, dirigindo, voltando para o Rio, que eu vi o quão errada foi a minha resposta. Caramba, toda a minha luta, método de trabalho, textos no blog, livro, é pra mostrar que SIM! A ciência não só pode ser interessante como ela É mais interessante que a astrologia. E SIM (!!!) nós vamos vencer o horóscopo! Fiquei tão empolgado que perdi a saída para a linha vermelha e fui parar dentro de Caxias.

UFRRJ - prédio da reitoria

O problema dos cientistas é que tiveram que estudar tanto para se super-especializarem nos seus assuntos, que criaram uma forma de transmitir conteúdo bastante prática, porém pouco intuitiva. Os artigos científicos tem tudo que precisamos saber de forma prática e segura. Mas fria e monótona. Só estudantes e profissionais altamente motivados (e eu garanto para vocês que o estresse de uma tese é um excelente fator motivador) conseguem superar a chatice dos artigos científicos (e do papo dos cientistas também).

Quando um cientista conta uma história… bem… é esse o problema: o cientista NUNCA conta uma história. Ele sempre transmite informação, mas nunca conta uma história. Só que a história é a melhor forma de transmitir informação! Não é a mais eficiente (como o artigo científico) mas é a mais eficaz! Quem ouve uma história, aprende alguma coisa. Já quem estuda um artigo… pode aprender se não pegar no sono antes.

Só que a história não é mais intuitiva ‘por que sim’. Ou ‘por acaso’. É ciência! Nosso cérebro foi programado pela evolução para interagir com outros seres humanos e tirar a maior vantagem reprodutiva possível. Em um mundo de coisas palpáveis. O nosso cérebro, capaz de linguagem, arte e música, é a nossa ‘cauda de pavão’: o instrumento de sedução mais eficaz criado pela natureza até hoje. E porque você nunca ouviu falar disso? Bom, primeiro porque está lendo horóscopo ao invés de livros como ‘a rainha vermelha’, ‘a mente copuladora’ e ‘a guerra dos espermatozóides’. Ou ‘A verdade sobre Cães e Gatos’. Mas também porque mesmo os hábeis autores desses livros, apesar de contarem muito bem a história da ciência e dessas descobertas, não conseguem criar histórias com o que se descobre dessa ciência. E ai… a comunicação da ciência fica capenga.

Vocês já ouviram a sinfonia 25 de Mozart? Ou o ‘Inverno’ de Vivaldi? São duas obras primas que  foram, obviamente, compostas pensando em sexo! Elas tem todo o ritmo de uma relação sexual perfeita! Já pensaram em um livro que conte a história da criação dessas duas músicas maravilhosas, inspiradas por mulheres por quem eles tinham um desejo incrível, subsidiadas pela anatomia e fisiologia da mente humana, evoluída desde os primatas para seduzir parceiros sexuais? Seria um best seller!!! Ia virar filme em Hollywood!!! Acho que vou até escrever esse livro 🙂

Então me deixem responder pro rapaz novamente: “Contando histórias! Nós vamos ganhar da astrologia contando histórias!”

Divulgação Científica, um delírio!

No mês passado estive na UNICAMP para um evento internacional de divulgação científica: o 2o Seminário Internacional Empirika, vinculado a à Empirika 2012, a mega feira Ibero-americana de ciências.

O evento se propôs a discutir ‘Comunicação, divulgação e percepção de ciência e tecnologia’ mas o que vi lá não foi bem isso. O programa foi todo concentrado em torno dos organizadores – praticamente todos, senão todos, os palestrantes tinham ou tiveram algum vínculo com o laboratório de jornalismo da UNICAMP ou o curso de mestrado em divulgação científica e cultural –  e a meu ver refletiu apenas o que deve ser a visão dos organizadores sobre o tema. Por exemplo não havia ninguém da enorme comunidade de blogueiros de ciência, nem mesmo Leandro Tesler, professor do Instituto de Física da Unicamp e autor do excelente blog ‘Cultura Científica’. Como gerar debate se todo mundo se conhece e é da mesma turma?

Talvez por isso não tenham percebido, ou tenham e não viam problema nisso, o conflito que se criou entre os dois principais temas discutidos: a percepação do público sobre a ciência e a arte e a cultura como alternativa para comunicar ciência.

As excelentes apresentações de Yurij Castelfranchi da UFMG e Sandra Daza do Observatório Colombiano de C&T deixaram claro que todas as metodologias utilizadas (até) HOJE para avaliar a percepção do pulbico sobre C&T são imprecisas e ineficientes, e produzem percepções equivocadas. Ao mesmo tempo p-r-a-t-i-c-a-m-e-n-t-e TODAS as outras palestras foram sobre COMO comunicar ciência para população ‘dada’ a percepção que eles tem da ciência. Ops! Mas se os instrumentos que temos não tem como avaliar corretamente esse percepção… Isso mesmo! O que tivemos foram horas de apresentações de pesquisadores bem intencionados mas embasados por premissas que eram, na melhor das hiposteses, controversas.

Com relação ao uso da arte para comunicar ciência, acho que foi ainda pior. Descobri ainda que os descolados das ciências sociais (eram quase todos das ciências sociais) são ainda mais elitistas do que os NERDs das ciências exatas. Claro que usar a arte e a cultura para transmitir e comunicar ciência é ótimo. Agora… se a arte que você quer usar para isso é tão distante da população como a ciência que você quer divulgar… então não adianta muito, não é mesmo?

Vocês acham que eles chamaram a Regina Casé para falar de produção cultural na periferia (veja abaixo) e como podemos embutir ciência nisso?

Não, chamaram chamaram um professor da UNICAMP, Laymert Garcia, para falar sobre ‘Dispositivos de visão – Ressonâncias entre o audiovisual xamânico e o audiovisual digital’. Não se preocupe se você não entendeu nada do título: ninguém entendeu. Ele é uma simpatia, um ótimo contador de histórias, mas faz produção cultural para uma parcela limitadíssima da população. Uma parcela que JÁ tem uma enorme cultura geral a ponto de se poder permitir assistir um filme como: ‘Xapirí’, que fala sobre as experiências transcendentais dos xamãs Yanomamis depois de inalarem o pó mágico yãkõana.

