Adeus à 'Perna Seca'

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A caminho do aeroporto, dou a última olhada na ala do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da UFRJ que será implodida no dia 19/12/2010. Quando eu voltar, não estará mais lá.
A famosa ‘Perna Seca’ nunca foi ocupada desde que foi construída na década de 50, o que mostra que o descaso com infra-estrutura na UFRJ é muito mais antigo do que a minha experiência permite atestar. Nos últimos 10 anos tentaram ocupar, mas o custo para recuperar o edifício era mais alto que construir um novo. Então falava-se na demolição, mas os transtornos, que incluíam o fechamento do aeroporto do Galeão, não se justificavam até… ele quase cair sozinho alguns meses atrás. Então decidiram pela implosão.
Foram tantas e tantas tardes e noites matando aula, tomando cerveja, jogando sinuca e dançando lambada, samba e forró no Grêmio (o bar que ficava no 2o andar do edifício abandonado até ser fechado alguns anos atrás), que eu não podia deixar de prestar uma homenagem a ele.
Que vá em paz e não leve com ele o prédio do meu laboratório novo.

1a Escola Internacional de Ecologia Marinha e Ecotoxicologia

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No ano 2000 eu fui selecionado para participar da Escola Internacional de Meio ambiente e Saúde da Universidade de Siena, na Itália.
Durante duas semanas, ficaríamos, 30 alunos, de diversas partes do mundo, internados na Certosa de Pontignano, um antigo monastério do século XIV nos arredores de Siena, com aulas em horário integral e professores renomados mundialmente. Mas acho que ninguém estava esperando, e por isso preparado, para aquilo.
Nós éramos de todos os lugares. Sudeste da Ásia, norte, sul, leste e oeste da Europa, África Ocidental, América do Norte e América do sul. E muitos, muitos italianos. Em um lugar simplesmente M-A-R-A-V-I-L-H-O-S-O, e com a melhor, vejam bem, eu disse A MELHOR, comida do mundo.
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A certosa fica no meio das colinas de Chiante, com vinhedos e oliveiras para todos os lados, de onde tiravam os ingredientes para preparar o ‘oglio e Vino della casa’. Em meio a palestras interessantíssimas, onde 10 anos antes de tudo eu ouvi falar de medicamentos com Valium sendo medidos em água de rios (hoje em dia medimos PROZAC) e aprendi tudo sobre Câncer, fiz amigos para o resto da vida. Mesmo!
No jantar de encerramento eu chorei como uma criança.
Aquela experiência foi tão importante para mim que eu me prometi que um dia organizaria um curso igual.
Daqui a duas semanas estaremos recebendo os convidados, alunos e professores, para a 1a Escola Internacional de Ecologia Marinha e Ecotoxicologia, em Arraial do Cabo (RJ).
Durante 7 dias consecutivos alunos de pós-graduação na área de ciências biológicas de mais de 10 países e instrutores de outros 5 países estarão reunidos para discutir planejamento da carreira científica e política acadêmica, inovação na universidade e na empresa, escrita criativa e organização da informação. Objetividade e subjetividade no método científico, espécies invasoras no ambiente marinho, toxicologia de mamíferos marinho e biologia molecular, interações entre drogas e enzimas, histologia de invertebrados, algas e macrófitas aquáticas, desenho experimental e avaliação de incerteza.
Será imperdível. Só não posso chorar no final.

Os bons companheiros

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De acordo com o meu Google analytics, que não mente jamais, desde que foi publicado, o texto onde a densidade populacional de cupins nos fornece o número mágico para resolvermos qualquer problema que envolva número de pessoas em lugares se tornou o mais lido e querido do VQEB, com 1.145 acessos até hoje.
O texto chamou atenção também do pessoal da revista Fapesp, que de vez em quando bisbilhota por aqui, e na edição impressa 173 de Julho 2010 ele publicaram o artigo ‘Os bons companheiros: Densidade populacional influencia longevidade de cupins’. com base no trabalho de Og de Souza.
A reportagem ficou ótima e eu tenho certeza que vocês vão gostar.

