Foi o Google quem disse…

Essa eu tenho que dividir com vocês, principalmente com aqueles que consideram o ‘Google’ não mais uma ferramenta de acesso ao conteúdo e sim a ‘fonte’ do conteúdo em si. Não é! Mas o mais importante é ter clareza de que a frequência com que uma informação aparece no Google também não é um critério de veracidade dessa informação, como eu já falei aqui.

Estou escrevendo um capítulo sobre escrita criativa para o livro organizado pelo prof Eduardo Bessa e quis falar sobre a famosa citação: “Me perdôe a carta longa, não tive tempo de escrever uma curta”, que eu tenho escutado com cada vez mais freqüência. Hoje em dia a quantidade é cada vez mais um critério de qualidade, mas com uma relação inversamente proporcional: quanto menor você conseguir fazer o seu texto, melhor.

“A César o que é de Cesar”. Como eu sou um cara correto, quis dar ao autor da frase a celebridade que ele merece, e para isso fui consultar o ‘oráculo’.

Uma pesquisa no google usando os termos: “desculpe” “longa” “carta” “tempo” “escrever” “curta” traz as mais diversas referências, indicando as mais diversas personalidades como autores da célebre frase:
“Foi o escritor Mark Twain, que ao responder a um correspondente seu que reclamou do tamanho enorme de uma carta sua, disse: ‘Me desculpe, não tive tempo de escrever uma carta curta, por isso ela foi longa mesmo’.
‘Desculpe a longa carta, escreveria outra, menor, se tivesse mais tempo’ disse Descartes a um amigo.”
“Para eliminar o desnecessário, é preciso coragem e também mais trabalho. (Blaise) Pascal terminou uma carta de 4 páginas a um amigo dizendo: ‘desculpe-me tê-lo cansado com uma carta tão longa, mas não tinha tempo para escrever-lhe uma carta breve’.

“Por serem minhas postagens muito longas. Lembrei-me de imediato de uma frase de Voltaire: ‘Perdoe-me, senhora, se escrevi carta tão comprida. Não tive tempo de fazê-la curta’.
“…pois como disse um escritor respondendo uma carta ao amigo (acho que foi Fernando Pessoa) ‘desculpe minha resposta longa, mas não tive tempo para fazê-la mais curta’.

Quando contei pelo menos 5 autores completamente diferentes pela sua origem, período de vida, atividade etc, desisti. O critério de frequência (número de vezes que um autor aparece) me colocaria entre Mark Twain e Blaise Pascal, o de antiguidade me remeteria a Descartes, mas dado que Pascal viveu na mesma época, poderia ter sido ele também.

Dessa vez, não deu. Nem com minhas habilidades arqueólogo-internauticas eu consegui identificar o autor. Daqui pra frente, acho que vou fizer que fui eu quem disse.

Diário de um biólogo – Domingo, 24/10/2010 – Segundo dia do ISMEE

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O dia começou as 10h. Apesar do nome, Stevens Rehen é carioca e chefe do Laboratório Nacional de Células Tronco na UFRJ. Ninguém melhor que um dos 100 jovens pesquisadores mais promissores do mundo pra falar sobre os desafios da carreira acadêmica. Ele discutiu casos envolvendo responsabilidade, autoria e ética na ciência e terminou com uma frase do poeta brasileiro Ferreira Goulart: “Eu não quero ter razão, eu quero é ser feliz!”.
O Centro Cultural Amazônia Azul tem uma localização privilegiada, literalmente dentro da praia dos Anjos, por isso, ninguém sentia necessidade de ir almoçar em outro lugar, e o ‘brunch‘ virou um espaço perfeito de integração para o grupo.
Voltamos as 14h. A escritora Sonia Rodrigues tem mais de 20 livros publicados e muita experiência em ensinar as pessoas a escrever. Hoje ela está lançando um novo livro enquanto coordena o ‘Almanaque da Rede’, um projeto que envolve internet, escrita e ensino de Física.
“Se vocês seguirem essas dicas simples nunca terão ‘branco’ na hora de escrever”.
Ela falou sobre o modelo narrativo e as sete perguntas que representam os lugares do pensamento e ajudam o estudante a organizar as idéias para dizer o que quer ele que queira dizer. O bom da Sonia é que no final da aula dela, sempre, todo mundo escreve!
Terminamos o dia com uma aula inusitada, mas que deveria estar presente em qualquer encontro científico: dança de salão. Sem saber, enquanto praticavam Samba e Forró os alunos estavam aprendendo postura, equilíbrio, percepção corporal. Importantíssimo.