Hoje começo a entender melhor meus amigos inteligentes e bem sucedidos que são radicalmente contra os professores universitários e os acadêmicos em geral: a falta de objetividade dos deles (nossa) pode ser terrificante!

Eu entendo tentar fugir do método científico para validar o conhecimento obtido empiricamente, não registrado a não ser pela tradição oral, especialmente de comunidades marginais e isoladas. Mas isso não significa, jamais, de forma alguma, que o empirismo seja um mecanismo melhor de se obter conhecimento, ou que ‘todo’ conhecimento de comunidades marginais e sem educação científica tenha valor. A medicina Ayuervédica tem mais de 7000 anos e nem por isso está menos equivocada.

Nós, intelectuais brasileiros, temos que parar de querer intelectualizar todo mundo. Principalmente, de uma hora para outra. Precisamos dar educação, o que inclui educação científica, para que as pessoas possam exercer sua cidadania de forma plena, nas relações sociais, comerciais e com o estado, mas sem querer transformar todo mundo em intelectual. E com isso, o que nós precisamos é que nossos intelectuais se coloquem a serviço de produzir mais coisas como ‘The Big Bang Theory’ do que ‘Xapurí’.

Ou vocês conhecem algo que consiga ensinar mais ciência, de forma mais correta, divertida, dinâmica e criativa do que o clip de abertura do seriado americano? Eu não conheço.

Broadcast yourself or die!

Será que é possível, atualmente, dar uma disciplina na universidade sem que os alunos morram de tédio e  o professor de desgosto? E ainda mais, que os alunos estudem, trabalhem em grupo e sejam criativos? E ainda mais, que o material didático seja de qualidade, disponível na internet e acessível a todo mundo?

Parece sonho, mas com um pouco de disposição, muita coragem e o apoio do meu amigo e coordenador de graduação Marcelo Einicker, conseguímos fazer exatamente isso na disciplina de Biofísica da graduação em Biologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Apesar da apatia que sempre reinou, mesmo com meus esforços mais hercúleos, eu sempre soube que meus alunos (porque eu fui um deles anos atrás) tinham potencial (veja aqui a resposta sensacional a uma questão de prova criativa, postada por um aluno há dois semestres). Mas foi só quando eu vi o vídeo do Piruvato, feito por um ex-aluno meu, que eu percebi que estava apontando eles na direção errada. Discuti isso em um post no início do semestre e propús aos meus alunos a mudança do rumo do navio, mesmo com ele em curso.

invertemos tudo: as provas foram publicadas na internet e a cada semana uma das questões era discutida em sala de aula. Os alunos tinham até as 22h do dia anterior a aula para postarem na internet, no site da disciplina baseado em MOODLE, conceitos, idéias e materiais multimídia que pudessem auxiliar na construção da resposta em sala de aula no dia seguinte. A nota… era baseada simplesmente na presença em sala de aula durante a discussão da resposta: postou argumentos no site e estava presente durante a aula, ganhou o ponto!

A lista de chamada… uma foto da turma tirada com o celular. Começaram a sair de sala? Dormiram? Outra foto. Como eu já discuti aqui, quem não consegue disposição para estar 2h por semana na minha sala de aula lépido e faceiro, não merece educação pública de qualidade e gratúita. Mas todo mundo queria ‘sair bem na foto’ e, e eu tive a maior frequencia em sala de aula desde 1849.

É claro que ainda tinha gente que não ia, que só assinava a chamada e escapava, que só ficava pra foto… que comia, que dormia, que namorava… Mas tinha um monte de gente trazendo conteúdo, tirando dúvidas, perguntando, explicando.  E transformarmos aquele momento que era frustrante para todo mundo, a aula presencial, em ‘um momento de qualidade’.

Mas o ponto máximo foi a aula de hoje, quando eles apresentaram seus “Projetos Artístico Científicos Culturais Criativo Educacionais”. No início do curso, eles receberam uma tarefa, que seria a principal nota do curso: Produzir um material didático alternativo, que pudesse ser disponibilizado na internet para todo mundo, que ensinasse um (qualquer um) tema ou aspecto da biofísica. O material deveria:

  • Ser publicado na internet (videos no youtube, textos em blog) com uma licença creative commons (utilizado, copiado e distribuido gratuitamente)
  • Videos não poderiam ter mais de 10 min. Os blogs não poderiam ter menos de 20 textos e cada texto não poderia ter mais de 500 palavras. Foto novelas e histórias em quadrinhos também eram permitidas.
  • O material poderia, deveria, ser engraçado, irreverente, bonito, provocante, surpreendente, sensual, criativo… mas como isso tudo é difícil de avaliar, o critério objetivo era: tinha que ensinar biofísica. E tinha que ter ensinado biofísica a quem tivesse preparado o material.

Ninguém estava acostumado a fazer isso, e ninguém deveria nascer produtor de cinema. Por isso, as idéias foram transformadas storyboards, os storyboards discutidos e transformados em roteiros, os roteiros discutidos e finalizados. Depois ensaiados, gravados, editados, finalizados e ‘subidos’ para a rede.

O resultado foi surpreendente. Todos cumpriram as instruções e levaram nota máxima (e ganharam livros “A Verdade Sobre Cães e Gatos“. Os vídeos estão na página da disciplina no Facebook. Vale a pena conferir!

Certamente existem outras soluções para o problema da apatia na sala de aula, mas posso dizer que fiquei muito satisfeito com essa. Estamos no caminho certo: Broadcast yourself or die!

 

O ritmo contagiante do Kuduro conquistou a todos. A letra dessa versão é brilhante: correta, inteligente, divertida… Notem os pequenos detalhes como a transferência dos ‘elétrons’ bolinha, a rotação da bomba de prótons e a distribuição dos ATPs. Mas quando Francisca Paiva entra em cena como ‘energia luminosa’… ninguém consegue se segura e as palmas explodem no salão!

Engraçadíssimo… Os ancoras Arthur Santana e Bruna Maria… a ‘contra-rega’ Camila Puga… o professor Pedro Feio… E claro… os sensacionais Poraquês! Dr. Chagas ficaria encantado com o vídeo.