Ao mestre, com carinho

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No mês passado, depois de 15 anos, voltei à Rio Grande, à FURG, à universidade onde fiz o mestrado em Oceanografia Biológica. Meu orientador, Euclydes Santos, estava para se aposentar (por motivos alheios a sua vontade) e seus ex-alunos prepararam uma pequena cerimônia de despedida, onde seria entregue uma placa e proferidas algumas palavras (e como tudo no RS, terminaria em churrasco). Uma pequena homenagem para um grande professor.
Então, quando um dos seus ex-alunos, o hoje prof. Luis Eduardo (ou o Carioca como é conhecido em Rio Grande), me perguntou se eu gostaria de ter meu nome na placa de homenagem, eu não hesitei. Mas quando ele perguntou se eu gostaria de mandar algumas palavras para serem lidas na homenagem, eu disse:
“Não, eu mesmo vou até ai para lê-las”.
Na prática a decisão foi facilitada por eu participar de um programa da CAPES chamado PROCAD que permite o intercâmbio de alunos e docentes entre as duas universidades. Eu teria que ir mesmo até lá em algum momento, e nenhum outro me pareceu mais oportuno do que esse. Mas ir até Rio Grande nunca é simples. Meus sentimentos com relação aquele lugar são muito ambíguos e por vezes, contraditórios.
Quem já me ouviu falar de Rio Grande, principalmente depois de duas cervejas, sabe que sobra veneno para destilar. Afinal, como diz meu amigo, dono de bar e filósofo Fernando Goldenberg: “a história verdadeira é sempre aquela que for a mais engraçada”. E como disse Nick Hornsby no livro ’31 canções’: “a crítica e a ironia sempre são mais divertidas que o temperança e a tolerância.” (bem, na verdade ele falou isso do preconceito, mas a idéia se aplica).
Mas quando penso de novo, vejo que foi um período de grande e intenso crescimento, pessoal e profissional. Talvez o maior que já experimentei. E quando penso mais ainda, me vêm tantas lembranças, e tão boas, das pessoas que lá conheci.
Mas outro motivo me motivou (Ugh! Essa até doeu) a despencar daqui pra lá. Eu tenho pensado muito na tarefa de orientar. Para mim, orientar é o maior desafio da vida acadêmica e provavelmente aquele para o qual somos menos preparados ao longo da nossa formação de cientistas. Nenhum curso de RH. Nenhum curso de psicologia. Nenhuma dica de sociologia e antropologia. Nenhuma aula de Judô ou Caratê.
E ao pensar nisso, cada vez mais pensava no meu antigo orientador, porque cada vez mais me vejo como ele. Euclydes se tornou meu principal modelo. E como disse uma vez minha querida amiga Celina, que trocou o Rio pelo Planalto Central mas esteve nos visitando no final de semana anterior a minha viagem: “Nós escolhemos uma coisa para fazer diferente dos nossos pais. O resto, todo o resto, fazemos igualzinho.”
Eu hoje sou orientador, já participei de muitas defesas de tese, várias de alunos meus, e hoje tenho 4 alunos de doutorado, 2 de mestrado e 1 de iniciação científica. E tenho me visto um orientador cada vez mais parecido com o Euclydes: serio, durão, inteligente e brilhante. Nós também compartilhávamos a modéstia 😉
Então, as coincidências não são realmente coincidências: Minha disciplina na pós, hoje, ‘Relações entre genes ambiente’ é parecida com a que fiz com ele no mestrado “Adaptações fisiológicas de animais estuarinos’. Uso até alguns dos mesmos artigos, como Gould e Lewontin (1979). Eu comecei a beber café em caneca de congresso que nem ele, porque, para mim, nada, nem mesmo os cabelos despenteados e a língua para fora de Einstein, era mais representativo da imagem do cientista, do que beber café no laboratório na caneca que você trouxe de um congresso internacional que participou, enquanto reflete sobre alguma questão fundamental da ciência. Também apliquei, com algum sucesso, uma estratégia de ação no ambiente profissional que aprendi com ele, que era “aumente o seu grupo além da sua capacidade de suporte, para que você se torne sempre uma prioridade nas disputas por recursos.”
Coincidência talvez seja que hoje tenho até a idade que Euclydes tinha quando eu fui seu aluno.
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Foi, mais uma vez, tão bom conversar com ele, com sua mente ágil e desperta, com sua inteligência privilegiada. Descobri que meu orientador não divide comigo o gosto pela biologia molecular, mas gosta de cozinhar e tem um blog de cozinha; que fez direito e publicou um livro sobre a ética no uso de animais em pesquisa. E que mesmo sendo durão, foi o coração, que ele tanto desvendou em sala de aula, e não o cansaço, que o obrigou a se afastar prematuramente da universidade. Descobri um amigo e fiquei tão feliz com isso.
Acabei descobrindo que os desafios que com os quais me debato hoje são os mesmos com os quais ele se debatia antes: “Nenhum aluno é igual ao outro. O que funciona pra um, simplesmente não funciona pra outro. E não tem uma fórmula. As vezes você está, ao mesmo tempo, acertando com um e errando com outro. Não tem como acertar com todos.”
E finalmente, descobri que como professor e orientador não poderei ser querido por todos os meus alunos. E tenho que me preparar psicologicamente para isso.
Eu já disse aqui que a ciência é democrática mas não é uma democracia. Acredito que o que me aproxima do meu antigo orientador, é que assim como ele, acredito que a ciência não pode flexibilizar seus requisitos. E nem nós podemos. E assim como ele, eu posso lidar com as conseqüências disso para mim. E espero que assim como eu, meus alunos possam lidar com as conseqüências disso para eles.