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"Você sabia?" (Mas quem foi que te disse?)

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Com esse bordão, a ZYJ 465 ‘Rádio Relógio Federal’ do Rio de Janeiro AM 580 Khz tocava curiosidades diversas enquanto a bela voz da bela modelo e locutora Íris Lettieri (a voz do aeroporto internacional do Rio) anunciava a hora minuto-a-minuto. Eu era criança e me lembro de várias vezes ficar, realmente, ouvindo o tempo passar.
As curiosidades da radio relógio, como as que você pode ouvir no trecho acima, vinham de enciclopédias, essa maravilhosa e ultrapassada invenção do iluminismo francês. Eu me pergunto, se nessa época alguém questionava a validade das informações colocadas nas enciclopédias ou divulgadas na rádio relógio.
Como eu já falei aqui, hoje em dia nosso maior problema não é obter informação, mas saber se podemos ou não confiar nela. E estou muito atento a isso.
Entao, agora que estou preparando a aula de abertura do ISMEE e queria usar ‘aquela’ citação, ‘daquele’ cara, que vi ‘naquele’ video, que falava ‘daquela’ coisa, você sabe qual é? (1) Odeio quando meus alunos usam pronomes demonstrativos por falta de vocabulário ou por falta da informação correta. Então não podia fazer isso também. Fui correr atrás da informação correta.
Aquela‘ citação era: “as 10 profissões mais solicitadas de 2010 não existiam em 2004” (the top 10 in-demand jobs in 2010 may not have existed in 2004). E era seguida por uma outra, que é a que eu mais gosto: “Nós estamos preparando estudantes para empregos que ainda não existem, para usarem tecnologias que ainda não foram inventadas, para resolverem problemas que nós ainda não sabemos que são problemas” (we are currently preparing students for jobs that don’t yet exist, using technologies that haven’t been invented yet, in order to solve problems we don’t even know are problems yet) e o vídeo era “Did you know? Shift happens” (Você Sabia? Mudanças acontecem), esse mega hit do Youtube, aqui em uma das suas muitas versões.

Apesar de ser esse grande sucesso, eu tive um trabalhão pra achar o vídeo de novo, porque obviamente apaguei o e-mail de ‘quem quer que tenha mandado’ porque sempre apago, geralmente sem ler, e-mails que me mandam ver algum vídeo. Bom, e provavelmente por alguma incompetência em procurar coisas no youtube também.
O vídeo é realmente instigante. Até mesmo chocante. Mas para usar aquelas informações (se é que alguém no planeta ainda não viu o vídeo – ou justamente porque todo mundo já viu), eu tinha que verificar o que estava sendo dito ali.
A primeira tarefa foi descobrir o autor do vídeo. Não foi tão difícil chegar até Karl Fisch, professor e adminstrador da Arapahoe High School nos Estados Unidos. Esse professor veterano todos os anos dava uma palestra para os professores sobre as novidades em tecnologia na escola, para que eles soubessem o que poderiam usar durante o ano letivo. Mas em 2006 ele resolveu fazer algo diferente e preparou uma apresentação sobre para onde ele achava que ‘eles’, enquanto escola, deveriam ir.
Ele alcançou o objetivo, fazer seus professores pensarem a respeito das questões que o inquietavam, e muito mais. Como eu disse, milhões de pessoas assistiram o vídeo na internet. Como um cara conectado, Karl rapidamente liberou os direitos da apresentação para que fosse editada, modificada, alterada, copiada, duplicada, reproduzida e replicada. E felizmente se preocupou em organizar e divulgar as fontes de TODAS informações contidas na apresentação, documento que pode ser encontrado no seu blog.
Mas que surpresa quando justamente a referencia para as citações que eu queria usar não estavam lá. Em princípio ele estava justamente citando outra pessoa, Ian Jukes um especialista no uso de computadores na educação e responsável pelo projeto ‘um laptop por criança’ (One Laptop per child) de inclusão digital. Bom, mas o Ian também estava citando alguém, e consultado algumas fontes, chegamos a conclusão que todos estavam replicando o que havia sido dito pelo ex-secretário de educação dos Estados Unidos Richard Riley, no livro “The Jobs Revolution: Changing How America Works” (a revolução dos empregos: mudando como a américa trabalha) publicado em 2004 por Gunderson, Jones e Scanland.
Bom, pra terminar a história, parece que não é verdade. Dois sites, esse e especialmente esse, fizeram um amplo trabalho de pesquisa sobre cada afirmação do vídeo. Com algumas imprecisões, muita coisa é verdadeira, mas no caso dos ’empregos’, alguém cometeu uma gafe ao publicar em 2009 dados de uma previsão de 2004 que já poderiam ter sido verificados e considerados equivocados. Isso porque o ministério do trabalho americano já havia publicado, em 2009, uma lista com as 10 profissões mais procuradas. As 5 primeiras eram:

  • Enfermeiras
  • Gerentes gerais e de operações
  • Médicos e cirurgiões
  • Professores do ensino fundamental
  • Contadores e auditores

Verdade seja dita, essas profissões não só existiam em 2004, como em 1904 também. Mas verdade ainda maior, não consegui confirmar essa informação no site do ministério do trabalho dos gringos.
O que me diz a minha experiência e meu bom senso? Como já discutimos aqui, o Brasil tem um deficit gigante de professores de física para o ensino fundamental. E eu não tenho dúvida que quem se formar professor de Física pelos próximos 10 anos terá emprego garantido. Mas também sei que alguém que se formar em Biotecnologia ou Tecnologia da informação terá um emprego e um salário melhor do que alguém que se forme apenas em Biologia ou em Física.
Existem sim novas carreiras, novas tecnologias e novos problemas. Mas elas não substituem as antigas: elas se acumulam as antigas. Para cada biofísico que precisarmos, precisaremos de mais dois biólogos e três físicos. É provável que o biofísico, biotecnólogo, tenha um ‘valor agregado’, da mesma forma que o suco de laranja tem mais valor agregado que a laranja no pé.
O que nós NÃO podemos, nesse mundo cheio de novos desafios e saturado de informação, é descuidar das nossas fontes. A frequencia com que uma informação aparece serve para endossar essa informação.
1 – Não tinha um comercial que fazia uma sátira a isso? Eu acho que era com a Fernanda Torres, ou com a Montenegro, mas pode ter sido também a Marília Pera. Novamente estou sendo impreciso, mas queria muito usar esse comercial em uma aula. Alguém sabe de qual estou falando? Se souber pode deixar um comentário?

Por que acreditar no óbvio?


Existe um livro legal chamado “Penso, logo me engano” que retrata as grandes trapalhadas científicas dos grandes nomes da ciência, como Newton (a natureza corpuscular da luz) e Einstein (a constante universal). Mas alguém duvida do Cálculo de Newton ou da Relatividade de Einstein?

Errar é humano, e mesmo os grandes cientistas erraram.

A problema do erro é quando ele passa a afetar a credibilidade. E para definir isso, o momento do erro é crucial. Erre no início e você está ferrado. Erre no meio e tem uma chance. Erre no final e ninguém vai ligar. É injusto? Não sei, mas é assim.

A primeira lição que tive de credibilidade na ciência, foi de um professor do mestrado, pelo qual hoje não tenho nenhum respeito científico (o que não quer dizer que não tenha aprendido nada com ele). Ele falou: “Minha metodologia tem que ser correta, para que ninguém questione meus resultados”. Foi uma lição que aprendi. Hoje no laboratório, você pode questionar minha interpretação, mas nunca o meu resultado (ou dos meus meninos).

Outras lições se seguiram com o tempo. Quando eu era representante dos alunos de PG, eu aprendi, nas longas reuniões com os cabeças-coroadas, a ouvir muito e falar pouco, e saber quando falar: basicamente quando eu tiver alguma coisa pra dizer. Isso porque argumentos emocionais não quebram paradigmas e que não basta você estar certo, se não tiver os argumentos certos. Então, falar demais, de menos, ou na hora errada pode afetar em muito a sua credibilidade.