Muito boa a mistura de Escolinha do Professor Raimundo, Chaves e Casseta & Planeta. Destaque para Isabela Espasandin fazendo a “Loira Burra” morena, carioca e inteligente. E para os malucos diversos do Interbio 2012. Ficou ótimo o efeito de ‘película’ na imagem. Tratamento professional!

Outro grupo criou o blog Teorias do Envelhecimento para discutir e explicar as teorias sobre o envelhecimento. Os textos são ótimos! Stevens Kastrup Rehen iria adorar! Tomara que eles continuem publicando.

Os personagens no estilo South Park são caricaturas dos alunos do grupo. A platéia não resiste e bate palmas no ritmo do refrão “onda, onda, olha onda – clap, clap”

Caras e caretas viram um alerta sobre os sintomas e problemas da contaminação por mercúrio em uma rodinha de violão.

A ecolocalização explicadinha. Chamar Batman e Aquaman para explicar o fenômeno comum em golfinhos e morcegos foi uma excelente idéia. Os personagens de massa de modelar ficaram ótimos!

O projeto foi feito para ajudar os alunos do vestibular comunitário da UFRJ e o destaque é a trilha sonora de Fernando Tuna.

Aproximando os cientistas da sociedade

O mundo hoje é diferente do que era há 5000 anos. Do que era há 500 anos. Do que era há 50 anos. Até mesmo do que era há 5 anos. Por causa da ciência.

Leopoldo De Meis mostrou que, desde que a ciência foi institucionalizada, o número de cientistas passou de algumas dezenas de pessoas que trabalhavam isoladasnos séc XIV e XV, para, nos dias de hoje, alguns milhões trabalhando em universidades e institutos de pesquisa, e publicando seus achados em revistas especializadas de circulação internacional. Os resultados dessas pesquisas transformaram completamente (exponencialmente) a sociedade. Passamos dos 5 km/h que conseguíamos alcançar com nossas próprias pernas à 200.000 km/h que alcançamos com foguetes capazes de nos levar a outros planetas. Nossa expectativa de vida aumentou de 15 anos no pleistoceno para 90 anos em países desenvolvidos depois que o cientista Pasteur mostrou,  no século XIX, a relação entre a contração de doenças e a higiene pessoal. E a população cresceu então de 1 bilhão de habitantes em 1800 para 2 bilhões em 1930, 3 em 1960 e 7 bilhões em 2012. Podemos transmitir texto, sons, imagens, dados de um canto a outro do planeta imediatamente através de cabos de fibra ótica no fundo dos oceanos e satélites em órbita no espaço.

Ainda assim, o que observamos nesse começo de século é uma sociedade cada vez mais distante da ciência. (veja ‘O que os brasileiros pensam da ciência?‘) Porque?!

A resposta para essa pergunta é complexa e o melhor que eu deveria fazer é ficar quieto, ao invés de arriscar uma resposta. “Mantenha-se discreto e nada de mau te acontecerá” dizia o saudoso prof. Tito Eneas Leme Lopes. Mas eu sou atrevido e vou dar o meu palpite. Para mim, a velocidade de produção de informação e, principalmente, de transmissão da informação, superaram, em muito, a velocidade de educação da população.

O processo educacional, há séculos, está focalizado em uma pessoa: o professor. Na grécia antiga, o ensino era para muito poucos: um professor ensinava de 3 a 4 pupilos e o método principal era a imitação. Depois vieram as universidades na idade média e ainda ali, apesar de discursos para uma dezena de pessoas, o ensino continuava sendo para poucos: aqueles que podiam entrar em contato direto com um mestre ou tutor. Foi apenas no século XIX, com a invenção do quadro negro por um Escocês, que o ensino pode ser ampliado e um professor podia transmitir seu conteúdo para dezenas de pessoas. Desde então apareceram o behaviourismo e o construtivismo, massificamos as formas de avaliação e aumentamos o número de professores e escolas, mas um professor continua ensinando ainda um número bastante limitado de alunos. Isso indica, para mim, que alcançamos o limite e não há como superar esse número com a escola tradicional.

(pausa para os professores na sala atirarem pedras no cientista)

A consequencia dessa deficiência no ensino é que, de certa forma, os cientistas modernos, apesar de todos os nossos meios de comunicação, estão mais isolados do que os cientistas estavam no  renascimento. Isso porque a sociedade, em geral, hoje em dia é tão incapaz de entender o que os cientistas fazem como era há 500 anos. (Veja ‘A universidade é o carrasco da ilusão da sociedade‘)

E assim criamos um paradoxo: as pessoas nunca usaram tanto a ciência (e a tecnologia), nunca foram tão dependentes da ciência e, ao mesmo tempo, nunca estiveram tão distantes dela. É como se os computadores, os tecidos, as viagens, os remédios, as comidas, os livros… como se tudo isso viesse de algo que não foi, em um passado recente, uma idéia de um pesquisador em um laboratório.

Parte da culpa é dos cientistas. Eles nunca se esforçaram muito para traduzir seus achados para a população, apesar da população pagar pela produção desse conhecimento científico. “Nos dêem financiamento e nos deixem trabalhar em paz. Afinal, vocês não entenderiam mesmo o que estamos fazendo” escreveu o biólogo Stephen J. Gould sobre essa ‘atitude arrogante’ do cientista em ‘Seta do tempo, Ciclo do tempo’. Essa postura arrogante não contribuiu para aumentar o diálogo com a população. Mas é verdade que não foi só com arrogância que se construiu essa falta de diálogo. Uma certa timidez de muitos cientistas e um tanto de excentricidade de outros, ajudaram a criar um esteriótipo pouco atraente para a sociedade. Em nossa defesa, tenho que dizer, mesmo sob o risco de alimentar a imagem arrogante, que não podemos ignorar o fato da ciência ser difícil (sem tirar o mérito de ser Loira do Tchan, que eu também acho difícil), e que o público leigo tem mesmo dificuldade de entender, e que não podemos fazer muito com relação a isso. Trabalhamos com coisas pouco intuitivas, intangíveis e altamente especulativas. A industria do entretenimento, por exemplo, trabalha justamente com o oposto: nossos sensibilidade inata para a fofoca (veja ‘Ti-ti-ti! A fofoca como instrumento de ensino‘), a beleza (veja ‘A beleza nas letras‘ ) e o medo (veja ‘Por que as pessoas sentem medo?‘). Por isso Big Brother, Paris Hilton e Crepúsculo fazem tanto sucesso. Em uma sociedade sem mentes preparadas pela educação para entender a ciência, os cientistas continuarão isolados.