Centésimo milésimo

Na 4a feira, 20 de Abril as 21 horas e 18 minutos, o VQEB recebeu o centésimo milésimo acesso. Sei que pra muito blogueiro pode parecer pouco, mas eu estou orgulhoso e lisonjeado.
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O texto acessado foi o “curiosidades da Itália“, um texto que escrevi em 2003 durante o meu pósdoc.
Vou abrir um Prosseco pra comemorar!

Terminei de ler… A Assustadora História da Medicina

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O livro de Richard Gordon cria um dilema para quem se propõe a fazer uma resenha. Se te aconselhar a ler, terei de dizer que vai precisar de um bocado de paciência pra chegar até o final. Se te disser para não ler, terei de arcar com o custo do tanto de coisas importantes, interessantes ou só curiosas que você vai deixar de aprender.
“A história da Medicina é uma longa substituição da ignorância pela falácia” começa a contra-capa. O livro pretende ser bem humorado, mas talvez por seu autor ser Inglês, o humor recheado de sarcasmo e que ironiza violentamente os médicos, é parecido com os filmes do Monty Python, em que muitas vezes ficamos com a sensação de que fomos os únicos que não entenderam a piada.
Uma outra razão é a tradução, que eu tenho certeza que está ruim (já que a outra opção é autor, editor e revisor serem muito incompetentes) e contribui para que alguns parágrafos simplesmente fiquem sem sentido.
Finalmente, há uma enorme quantidade de nomes de pessoas, de locais e obras literárias e artísticas, além de muitas datas, e mais nomes, e mais lugares, e mais datas. Isso não seria necessariamente um problema, mas como não é um livro longo, desses que a gente usa pra consulta, esses dados são só ilustrativos, mas só ilustram alguma coisa pra quem já conhece todas essas citações. Para nós, meros mortais, muitos deles pouco significam e nenhum contribui realmente para a compreensão do texto. Veja um exemplo (e nem é dos piores):
“A afirmação de Darwin de que Sir Thomas Browne havia sugerido, no seu Religio Mediei, que o Gênesis não era tão confiável quanto os horários das estradas de ferro vitorianas foi considerada uma afronta da ciência à Igreja. A discussão chegou ao auge em 30 de junho de 1860, entre os soluços e desmaios das senhoras, no Museu da Universidade, ao lado de Parks, em Oxford.”
O livro é um prato cheio de argumentos para calar a boca dos insuportáveis alunos do primeiro ano de medicina, cuja arrogância do “olhem como sou bom e sei muito mais que vocês”, acaba por contaminar até o sarcástico autor do livro.
Mas, se não ler, não vai saber as fofocas de doentes famosos, como os reis de França e Inglaterra, e seus médicos bem intencionados, mas totalmente incapazes (simplesmente porque não havia tratamento). Nem como apareceram doenças como escorbuto, gota, malária e sífilis; ou como desapareceram tuberculose e varíola. Nem as incríveis histórias de como foram inventada a vacina e a anestesia ou como a sulfa e a penicilina ajudaram a ganhar a guerra.
E, tantas vezes com linguagem simples, direta e divertida, como quando fala da homeopatia e outras ‘medicinas alternativas’:
“É realmente seguro para mim procurar uma pessoa sem qualificação para a medicina?”, pergunta o guia ricamente ilustrado da saúde alternativa. E responde: “Fico tentado a sugerir que faça a você mesmo outra pergunta, em lugar dessa: ‘Será seguro procurar o meu médico?’ Os medicamentos atuais são tão poderosos que se alguma coisa sair errada, os efeitos do remédio podem ser piores do que a doença. Resumindo, a medicina natural é mais segura simplesmente porque não confia tanto nos medicamentos artificiais. Minha nossa!
Se você está doente, precisa de tratamento científico. As únicas doenças que os “curandeiros” curam são as que seus clientes imaginativos não têm.
A relação da medicina com o charlatanismo é a mesma da astronomia com a astrologia. O que as estrelas predizem para os leitores de jornais é inofensivo, mas o lançamento de um ônibus espacial ou de um satélite, orientado pela astrologia, ao invés da astronomia, seria desastroso.

