Contorcionismo

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Eu sei que os bons jornalistas não revelam suas fontes, mas eu sou biólogo e meus amigos biólogos são minhas principais fontes.
Foi num churrasco de final de ano da minha turma que ouvi uma das piadas mais engraçadas e didáticas até hoje: “Sabe qual é a definição de ‘Lingua’ no dicionário? Órgão sexual usado pelos antigos egípcios para falar!” Não é ótima?!
Quando aprendemos que na ponta da língua está a maior concentração de sensores de tato de todo o corpo humano, começamos a pensar se não é realmente um mal uso o que fazemos desse órgão tão nobre.
Um churrasco como o de ontem, para nos despedirmos da Alejandra, que nos deixará para viver grandes aventuras românticas e profissionais em New Orleans, me dá material para uns 3 meses de blogagem (ainda que no final do ano seja complicado manter o mínimo de um texto por mês).
Acompanhado de toda sorte de piadas politicamente incorretas sobre Batman e Robin, um dos assuntos foi o artigo recentemente publicado na excelente revista PLoS One sobre o habito sexual de morcegos de fruta Cynopterus sphinx, em que a fêmea lambe o pênis do macho durante a cópula. Eu já havia escrito sobre o hábito sexual de morcegos antes, e me interessei em dar uma olhada no artigo.
Eu e o mundo todo. Descobri que o artigo estava comentado nas páginas de ciência de jornais e blogs em todo mundo. Mas são sempre os mesmos “cortes e colagens” que impregnam a internet e contribuem muito pouco para o engrandecimento do espírito humano. Ao ler o artigo fiquei contente de ver que, ao contrário do artigo sobre a relação entre redemoinhos de cabelo e a homosexualidade, esse tinha conteúdo, era bem feito e realmente interessante.
“(…) enquanto um macho estava mastigando ou cortando folhas de palmeira para fazer sua tenda (…) uma fêmea voava para dentro, esticava as asas e movia a cabeça lentamente em direção ao macho, cheirando seu pescoço e rosto. Em seguida as cabeças se debruçavam e eles se lambiam mutuamente. Neste momento, o macho segurava a fêmea com os polegares, circulava em torno dela para encontrar a postura mais adequada para a cópula e terminava por trás da fêmea, com sua face voltada para o pescoço dela. Às vezes, a fêmea parecia resistir, e ate mesmo escapava acidentalmente, mas nesses casos o macho a perseguia até que a cópula fosse concluída. (…) Durante a cópula, o macho normalmente mantinha a fêmea presa pela nuca com a boca e segurava suas asas com os polegares. (…) e o casal avançava e recuava de forma rítmica e ininterrupta. (..) Após a conclusão da cópula, o macho lambia seu pênis durante vários segundos e permanecia na tenda fazendo uma auto-catação, raramente voando para longe. A fêmea também se catava após a cópula e, normalmente, ficava perto de seu companheiro.”
O que há nessa tradução livre do texto que pode ser encontrado no link abaixo, além de um eventual erro de inglês? O fato da descrição da cópula entre morcegos se assemelhar incrivelmente a descrição de uma cópula entre humanos! Ou você discorda?
Agora vem a curiosidade sobre essa espécie de morcego.
“Descobrimos que a fêmea abaixava a cabeça para lamber a haste ou a base do pênis do macho, várias vezes durante a cópula (veja o vídeo anexo). E nesses casos, nunca houve interrupção do coito. (…) A felação durava aproximadamente 20 s ou 10% do tempo da cópula. Houve uma forte correlação entre o intervalo de tempo em que a fêmea lambeu o pênis do macho e da duração da cópula e quanto mais a fêmea lambia o pênis de seu parceiro, mais longo era o coito. E mais frequente. Esses pares também passavam mais tempo copulando do que aquelas onde a fêmea não praticava a felação. Os resultados sugerem que o comportamento lambedor pode trazer vantagens evolutivas por prolongar o tempo de intercurso durante a cópula.”

Apesar da felação com propósito excitatório ser pouco documentada entre os animais, lamber as genitais é um hábito comum entre muitos, muitos, muitos mamíferos. Ela permite detectar se a fêmea está no cio e também a presença de odores indicativos da ‘presença’ de outros machos ou de doenças.
Mas qual seria o benefício da lambeção no morcego?

“O pênis dos morcegos contém tecido erétil (corpo cavernoso e corpo esponjoso) semelhante ao encontrado em primatas e humanos. O tecido eréctil é estimulado durante a cópula pela contração rítmica vaginal, que aumenta a rigidez do pênis e mantém a ereção por mais tempo. Nós supomos que a felação em C. sphinx aumenta a estimulação e o enrijecimento do pênis, mantendo a ereção do macho. Ao mesmo tempo, a saliva da fêmea pode aumentar a lubrificação, facilitando a penetração e as estocadas. Em conjunto, esses recursos podem prolongar a cópula.”