Ainda há, acredito eu, três outros fatores que contribuem para aumentar essa distância entre a ciência e a sociedade.

O primeiro fator é o mais delicado, o mais perigoso, e o que impõe o maior desafio para o cientista que quer se comunicar com o grande público: É o fato da ciência requerer um rigor que nós, pessoas leigas, não queremos nas nossas vidas. Na verdade, um rigor que não podemos ter. Grande parte dos nossos problemas, no dia-a-dia, são resolvidos por empirismo e intuição. O cientista tira das pessoas as certezas construídas por essas duas forças, sem colocar nada no lugar! Quero dizer, o que a ciência tem a oferecer para colocar no lugar do vazio da morte da ilusão (que é o incrível prazer de compreender o incompreensível e a avassaladora paz de espírito de fazer parte de algo tão maior do que nós mesmos que a nossa própria linguagem é incapaz de expressar com precisão), está fora do alcance da maioria das pessoas. Não falo isso com arrogância. Aprendi com o Millor que “somos todos ignorantes, apenas assuntos diferentes”. Eu mesmo não posso explicar pra vocês o Bóson de Higgs ou os fenômenos quânticos do emaranhamento e da sobreposição porque eu, simplesmente, não sei. Não sei porque é muito difícil e pra entender temos que ter muitos e mãos anos estudando e preparando a nossa mente para compreensão desses conceitos. E dificilmente podemos fazer isso sem que afete a maneira como vemos o mundo de forma geral, nossa vida cotidiana, nossos hábitos, nossa alimentação, nosso corpo e nossos relacionamentos com outras pessoas. “Mauro, você tem que entender que as pessoas não entendem bem uns 95% do que você fala” me disse uma vez uma amiga querida. Conversar com um cientista pode ser irritante por causa do rigor que ele aplica mesmo a eventos banais do cotidiano. Da mesma forma que pode ser irritante para o cientista conversar com pessoas leigas que acreditam em superstições e outras formas de pensamento que não requerem o mesmo rigor de análise do método científico. E talvez estejam certos! Fomos feitos para buscar alimento, buscar abrigo, reproduzir, fugir ou lutar e nosso cérebro não está planejado ou preparado para entender a teoria das supercordas, a matéria escura ou o nosso próprio cérebro. Em certo aspecto, eu mesmo me pergunto se não exageramos na nossa ansia de ‘entender’ tudo. Os seres humanos são capazes de coisas maravilhosas como a Nona Sinfonia de Beethoven, Hamlet de Shakespeare e o gol do Roberto Dinamite no Botafogo em 1976; que mostram que a ciência não pode nos dar tudo que precisamos para viver bem. Mas se quisermos dar a população tudo o que a ciência tiver a oferecer para que eles possam viver melhor, vamos ter que encontrar uma forma melhor de nos comunicarmos com eles.

O que me leva ao segundo ponto: aumentamos os nossos meios de comunicação, mas não sabemos ainda como nos comunicar. A escola, e principalmente a universidade, tem feito um trabalho incrível em pasteurizar nossa comunicatividade ao focar o ensino apenas na competência de ‘interpretação’ da informação (que é efetivamente importante) como se as competências de identificar, descrever, listar não fossem fundamentais para o processo de comunicação e necessárias para a interpretação. O resultado é que nossos alunos (e professores, e executivos, e cientistas, e todo mundo) não conseguem exercer concisão, coesão, clareza e criatividade em seus textos. Criam mensagens enormes que não dizem nada (veja ‘Quem foi que disse?’) e deixam os leitores desesperados: “Mas eu não tenho tempo de ler nada, eu só leio e-mails” disse um espectador desesperado em uma palestra da escritora Sonia Rodrigues, por causa volume de e-mails desnecessariamente extensos de trabalho que lê e responde todos os dias. “Para bom entendedor, meia palavra basta” o ditado popular mostra como nossa habilidade de interpretar deveria jogar a nosso favor. E jogaria, desde que usássemos as palavras corretas: os sete lugares do pensamento (Veja ‘Em busca dos 7 lugares de pensamento‘)  que os gregos e romanos já haviam identificado como ancoras de qualquer discurso. “Mas no caso de você ser um mal entendedor, vou te escrever umas 5 páginas”. Seja por medo, vaidade ou incompetência, não queremos abrir mão do nosso texto e escrevemos mais do que o necessário sem escrever o necessário. O resultado são leitores cognitivamente exauridos, exaustos e frustrados por serem incapazes, depois de todo esforço, de compreenderem a mensagem. “Existem várias formas de ser compreendido: ser claro é a principal” me disse a professora Cristine Barreto. Esse é um problema generalizado. Está em todos os ambientes e grupos sociais, e os cientistas não escapam. Se “Comunicação não é o que você fala, é o que os outros entendem”, temos que explicar para os cientistas que ninguém está entendendo nada.