Uma vez, discutindo um caso de ética na ciência. A dúvida era o que fazer com um experimento onde um tubo havia perdido a etiqueta. Se o tubo fosse colocado no grupo experimental o resultado seria significativo, mas se fosse colocado no grupo controle ou descartado, ou resultado significava que todo o experimento teria de ser repetido. Sem hesitar, a professora que estava discutindo conosco falou: Repete tudo! A ciência tem que ser sempre confiável! Ela estava certa.

Fui me tornando autodidata e a outra lição eu aprendi dentro do laboratório, sozinho. As vezes você quer economizar tempo e avançar uma etapa sem se certificar do resultado do estágio anterior. Pular uns dois estágios talvez. Muito, muito poucas vezes isso funciona. E na maioria das vezes, para economizar duas horas de trabalho, você perde 2 dias para repetir tudo. E depois de perder vários dias pra rê-extrair RNA só por preguiça de esterilizar a cuba antes de correr o gel, aprendi que “Só se deve avançar para o próximo passo depois de estar certo do resultado do passo anterior.”

Voltando para o Brasil, pensei em abrir uma ONG para conseguir financiamento fora dos meios acadêmicos tradicionais. Fui conversar com um advogado daqueles de gente rica, que sabe das coisas. Expliquei a minha idéia e ele me perguntou: “Quem é você?”
Primeiro eu estranhei… afinal, eu já tinha consertado o computador dele tantas vezes que era óbvio que ele sabia quem eu era. Depois (muito depois 😉 percebi que era uma perguntar retórica. E tomei um soco no estomago quando realizei a resposta: Eu não era ninguém! Quem ia dar dinheiro ou investir em um projeto da minha ONG sem saber quem eu era? Pra quem eu trabalhava? O que eu já tinha feito? Quem me conhecia? Quem me garantia? Vi que eu ainda tinha um longo caminho a trilhar.

Como tantas vezes na minha vida, me vi terminando uma era de inocência e iniciando um novo caminho no mundo real. Alguns semanas depois abriu uma vaga para professor do melhor instituto de pesquisa da UFRJ e eu não hesitei. Professor da UFRJ era, entre outras coisas, uma injeção de credibilidade no meu nome.

Mas ainda assim eu tinha que investir no “Quem me conhecia? Quem me garantia?” Nesse momento, decidi que não recusaria nenhum convite para palestra, nenhuma colaboração, nenhuma aula, nenhuma análise estatística de resultado, nenhuma solicitação de aluno. E nos últimos 2 anos eu rodei grande parte do Brasil dando palestras e contando histórias. As pessoas estão começando a me conhecer.

No ano passado, colhi o primeiro grande fruto dessa grande jornada de autoconhecimento. O coordenador de uma rede de pesquisa da qual eu faço parte, tentando me acalmar antes de uma apresentação importante, pelo fato de eu ser jovem e rebelde, falou: “Mauro, você pode ser jovem e ter cabelo comprido e usar brinco, mas quando você fala, todo mundo ouve. Você sabe do que está falando e transmite muita segurança de que é capaz de fazer o que está dizendo. Você tem credibilidade!”

E eu finalmente tinha credibilidade!

Sem credibilidade, não adianta nada saber das coisas. Não basta você saber o que está falando e acreditar no que está falando (ainda que ajude muuuuito). Os outros tem que acreditar. O curioso é que a credibilidade é mais importante quando se trata do inusitado. Quanto mais improvável for o seu resultado, ou a interpretação que você faz dele, maior deverá ser o seu esforço para que ele seja aceito. Você vai precisar de muita credibilidade antes de propor algo improvável. Mas se os seus resultados apenas confirmam algo que já foi dito e redito, ai não precisa muita não. Mesmo que o dito e redito no futuro se descubram errados. A credibilidade não é necessária para dizer o óbvio. Mas que cientista quer o óbvio?


Para o cientista, a falta de credibilidade é péssima, mas para o público o ruim é a credulidade. Acreditar pode ser um risco, justamente porque é mais fácil acreditar no óbvio. É preciso coragem para acreditar no improvável, para acreditar no que não é óbvio. Se o erro é menos importante no final do que no início, então o importante é o tempo e não o erro. E assim, também o acerto é menos importante.

Só quem tem credibilidade pode te trair.

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