A decisão é sua!

Celebridades

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Depois de recusar vários convites para desfilar no Fashion Week, o cientista Mauro Rebelo foi fotografado no seu laboratório, no circuito OFF-Fashion, com seu tradicional look descolado casual‘. Mauro usava camiseta Hering verde exército, calça Redley (comprada 10 anos atrás quando ele ganhava em euro) e sapato Mr. Cat.
O detalhe fica por conta da sua chiquerérrima bolsa Diesel vermelha.
O paparazzi que flagrou o cientista disse que ouviu o borburinho logo que ele chegou. Os comentários variavam de ‘Que linda a sua bolsa‘ até o ‘Tá podendo hein professor!‘.
O cientista disse que a bolsa, vinda direto de Nova Iorque, tinha sido um presente… especial.
O comentário no laboratório era um só: “Quem dá um presente desse, tá querendo alguma coisa“.
Será?

T.S.N. Totalmente Sem Noção

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“Ele é mó TSN!”
Assim nos referíamos durante a faculdade aquelas pessoas que, mas do que nós (já que todos somos um pouco, ou eventualmente muito, TSN), tinham enorme falta de critério.
É verdade que o problema as vezes não é a falta de critério para avaliar uma informação, mas a falta de ferramentas para aplicar esse critério, mas isso é uma história para outro dia. Vou me ater agora a discussão da falta de critério mesmo.
O problema começa quando tentamos definir critério. Quando penso nele, me lembro da máxima que uma vez ouvi sobre o ‘bom senso’:
“Bom senso é a única coisa que todo mundo acha que já tem o suficiente e que não precisa de mais”.
Seria um mundo melhor se fosse verdade, não é mesmo?!
No livro “Cinco mentes para o futuro” de Howard Gardner, (presente da Soninha que eu terminei de ler no ano passado), ele sugere que precisamos de 5 ‘mentes’ para podermos viver bem no mundo contemporâneo:
“Com (…) elas, uma pessoa estará bem equipada para lidar com aquilo que se espera, bem como com o que não se pode prever. Sem elas, estará à mercê de forças que não consegue entender, muito menos controlar.”
Na descrição da primeira mente, a disciplinada, ele apresenta um mecanismo, ou uma atitude, que é aquela através da qual eu acredito que consigamos adquirir ‘critério’:
“A mente disciplinada é aquela que dominou pelo menos uma forma de pensar – um modo distintivo de cognição que caracteriza uma determinada disciplina acadêmica, um ofício ou uma prodissão. Muitas pesquisas confirmam que leva até 10 anos para se dominar uma disciplina. A mente disciplinada também sabe como trabalhar de forma permanente, ao longo do tempo, para melhorar a habilidade e o conhecimento (…). Sem pelo menos uma disciplina em sua bagagem, um indivíduo estará fadado a dançar conforme a música dos outros”
E sem ela, não terá chance de alcançar duas das outras ‘mentes’ importantes: a sintetizadora e a criativa (justamente porque lhe faltará… critério).
Vejamos um exemplo* da falta que o critério faz. Você sentou no buteco com os seus amigos que começaram a contar histórias.
1 – Milton conta impressionado que um amigo de um amigo seu, especialista em história da música, afirma que pode identificar se uma página de partitura é da autoria de Haydn ou Mozart. E que quando é submetido a um teste, em 10 tentativas, ele acerta todas.
2 – Barbosa conta que quando morou na Inglaterra, ouviu o zelador falar da Mrs. Surewater, que só tomava chá com leite, e que afirmava que podia identificar numa xícara que lhe fosse servida, se o leite ou o chá foram despejados primeiro. E que quando foi submetida ao teste, em 10 tentativas, ela acertou todas.