O terceiro pode ser considerado o mais polemico, pelo menos pela comunidade científica. É que a ciência que é feita no mundo hoje é… chata! Extremamente chata! John Hudges especula, em seu livro ‘O fim da ciência’, se não teríamos já descoberto tudo que há pra descobrir e se agora não estamos apenas no fase de produzir “mais medições, mais precisas” (frase pronunciada por Lord Kelvin, na Royal Academy de Londres, em 1899, quando realmente se acreditava que tudo que havia para ser descoberto na física já havia sido descoberto – sendo que não poderiam estar mais equivocados). Hoje publicamos em torno de 1,6 milhões de trabalhos científicos por ano. Muitos desses trabalhos tem pouca ou nenhuma relevânica científica (acrescentam pouco ao que já se sabe), não enobrecem o espirito humano, não produzem nenhuma aplicação prática e muitas, muitas vezes, estão simplesmente errados. Isso porque muitas, muitas vezes, são produzidos por vaidade, influência econômica, modismo, carreirismo ou sem o menor conhecimento de estatística. “O cidadão comum é passível de aborrecimento” a frase pronunciada por Cícero na Roma antiga se referia aos discursos dos políticos que eram ininteligíveis aos cidadãos comuns por serem incrivelmente entediantes (que eram então excluídos das decisões políticas do império), mas poderia muito bem se aplicar aos cientistas hoje. Os cientistas fazem questão de usar uma linguagem rebuscada que dificulta ainda mais o acesso ao conhecimento hermético que produzem, tornando esse ainda mais chato. O ser humano foi equipado com um poderoso senso de estética (que pode ser prejudicado depois da 3a cerveja) para suportar as dificuldades da vida e também com uma curiosidade inata que o ajuda a explorar novos ambientes e possibilidades. Por isso não gostamos do que é feio e nos entediamos com coisas que permanecem constantes e com artigos científicos da Nature. A pesquisa científica precisa, urgentemente, deixar de ser chata.

Precisamos, todos nós cidadãos, e especialmente nós cientistas, enfrentarmos esse problema para aproximarmos a sociedade da ciência. A Internet mudou a forma de fazer entretenimento, jornalismo, negócios e política. Está na hora de usarmos todo esse potencial dessa WEB 2.0 para educar e incluir cientificamente a população. Os blogs são parte importante desse mecanismo. Antigamente o conhecimento produzido por um cientista no laboratório percorria um longo caminho até chegar ao estudante na sala de aula. Os artigos científicos eram publicados em revistas especializadas, que depois eram reunidos em revisões, livros texto e eventualmente chegavam ao livro didático, que com sorte o professor utilizaria em sala de aula. Hoje ele pode, ele próprio, em 3 passos, criar um blog e comunicar-se não apenas com estudantes, mas com TODO MUNDO! No mundo todo!

Essa é uma tarefa de todos mas principalmente do cientista, porque apenas ele pode traduzir o conhecimento complexo que está sendo produzido dentro dos laboratórios para a população leiga. Se fizermos isso, mais do que cumprir o nosso papel e a nossa responsabilidade social, estaremos capitaneando uma revolução na educação. Qualquer um que detenha um conhecimento e que tenha acesso a um computador e a internet, pode se tornar um professor para um número incalculável de pessoas, que, por quererem conhecimento e terem acesso a um computador (ou tablet, ou celular, ou TV) conectado a internet, se tornam alunos. O foco do processo educacional deixará de ser ‘o professor que detém o conteúdo e o transmite dentro de sala de aula para um número limitado de alunos’ e com isso realizamos a maior e mais poderosa inovação na educação de todos os tempos. A inovação que finalmente permitirá incluir científica, digital e socialmente, os 7 bilhões de seres humanos no planeta!

E o momento é esse! A última pesquisa de opinião encomendada pelo MCT em 2010 mostra que 65% da população brasileira tem interesse pela ciência (mais que pela política, mas ainda menos que pelo esporte) e que a internet já é a principal fonte de acesso a notícias para jovens e adultos até 30 anos. Só que um alto percentual (40%) da população que não se interessa por ciência, explica que simplesmente não consegue entender do que se trata. A maioria não conhece um cientista ao ponto de confiarem mais na palavra do médico ou dos jornalistas quando se trata de ciência. Mas a população tem noção de que ciência é capaz de coisas maravilhosas e tenho certeza que são capazes de perceber, mesmo sem entender, que hoje podemos explicar coisas que apenas 500 anos atras pareciam mágicas. Coisas que 5000 anos atras eram mágicas! Mas não podemos permitir que a compreensão desses fenômenos, e dos avanços tecnológicos e sociais permitidos por eles, fiquem restritos a uma parcela da população só por serem difíceis, pouco intuitivos ou por estarem além da nossa compreensão. Isso seria condenar a maioria das pessoas a viver a margem da sociedade, da história e do futuro. Condená-los a viver a margem do seu próprio potencial e a é colocar nas mãos de outrem o poder de tomar decisões importantes para a vida, sua e dos seus.

Todos nós, cientistas, leigos, educadores, estudantes, precisamos aprender a viver e a nos comunicar em um mundo saturado de informação. Para ter sucesso nesse mundo, temos que aprender novas habilidades: selecionar, priorizar e sintetizar informação, para podermos gerar conhecimento e propor soluções inovadoras para problemas novos e antigos. Essas são habilidades complexas que apenas a mente que se dedicou ao estudo de pelo menos uma disciplina por mais de 10 anos é capaz de desenvolver. O presidente da Apple Steve Jobs dizia que na internet “a maioria de nós continua apenas consumidores, ao invés de autores”. Os cientistas precisa tomar a iniciativa de um movimento para formar ‘autores’ e incluir científica, digital e socialmente a população.

Porque é importante para um cientista ir a uma festa literária?

Para mim, a principal atividade do cientista é estudar.

Produzir dados no laboratório (ou no campo) é uma das coisas que o cientista faz, mas transformar esses dados em informação e conhecimento é (ou deveria ser) a sua principal atividade. E para isso o domínio da linguagem escrita, da habilidade de se comunicar por escrito, de ler de maneira critica desvendando um texto e de criticar o próprio texto são fundamentais.

Por isso, vir para Paraty ouvir Roberto da Matta dizer que “quanto mais velhos fixamos, mais temos opiniões sobre tudo” ouvir Stephen Greenblatt dizer que Shakespeare “rescrevia incansavelmente seus textos”, ouvir James Shapiro falar sobre como “os autores tinha pavor de serem ‘rescritos’ por Shakespeare“, ver a empatia infinita de Gabeira, ou como uma boa idéia (“E se Renè Descartes tivesse vindo ao Brasil com Maurício de Nassau?”) ser destruída por Cao Guimarães no chatíssimo filme Ex-isto; é tão importante.

Nos ajuda a criar valores e parâmetros que são importantes para o nosso senso crítico na atividade de ler e escrever, que é uma atividade fundamental e complexa para o cientista. E que não se aprende e não se desenvolve a não ser pela prática.