“A cópula prolongada ajuda no transporte do esperma da vagina para a trompa uterina, estimula a secreção da glândula pituitária feminina e, consequentemente, aumenta a probabilidade de fertilização. A cópula prolongada também pode ser um método de manter o par, já que após a cópula os parceiros segregam para formarem grupos unissexuais que persistem até a próxima temporada de acasalamento. (Menos romantico, porém muito eficiente) A felação confere benefícios bactericida e ajudar na prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, tanto para as fêmeas quanto os machos, já que a saliva apresenta, além da clássica atividade antibacteriana, propriedades antifúngicas, anticlamidicas e antivirais. E finalmente, o sexo oral pode facilitar a identificação de pistas químicas ligadas ao fato de histocompatibilidade, que tem sido associado a escolha de companheiros.”
Mas meu ponto é o seguinte. Um grande esforço é feito por milhares de cientistas sociais, sociólogos, antropólogos e psicólogos, para estabelecer as bases culturais das ações humanas por trás de ritos como o sexo. O homem começou a falar aproximadamente 60.000 anos atrás e a escrever apenas 5.000 anos atrás. A seleção natural é um modelo muito mais eficiente para explicar esses comportamentos, geração após geração, espécies após espécie, por milhões e milhões de anos.
Com todas essas semelhanças entre homens e morcegos, a única coisa realmente curiosa aqui é como essa fêmea consegue se contorcer a ponto de alcançar a própria vagina.
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Tan M, Jones G, Zhu G, Ye J, Hong T, Zhou S, Zhang S, & Zhang L (2009). Fellatio by fruit bats prolongs copulation time. PloS one, 4 (10) PMID: 19862320

As travessuras dos genes egoistas

Durante uma espera de 6h no aeroporto do Rio, que me levou direto para a livraria mais próxima (e depois pra pizzaria mais próxima e pro chopp mais caro do Rio), o título do novo livro do Mário Vargas Llosa me chamou atenção: “As travessuras da menina má”. O livro foi devorado em 3 dias.

Mas o que isso tem a ver com a biologia? O egoísmo da “menina má” e o altruísmo do bom menino, talvez pelo seu desmedimento, me levaram a pensar nessas duas características como estratégias de vida. Não, eu não sou o primeiro a pensar nisso. Existe todo um ramo da biologia chamado sociobiologia que fala muitíssimo a esse respeito. Nem sempre com muita propriedade, é verdade, mas fala (não sei se é exatamente uma falta de propriedade. Talvez apenas uma forçação de barra. Quando tentamos encontrar uma explicação para uma fato que já aconteceu, é sempre fácil encontrar uma que seja plausível). E a sociobiologia exagera.

A cooperação entre indivíduos da mesma espécie tem sido tema muito controverso. Veja as abelhas e as formigas. Parece que existe muita cooperação entre elas. Mas olhando por outro ângulo, o que existe é escravidão. E você pode pensar que a rainha é uma felizarda que come geléia real. Mas quem come geléia real mesmo são as larvas das abelhas, e a rainha é uma pobre coitada cuja única função no universo é colocar ovos. Um depois do outro! Até morrer.

Eu teria de ler novamente o “Gene egoísta” pra poder ir a fundo no tema com vocês, mas vamos tentar simplificar: O Richard Dawkins desenvolveu essa teoria de que nós somos maquinas, robôs desengonçados, controladas pelos nossos genes. E o único objetivo deles fazer maquinas cada vez melhores para desempenhas a sua função primordial: passar os genes adiante. Na verdade, essa não seria a função primordial e sim a única função! Comer, pensar, sentir… todo o resto serve apenas para gente poder passar os genes adiante. E tudo que entre no caminha desse objetivo primordial, deve ser relevado a segundo plano. Por isso, o egoísmo é a estratégia mais importante para o indivíduo. Somos egoístas por natureza, mas também por causa dos nossos genes. Então como explicar a cooperação entre os indivíduos? Como explicar o altruísmo?

A questão é que nós temos genes em comum com outros indivíduos da nossa espécie. Condividimos 50% dos nossos genes com nossos pais e irmãos, 25% com nossos primos e assim por diante. Se continuássemos na verdade chegaríamos a razões ínfimas de compartilhamento de genes (com um primo de 8º grau chegaria a 1/250), mas alguns estudos mostram que temos pelo menos 1/8 dos nossos genes semelhantes aos de qualquer outra pessoa na rua. É justamente essa semelhança que faz com que os nosso genes, “egoístas” por natureza, nos permitam esses comportamentos altruístas.

Quais comportamentos? Os pássaros que quando encontram um predador ao invés de se esconderem e salvar a própria vida, gritam, chamando atenção para si, mas salvando as vidas dos outros indivíduos do bando, por exemplo. Mas todos vocês devem ter um monte de outros exemplos de atos de altruísmo, até de heroísmo.

Não acho que precisamos dos genes para explicar os comportamentos sociais. Mas com o mundo lindo e estranho em que vivemos, é tentadora a idéia de que o altruísmo é apenas uma outra face do egoísmo. Ainda que não expliquem a “niña mala” ou o bom menino do Vargas Llosa, porque afinal não dá pra explicar maus tratos e tortura, ainda que psicológica, daria pra explicar muitas das belezas estranhas que encontramos no nosso caminho.

Somos todos egoístas. O que determina a nossa capacidade para o altruísmo é nossa história de vida. Talvez o número de “niñas malas” ou “bons meninos” que a gente encontra pelo caminho.

O importante é que você não seja apenas egoísta ou altruísta. Ser apenas egoísta ou apenas altruísta é uma estratégia ruim (por ruim devemos entender, menos eficiente a longo prazo), que uma mistura balanceada dos dois. E por isso a gente quebra a cabeça tentando determinar o equilíbrio exato entre um e outro.

O que eu acho que é mais importante é a gente não se enganar. Se você quer ser egoísta, tente não disfarçar de altruísmo. Criar confusão é uma estratégia ruim se o seu objetivo não é despistar, confundir e fugir. Pensando, pensando, vamos ver que os meninos bons devem ser mais egoísta que as “niñas malas”.

Reconhecer nossos egoísmos é reconhecer nossa humanidade. E nossa natureza animal. Mas exercitar o altruísmo, alem de bonito, e útil também.

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