3 – Por fim Fernandinho contou que o seu amigo Richard, bêbado em fim de festa, afirmava ter a capacidade para predizer o resultado do lançamento de uma moeda honesta. E que quando foi submetido ao teste, em 10 tentativas, ele acertou todas.
Em qual dessas histórias você acredita? E em qual delas pode acreditar?
A explicação necessitaria de um outro post (ou de uma série de posts). Mas vou tentar resumir a duas respostas.
A estatística clássica diz que você pode confiar em todas, que não há razão para duvidar de nenhuma das 3. Porque ela é o que chamamos de ‘frequentista’ e trata esses eventos como ‘estatísticos’, ou, melhor ainda, ‘repetitivos’. Assim, basta confrontar os resultados com a hipótese de que eles acertaram por pura sorte (h0: p=0,5) e verificar que, com base nesses resultados, eles são capazes de fazer o que dizem (e assim rejeitamos h0). Mas você fica tranquilo com essa conclusão? Você apostaria dinheiro que seu amigo acertará na próxima moeda lançada? Ou que poderá enganar Mrs. Surewater na proxima xicará de chá que lhe oferecer?
Minha experiência prévia, que construiu o meu critério, me diz para apostar apenas na habilidade do amigo do Milton, especialista em história da música, em identificar corretamente a próxima partitura. Ainda que eu não saiba história da música a ponto avaliar se ele é realmente um bom especialista, capaz de acertar sempre, minha experiência com a minha disciplina, me diz que se você estudar bastante um assunto, é capaz de acertar (quase) sempre. Os meus parcos conhecimentos de teoria do Caos e mecânica de fluidos me dizem que é impossível que Mrs. Surewater saiba o que está fazendo, assim como os conhecimentos de estatística que o cotidiano nos dá já são suficientes para saber que o Richard não tem a capacidade de adivinhar a moeda, não importa o que diga o resultado do teste t.
O dilema aqui está relacionado com a diferença entre lógica indutiva e lógica dedutiva. Não podemos propor essa questão a estatística clássica, por isso a resposta dela não é válida. Como são problemas de lógica indutiva, como os são as hipóteses científicas e a maioria das nossas situações do cotidiano, não há como a conclusão ser obrigatoriamente verdadeira a partir das premissas, ainda que, verdadeiras. E isso já é problema demais para resolver. Não avaliar corretamente nossas premissas, as informações para chegar a uma decisão, é desperdiçar todo esse esforço.
Algumas decisões são simples: ‘sim’ ou ‘não’, (o que não quer dizer que elas sejam fáceis, dados o alcance e a magnitude das consequencias) e você não precisa de mecanismos sofisticados de decisão. Por isso (e mesmo quando as opções de escolha são mais complexas), vale muito mais a pena investir em informação para eliminar incertezas.
No texto anterior eu falei do mundo saturado de informação em que vivemos, e que a Internet facilita o acesso a ela, mas não nos ajuda a seleciona-la. Isso significa que sem você na interface, o Google tem muito pouca utilidade.
O Google não é uma referência! É preciso investir em você, e no seu critério.
Só que agora você está pensando: “Que saco!”, ou “Socorro!” ou simplesmente que tudo isso dá muito trabalho. E dá mesmo. Ainda conseguimos sobreviver sem ter de aplicar métodos estatísticos para as decisões do nosso dia-a-dia. Mas cada vez mais precisaremos avaliar informação para tomar decisões importantes. Aquelas que afetam a nós e as pessoas a nossa volta.
Por isso, exercite sempre o seu critério. Ou você pode virar o próximo TSN.
*Adaptado do exemplo no livro de “Introdução a estatística Bayesiana” do professor Paul Kinas (FURG).