"A verdade sobre Cães e Gatos" o livro do Blog "Você que é Biólogo…"

Saiu o livro do blog!

Uma seleção de textos em torno de assuntos que interessam e agradam a todos nós: homens, mulheres, amor, sexo, instintos e emoções. São 51 textos que trazem uma visão científica e divertida desses temas, e vão colocar um pouco mais de pimenta na já acalorada disputa entre os sexos.

O lançamento oficial, transmitido ao vivo pelo Hangout, será no dia 12/06, dia dos namorados, as 18h na livraria Folha Seca, no Centro do Rio de Janeiro. Depois o autor vai a São Paulo, Campinas, Salvador, Recife e Natal. No final do Ano, Curitiba, Porto Alegre e Caxias do Sul.

Leia aqui a resenha na contra-capa feita por Cristine Barreto e o texto sobre o autor escrito por Eduardo Goldenberg.

O livro está a venda na loja da Singular digital, no formato impresso e digital ou eBook.

Aqui nessa página você pode deixar os seus comentários sobre livro e sobre o autor.

A tese sobre a escrita da tese

Em um mundo saturado de informação, não basta mais o aluno ‘saber’. Ele precisa saber aprender e saber mostrar o que aprendeu também. Se não souber selecionar informação, se não souber ser preciso, conciso, coeso e coerente, não vai conseguir identificar o que importa do que não importa no mar de informação. E não vai conseguir responder uma pergunta de prova, montar uma apresentação para um processo de seleção, nem sobreviver a uma entrevista de emprego.

Para todos os alunos, a experiência mais comum de produção de conteúdo é a resposta de prova. Por mais namoradas que um cara tenha na vida, ele responderá muito mais questões de prova do que escreverá cartas de amor. Ainda assim, na escola ninguém ensina a gente a ‘responder’ o que o professor está perguntando, o que é uma habilidade tão importante quanto ‘saber’ o que o professor quer saber se a gente sabem ou não. Para alguns alunos, aqueles que chegaram na pós-graduação, as angústias da resposta da prova se multiplicam e se amplificam na hora de escrever a tese. Sim, porque não conheço nenhum curso de pós-graduação que ensine seus alunos a escreverem suas teses (da mesma forma que não ensinam os professores a avaliarem essas teses). É como se escrever fosse uma habilidade natural, com a qual a gente já nasce. Ou um talento, que quem tem está feito e quem não tem… está… perdido.

Com a ‘Oficina de Escrita Criativa em Ciência‘ nós temos tentado mostrar que escrever não é uma questão de talento, é uma questão de prática, porque envolve uma coisa que não se ensina mas se pratica, que é critério. Então pra melhorar a sua escrita você precisa primeiro querer escrever melhor e depois… escrever!

Mas ainda assim as pessoas tem dificuldade. Escrever, como disse a Bruna Surfistinha, ‘É uma questão de coragem’, coragem de se expor, coragem de errar. E muita gente não tem essa coragem. Mas ainda assim temos que escrever. Então nós criamos o ‘roteiro do bioletim‘ que deveria ajudar as pessoas a selecionar informação de uma maneira amigável. Com a experiência, descobrimos que nem com o roteiro do Bioletim as pessoas escrevem. Por mais que ele te ajude a organizar as idéias, ele não ajuda a diminuir o medo e ele não pratica por você: você ainda tem que buscar fontes, identificar seu público alvo, escrever, rescrever… dá trabalho.

A segunda constatação é que quem tenta escapar do trabalho… não escreve. Ou não escreve bem, o que, em um mundo saturado de informação, acaba dando no mesmo (porque ninguém vai ler). Essas pessoas não vêem valor no roteiro do Bioletim porque ele é um roteiro sem ser um guia. Ele te diz ‘o que’ tem de ser feito, mas não diz ‘como’. Ele estabelece limites (de seções, de tópicos, de número de parágrafos, de palavras por parágrafo), te ajuda a escrever um primeiro rascunho (que é a parte mais complicada para a maioria das pessoas) mas não há garantias de que você selecionou a informação corretamente e nem que o artigo produzido seja interessante. Ou que alguém vá querer ler. Nunca há garantia de que o resultado tenha sido bom.

As angustias vão se acumulando e quando você vê, está na hora de escrever a tal da tese e você não tem idéia do que fazer. Ou melhor, tem sim: quer escrever a tese da mesma forma que você ‘lê’ a tese. Você quer começar pela introdução, depois os objetivos… e terminar na discussão e nas conclusões. Na verdade, você senta no computador e quer escrever o título, fazer a folha de rosto e escrever os agradecimentos. E quer deixar as referências por último. TUDO ERRADO! Não é assim que se escreve uma tese. Quer dizer, pode até ser, mas é bem mais difícil, ainda que dê menos trabalho.

Ops, como é que pode ser mais difícil e dar menos trabalho?! Bom, leia aqui o texto “Foi o Google quem disse…’ pra saber porque um texto mais curto dá mais trabalho pra ser escrito. Quanto menos trabalho você coloca no texto, pior ele fica e mais tempo leva para ele ficar bom. De novo, não tem como fugir do trabalho para produzir um bom texto. Mas se você quer seguir a sua ‘intuição’ ou se quer ‘esperar a inspiração’ então boa sorte. Você vai precisar.