Terminei de ler… Gomorra

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Vira e mexe, quando quero argumentar o ponto de vista ‘biológico’ de alguma coisa, geralmente depois do 3o chopp em uma mesa de buteco, acabo recorrendo as EEE, ou Estratégias Evolutivamente Estáveis. Esse conceito é muito útil para mostrarmos a natureza amoral da natureza. Não tem o ‘certo’ e o ‘errado’. Tem o que dá certo e o que dá errado evolutivamente (ou seja, a longo prazo).
Para mim, o melhor exemplo é o do traficante carioca. Alguém conhece algum traficante com 80 anos? Pois é, eles podem ter sucesso a curto prazo, mas a longo, a estratégia de resolver os problemas atirando não é boa. Sempre terá alguém atirando mais que (e em) você.
A essa altura você já deve estar se perguntado o que isso tem a ver com o livro. “Gomorra”, de Roberto Saviano é o romance de um jornalista infiltrado na máfia napolitana, a terrível e temível Camorra. Depois de ler “Elite da Tropa”, que eu terminei no final do ano passado, fiquei com aquela sensação de “Meu Deus, quem manda no Rio são os grandes traficantes de drogas”. Só que depois de ler Gomorra, você fica com a sensação de que a máfia napolitana manda no mundo todo, devido a seus longos braços, que atravessam as fronteiras da itália para dezenas de países, com negócios lícitos e ilícitos nos 5 continentes.
Agora você deve estar se perguntando o que isso tem a ver com Biologia. Bom, a primeira coisa a ver é com o cientista. Primeiro que é importantíssimo para um cientista ler coisas que não sejam apenas artigos científicos. A prosa de Saviano é bastante interessante. O ritmo, a forma como ele relata os fatos sem envolvimento, ou com tanto envolvimento que chega a comover. Depois, porque mostra pra gente quando estamos perto da maluquice, já que mesmo lendo uma reportagem sobre a máfia napolitana, nossos cérebros não estão desligados da ciência. Nunca! É um trabalho non stop, 24h por dia, 7 dias por semana.
Atirem a primeira pedra os meus leitores cientistas, ou futuros cientistas, que foram assistir Avatar e não ficaram analisando científicamente c-a-d-a u-m dos elementos do filme. Eu sei, coisa de Nerd.
Um trecho de Gomorra fala exatamente do comportamento dos boss, ou dos chefes dos clãs, que sabem que serão presos ou mortos muito cedo, mas mesmo assim trabalham, lutam e matam para comandar. Correto? Mau? Ético? Talvez o mais importante é que não é, certamente, uma EEE, como fica claro no trecho a seguir:
“Poucos dias depois da prisão do primogênito do clã, seu rosto arrogante encarando as câmeras da TV gira pelos celulares de centenas de rapazes e moças das escolas de Torre Annunziata, Quarto, Marano. Gestos de mera provocação, de banal agressividade entre adolescentes. É verdade. Mas Cosimo sabia. Por isso precisava agir daquele jeito para ser reconhecido como chefe, para tocar o coração das pessoas. (…) Cosimo representa claramente o novo empresário do Sistema. A imagem da nova burguesia desvinculada de qualquer freio, movida pela absoluta vontade de dominar todo o território do mercado, de meter a mão em tudo. Não renunciar a nada. Fazer uma escolha não significa limitar o próprio campo de ação, privar-se de outras possibilidades. Não para quem considera a vida como um espaço onde se pode conquistar tudo, mesmo correndo o risco de perder tudo. Significa, inclusive, levar em conta a possibilidade de ser preso, de acabar mal, de morrer. Mas não significa renunciar. Querer tudo e mais e o quanto antes. É esta a força e o atrativo que Cosimo Di Lauro personifica. Afinal, se todos, mesmo os mais zelosos com a própria segurança, terminam na gaiola da aposentadoria, se todos, mais cedo ou mais tarde, se descobrem traídos e terminam com uma babá polonesa, por que morrer de depressão à procura de um trabalho tedioso? Por que se acabar num part-time atendendo telefone? (…) Ernst Jünger diria que a grandeza está sujeita à tempestade. (…) Quem diz que isso é amoral, que não pode haver vida sem ética, que a economia possui limites e regras a serem seguidas, é simplesmente quem não conseguiu comandar, quem foi excluído do mercado. A ética é o limite do perdedor, a proteção do destronado, a justificativa moral para aqueles que não conseguiram jogar tudo e conquistar tudo.”

Se não é uma EEE, podemos ter certeza que a longo prazo, não mais existirá. Talvez seja o único alívio queteremos ao livro. O resto é só soco no estomago, como esse trecho mostrou.
Mais adiante, Roberto fala daquele sentimento que todo pesquisador também experimenta em alguma momento, quando tem dados que são suficientes para causar estranheza, mas não são suficientes para tirar uma conclusão sólida. Veja:

“Muitos diziam que o SISDE (Serviço de Informação e de Segurança Democrática) era o único responsável pela prisão. O SISDE tinha intervindo, confirmaram as forças policiais, mas sua presença em Secondigliano era difícil, dificilima de acreditar. Sinais de alguma coisa que se aproximava muito da hipótese que seguiam alguns repórteres, ou seja, a de que o SISDE tivesse pago salário a diversas pessoas da região em troca de informação ou de não-interferência; eu tinha realmente ouvido isso em pedaços de conversa de bar. Homens que tomavam café ou cappuccino com croissants pronunciavam frases do tipo:

‘Já que você recebe dinheiro de James Bond…’
Ouvi duas vezes, naqueles dias, referências furtivas ou alusivas a 007, um fato muito pequeno e risível para dele se tirar qualquer conclusão, mas também muito incomum para passar despercebido.”
A diferença é que os jornalistas geralmente não pagam com suas carreiras por um palpite ou uma opinião infundada, enquanto os cientistas…
Mas o melhor (quer dizer, o pior) está no último capítulo ‘A terra dos fogos’, onde ele denuncia com incrível riqueza de detalhes e grande correção, os Business que se tornaram os depósitos clandestinos de lixo. Um crime ecológico e civil que eu acredito que biólogo ou não, cientista ou não, ninguém ficará insensível.

Acabei de ler… The Red Queen

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Como resolução de ano novo, antes de terminar o ano, começo uma nova coluna no blog: “Acabei de ler…” pra contar sobre os livros que estão saindo da cabeceira e indo pra estante.
E nada melhor pra começar do que The Red Queen: Sex and the Evolution of Human Nature de Matt Ridley.
Por duas razões. Primeiro porque estou há mais de um ano pra terminar de ler (sei que isso não sugere boa coisa, mas a segunda razão compensa) e segundo porque é, na minha opinião, ‘O’ livro que todo biólogo não pode deixar de ler.
Ele discute a existência (indiscutível) de uma natureza humana buscando (e encontrando) uma forte base biológica em comportamentos universais como por exemplo, como a moda e a fofoca. O fio condutor para isso é o sexo e a reprodução sexuada, a arma mais eficiente para combater nosso maior inimigo: as doenças. Ridley cita então o pesquisador americano Leigh Van Valen, que usou a metáfora da Rainha Vermelha do jogo de xadrez de ‘Alice através do espelho’ (veja aqui o excerto do livro que explica a metáfora) para ilustrar a corrida armamentista entre parasitas e hospedeiros
Ridley não é de forma alguma superficial ou leviano: contextualiza e referencia todas as suas informações (que é na verdade o que, no meu caso, dificulta um pouco a leitura do livro – junto com as letrinhas pequenininhas do texto). O livro é uma fonte de consulta primorosa para os biólogos e uma fonte de sérias provocações para o leitor leigo (como por exemplo, quando ele mostra que nenhum animal na natureza tem ‘preferência’ por um relacionamento sexual incestuoso, mostrando que a biologia desmente Freud quando ele diz que o complexo de Édipo é natural e freado apenas pela nossa razão). Eu tenho muitas, muitas páginas marcadas.
Pena que ainda não chegou por aqui, já que sem tradução, os milhares de nomes de pássaros, de outros animais, ou de parte deles (como a cauda do pavão “the peacock’s tale”) se tornam um dificultadores da leitura.
Ainda assim, é leitura obrigatória.

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