Mas se quer escrever uma boa tese, é assim que se faz:

  • Escreva um rascunho respondendo os ‘sete lugares do pensamento’ pra sua tese. Se você já fez a ‘Oficina de Escrita Criativa em Ciência’ vai ser fácil. Se não fez, você pode estudar alguns textos sobre o assunto que estão compilados no livro digital que nós produzimos para a oficina e tentar. Esse rascunho será o seu ‘mapa’ para escrever a tese mais rápido e melhor.  Vai te dar direção e permitir que você corrija desvios no caminho. Responda cada pergunta com uma frase de no máximo duas linhas. Você pode imprimir essa 1 página e colar na parede atrás do monitor do computador. Esse mapa será seu companheiro pelas próximas semanas.
  • DEPOIS (e só depois) de responder as sete perguntas dos lugares do pensamento, escreva uma versão reduzida, de 3 a 5 páginas, da sua tese. Essa versão é pra você contar a história da tese e não pra fazer um resumo dela. Conte como começou, qual foi o primeiro experimento, como você progrediu, o que aconteceu depois, quais foram os experimentos que se seguiram, o que você aprendeu, o que precisou estudar, o que descobriu… O mais importante nessa versão é que ela tenha começo meio e fim, ao invés de Introdução, M&M, Resultados e Discussão. Essa versão não servirá de base para a tese, mas vai te ajudar a criar um fio condutor para suas idéias que te ajudará enormemente durante a produção do manuscrito
  • Isso tudo você pode fazer mesmo antes de ter terminado todos os resultados. Mas para começar a escrever a tese mesmo, é importante ter todos os seus resultados (ou quase todos) prontos. Isso porque a tese, se começa a escrever pelos resultados.
    • Organize seus dados em tabelas e gráficos. Pode organizar os mesmos dados em tabelas e em gráficos para depois decidir qual deles permite uma compreensão melhor dos resultados. Nesse caso a primeira etapa é escolher qual gráfico é mais adequado para os seus dados.
    • Gráficos de barras são adequados para variáveis que ‘saem’ do zero e ‘chegam’ a um valor. Crescem ou decrescem. Valores pontuais, obtidos de replicas técnicas e biológicas, que são muito comuns em experimentos na área biomédica, devem ser representados por gráficos do tipo box-plot.
    • Não, nem tudo na vida é normal. Muito menos nos seus experimentos em laboratório. Se você não sabe muito bem o que está fazendo, então use boxes com mediana e quartis. Visualmente você já vai ter uma idéia a distribuição (normal ou não) de cada grupo de dados. E é justamente ai que, nesse grupo de dados, que deve ser testada distribuição a priori e não nos conjuntos de todos os dados para uma variável. Abre parênteses: Um erro comum é ‘agrupar’ todos os dados de uma variável (controle, tratado, tempos, réplicas) e avaliar a normalidade desse conjunto de dados. Isso está errado! Você tem que avaliar a normalidade em cada grupo de dados que será utilizado para calcular a média e o desvio padrão que serão utilizados para comparação entre esses grupos em um teste de hipótese. Como a maior parte das pessoas usa um n=3 para suas réplicas biológicas, são esses 3 míseros dados que devem ter a normalidade testada. Como você verá muitas vezes o software nem consegue fazer isso e se ele te diz que os dados são normais… não confie. Fecha parênteses
    • Se você não tem muita certeza do que está fazendo, use o teste não paramétrico U de Mann-Whitney para comparar qualquer dois grupos que te interessem e regressão de Sperman-Karber para ver a dependência entre duas variáveis contínuas. Se houver diferença mesmo, ela vai aparecer do mesmo jeito que na análise paramétrica usando média e desvio padrão, só que você não corre o risco de criar diferenças quando elas não existem, e nem de passar vergonha na hora que a banca te perguntar porque você usou uma coisa ou outra.
  • Depois dos resultados, escreva as conclusões. Em tópicos numerados, com base nos resultados como foram descritos acima.
  • Depois das conclusões, os Objetivos. Também em tópicos identificados por letras.
  • Associe os objetivos (letras) e as conclusões (números). Não pode ter objetivo sem conclusão ou conclusão sem objetivo. Todo objetivo deve ser respondido por (pelo menos) uma conclusão. Toda conclusão deve estar associada a pelo menos um objetivo.
    Volte ao mapa da tese e confira se objetivos e conclusões estão dentro dos sete lugares do pensamento. Faca ajustes no ‘mapa’ se necessário (mas se o seu mapa foi bem feito, é mais provável que você tenha que fazer ajustes nos seus objetivos e conclusões).
  • Faça um mapa conceitual da sua introdução. Mapas conceituais são uma técnica que ainda não tratamos na oficina de escrita, mas que você pode estudar um pouco sobre ela aqui. Ela ajuda a identificar os os núcleos conceituais que devem estar na introdução, e que são aqueles necessários para que o leitor entenda os objetivos, os métodos e os resultados do seu trabalho. Abre parênteses: Você não precisa dizer tudo para o leitor: defina quais as ‘ lacunas’ você espera que o leitor preencha e quais você vai preencher pra ele. Não trate o leitor como burro: se ele já deve saber alguma coisa, ou se é de domínio publico, você não precisa dizer. Lembre-se também que seu público, na tese, é limitado e especializado. Fecha parênteses.
  • Faça outro mapa conceitual para a discussão. O mapa conceitual ajuda a estabelecer relações, filtrar informação e sair da confusão geral da cabeça. Te permite também corrigir depois o texto corrido.
  • Na discussão, seus resultados vem SEMPRE primeiro. Levantamento bibliográfico é pra ser feito na introdução. Na discussão, discutimos o SEU dado, e não tudo que já foi feito no mundo.
    Abre parênteses: a discussão é um delicado equilíbrio entre o que os seus dados deixam e o que eles não deixam você dizer. Até onde a evidencia permite que você vá e até onde você e eu permitiremos que a especulação vá. Além dos resultados, isso será avaliado na tese.dizer menos do que os dados permitem, não extraindo conclusões, é ruim, talvez até pior, do que expectar e inferir sem lastro experimental e estatístico. Fecha parênteses.
  • E os dados mais importantes vêm sempre antes dos dados menos importantes.
  • Pronto. Agora você pode fazer todo o resto, que é escrever sumário, resumo, referências, título.

Fazer desse jeito vai te dar trabalho, mas te garanto que você não ficará nenhum dia olhando para o computador perdido sem saber que fazer. As correções serão menores também. Se você ainda tiver alguma dúvida, dê uma olhada no post ‘check-list‘, onde eu já discuti quais os critérios que um aluno deve usar para saber se a tese dele está ‘pronta’ para a defesa.

Antes tarde do que nunca

“O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) vai acrescentar, na plataforma eletrônica Lattes, que traz currículos e atividades de 1,8 milhão de pesquisadores de todo o País, duas novas abas para divulgação pública. Em uma delas, os cientistas brasileiros informarão sobre a inovação de seus projetos e pesquisas; e na outra, deverão descrever iniciativas de divulgação e de educação científica.”

A matéria do jornal da ciência anunciando que finalmente o CNPq, o conselho nacional de ciência e tecnologia, vai reconhecer divulgação científica como produção científica é um alento para a sociedade, para os cientistas e para os blogueiros. A sociedade porque financia a ciência com os seus impostos mas não é capaz de entender os artigos científicos extremamente técnicos que órgãos financiadores exigem, e os cientistas porque vão poder divulgar seu trabalho e se aproximar do seu público sem que isso signifique ‘desperdício’ do tempo que deveria ser investido em artigos técnicos. Finalmente, para os blogueiros, que vêm fazendo essa divulgação sem nenhum apoio dos órgãos de fomento ou dos seus próprios pares. Tomara que os alunos de pós-graduação percebam a importância de divulgar seus trabalhos para a sociedade e, ao escrever, praticar a sua escrita.

Quem foi que disse?

Fiquei tão impressionado com a velocidade que meus leitores esclareceram a questão da autoria da frase “Me perdoe está longa carta, é que não tive tempo para escrever uma curta” (veja aqui) que e resolvi propor um no enigma: A Obesidade Mental!

O texto a seguir é um trecho do livro “Obesidade Metal” de Andrew Oitke:

“O conhecimento das pessoas aumentou, mas é feito de banalidades: Todos sabem que Kennedy foi assassinado, mas não sabem quem foi Kennedy. Todos dizem que a Capela Sistina tem teto, mas ninguém suspeita para que é que ela serve. Todos acham que Saddam é mau e Mandella é bom, mas nem desconfiam porquê. Todos conhecem que Pitágoras tem um teorema, mas ignoram o que é um cateto.”

O texto chegou até mim em um daqueles e-mails repassado por 587 pessoas. Mas a mensagem era importantíssima e eu comecei a usar a citação em aulas e palestras. Como eu não gosto de citar livros que eu não li (ainda que eu cite Homero sem ter lido a Ilíada e a Odisséia) achei por bem comprar o livro e lê-lo. Certamente haveria mais coisa interessante. Entrei no Submarino e… nada. Saráiva, FNAC, Cultura… nada. Recorri então a Amazon e… nada. Título em Português, título em espalnho, título em inglês… nada. Busca pelo nome do autor… nada também. Comecei a desconfiar que havia alguma coisa de errado. Se você digitar o título do livro e o nome do autor, aparecem muitas, muitas páginas, mas todas com o mesmo trecho do livro (uma variação mais extensa do excerto acima). Mesmo que em outro idioma, o trecho é o mesmo.

Entrei no site de Harvard, de onde teoricamente o autor é afiliado e… nada.

Finalmente conclui: o livro não existe e o autor não existe.

Alguns sites já comentam que o livro não existe, mas ninguém consegue identificar a fonte da história. Tem algum nome pra esse tipo de conto do vigário? Uma pena, eu gostaria de ouvir o que esse cara tem a dizer.

Foi o Google quem disse…

Essa eu tenho que dividir com vocês, principalmente com aqueles que consideram o ‘Google’ não mais uma ferramenta de acesso ao conteúdo e sim a ‘fonte’ do conteúdo em si. Não é! Mas o mais importante é ter clareza de que a frequência com que uma informação aparece no Google também não é um critério de veracidade dessa informação, como eu já falei aqui.

Estou escrevendo um capítulo sobre escrita criativa para o livro organizado pelo prof Eduardo Bessa e quis falar sobre a famosa citação: “Me perdôe a carta longa, não tive tempo de escrever uma curta”, que eu tenho escutado com cada vez mais freqüência. Hoje em dia a quantidade é cada vez mais um critério de qualidade, mas com uma relação inversamente proporcional: quanto menor você conseguir fazer o seu texto, melhor.

“A César o que é de Cesar”. Como eu sou um cara correto, quis dar ao autor da frase a celebridade que ele merece, e para isso fui consultar o ‘oráculo’.

Uma pesquisa no google usando os termos: “desculpe” “longa” “carta” “tempo” “escrever” “curta” traz as mais diversas referências, indicando as mais diversas personalidades como autores da célebre frase:
“Foi o escritor Mark Twain, que ao responder a um correspondente seu que reclamou do tamanho enorme de uma carta sua, disse: ‘Me desculpe, não tive tempo de escrever uma carta curta, por isso ela foi longa mesmo’.
‘Desculpe a longa carta, escreveria outra, menor, se tivesse mais tempo’ disse Descartes a um amigo.”
“Para eliminar o desnecessário, é preciso coragem e também mais trabalho. (Blaise) Pascal terminou uma carta de 4 páginas a um amigo dizendo: ‘desculpe-me tê-lo cansado com uma carta tão longa, mas não tinha tempo para escrever-lhe uma carta breve’.

“Por serem minhas postagens muito longas. Lembrei-me de imediato de uma frase de Voltaire: ‘Perdoe-me, senhora, se escrevi carta tão comprida. Não tive tempo de fazê-la curta’.
“…pois como disse um escritor respondendo uma carta ao amigo (acho que foi Fernando Pessoa) ‘desculpe minha resposta longa, mas não tive tempo para fazê-la mais curta’.

Quando contei pelo menos 5 autores completamente diferentes pela sua origem, período de vida, atividade etc, desisti. O critério de frequência (número de vezes que um autor aparece) me colocaria entre Mark Twain e Blaise Pascal, o de antiguidade me remeteria a Descartes, mas dado que Pascal viveu na mesma época, poderia ter sido ele também.

Dessa vez, não deu. Nem com minhas habilidades arqueólogo-internauticas eu consegui identificar o autor. Daqui pra frente, acho que vou fizer que fui eu quem disse.

Sobre ScienceBlogs Brasil | Anuncie com ScienceBlogs Brasil | Política de Privacidade | Termos e Condições | Contato


ScienceBlogs por Seed Media Group. Group. ©2006-2011 Seed Media Group LLC. Todos direitos garantidos.


Páginas da Seed Media Group Seed Media Group | ScienceBlogs | SEEDMAGAZINE.COM