A "Cúpula – da ingenuidade – dos Povos"
Moro no Rio de Janeiro e como não poderia deixar de ser, fui visitar a ‘Cúpula dos Povos’, o evento paralelo da Rio+20 montado no Parque do Flamengo. Em 1992, ainda estudante de biologia, eu também estive lá. Daquela vez, vi Jacques Cousteau falando do problema da superpopulação, show do Ney Matogrosso e um monte de outras coisas legais. Mas dessa vez… foi uma frustração só.
Estava mais para uma feira exotérica de artesanato do que para um evento sério, organizado pelas Organização das Nações Unidas, para discutir o futuro da humanidade em busca de “justiça social e ambiental”. Sim… porque se você acha que ‘Economia solidária’ é vender bijuterias e roupas compradas em Vilar dos Teles ou na Rua Teresa (imagem acima) no Aterro do Flamengo, e que isso contribui para a preservação do ambiente… você está redondamente enganado. Índios de mentirinha (imagem abaixo) cantando “Pra não dizer que não falei das flores” junto com mulheres européias usando a ‘terceira visão’ dos hindus e metalúrgicos da CUT. Diretores de ONGs, as mais estapafúrdias possíveis, discutindo sem a menor propriedade, assuntos como violência urbana, educação, saúde etc.
Abre parênteses: Em uma das palestras que eu assisti, um belga diretor de uma ONG de gestão de conflitos no RJ, criou uma teoria com base em uma discussão que observou de um casal em Amsterdã, de que a violência no Rio era gerada por dois mundos dentro da cidade ‘gritando’ um para o outro para serem ouvidos – e que então uma ONG que trabalhasse a ‘comunicação’ entre esses dois mundos contribuiria para o fim da violência (minha amiga Alba Zaluar, antropóloga especializada nas questões que envolvem a violência no Rio, ficaria de cabelos em pé). Fecha parênteses.
Os sem-saúde pedindo um SUS de qualidade, estatal e gratuito; os sem-escola pedindo educação pública de qualidade e gratuita; os sem-terra pedindo reforma agrária de terras públicas de qualidade e gratuitas… Justiça social custa dinheiro. Justiça ambiental custa dinheiro. O evento no Parque do Flamengo é um grande exemplo da ingenuidade dos povos e mostra bem porque a Rio+20 será, do ponto de vista da obtenção da justiça social e ambiental, um fracasso.
É possível que esse fracasso seja explicado pela própria inexequibilidade da proposta: justiça social dificilmente pode caminha com justiça ambiental por uma questão simples: não há como o ambiental suportar uma população de 7 bilhões de pessoas (e crescendo) com ambos. É termodinamicamente impossível! Mas parece que ninguém que está ali sabe disso.
É como escreveu o meu amigo Carlos Eduardo Lima: “Sou biólogo. Estive observando várias matérias sobre a Rio+20 e (…) Assim como na Eco92, vejo vários assuntos importantíssimos sobre Ecologia sendo debatidos por jornalistas, políticos, empresários, engenheiros, médicos sanitaristas, médicos em geral, estudantes, sociólogos, advogados, diplomatas, economistas e etc. Só não vejo o ÚNICO profissional qualificado prá falar do assunto: o biólogo. Eu não posso prescrever um remédio, projetar uma ponte, defender uma causa e etc, mas todo mundo pode dar pitaco sem entender NADA de Ecologia e falar/fazer besteira a 3 por 2.”
Ecologia não é uma ciência política e nem social. Não é uma questão econômica e nem depende de orientação política ou religiosa. Nem de moda. É uma ciência biológica, passível de observação e experimentação pelo método científico. É um trabalho para biólogo! Vai lá… para agrônomo, para oceanógrafo, para meteorologista, para químico, para físico. Um problema ecológico não tem “ponto de vista”. Não é passível de “interpretação”. Sim, existe complexidade, existe incerteza, existem teorias conflitantes. Mas tudo isso é pra ser discutido por quem entende disso: o Biólogo.
Depois… é que os políticos podem entrar para discutir e determinar se querem ou se não resolver o problema. Sim, porque a solução sempre vai: a) custar dinheiro e b) beneficiar alguns grupos e prejudicar outros. Não é uma tarefa fácil. Mas ignorar as variáveis científicas em prol de dados maquiados somente a torna mais difícil.
A melhor atração da Cúpula dos Povos estava em outro parque, o do Museu da República. Uma instalação mostrando lixo. Nada no estilo artístico Vik Muniz, não. Era lixo mesmo! E fedia! Um corredor montado com parte do lixo que cada pessoa produziu desde a Rio 92 até a Rio+20. Uma média de 7 toneladas!!!
Em 1992 a população da Terra era de 5,5 bilhões de pessoas. Hoje é de 7 bilhões! Se cada pessoa produz de 0,6 a 1kg de lixo por pessoa por dia, faça as contas… Logo, logo não haverá espaço no planeta para tanta gente e tanto lixo.
Esqueça o aquecimento Global, que, cientificamente, não passa de um grande conto de fadas (veja o parênteses abaixo). O problema do mundo é o excesso de humanos.
Abre parênteses: Se você ainda acha que as geleiras estão derretendo, que o nível do mar está subindo e que o planeta está esquentando, assista a excelente entrevista do professor Ricardo Augusto Felicio da USP no programa do Jô Soares em 02/05/2012.
E se ao final não estiver convencido (muita gente se irrita com o tom jocoso dele e por isso ignora a enorme quantidade de fatos científicos que ele passa), procure se informar sobre o fenômeno chamado ‘Mínimo de Maunder’ e que mostra que o Sol brilhou menos durante 40 anos no século XVII em um fenômeno completamente imprevisível. Fecha parênteses.
Riqueza ou Criatividade
ZF – Quanto custou isto?
GL – A economia do futuro é meio diferente. Não existe dinheiro no século 24.
ZF – Não existe dinheiro? Então, você não é pago?
GL – A aquisição de fortuna não é mais uma motivação para nós.
GL – Procuramos nos aperfeiçoar… e ao resto da humanidade.
Todo ano escrevo um post de retrospectiva, para fechar o ano. Esse ano resolvi escrever um post de perspectiva, para abri o ano. Um com uma perspectiva ampla.
Esse diálogo, entre o excêntrico personagem Zefram Cochrane (interpretado por James Cromwell) e o engenheiro Geordi La Forge (interpretado por LeVar Burton) me marcou profundamente quando assisti Jornada nas Estrelas: O primeiro contato em 1996. Ele construíra a primeira nave da humanidade capaz de fazer a ‘dobra espacial’ (viajar a velocidade da luz), a Phoenix, a partir de um antigo míssil nuclear, tendo se tornado um ícone em toda galáxia, com universidades, cidades e até mesmo planetas com o seu nome. No entanto, sua única motivação para criar o mecanismo que nos deixaria ir “audaciosamente onde nenhum homem jamais esteve“, era… ficar rico. A ideia (será que algum dia vou me acostumar a escrever ideia sem acento?) de que o acumulo de riqueza não deveria mais ser um objetivo a ser perseguido era incrível, simplesmente, porque o acumulo de riqueza não faz o menor sentido como estratégia evolutiva.
Ela está no centro da questão do aquecimento global e das mudanças climáticas. No centro da questão da poluição. Vocês sabem que a minha opinião sobre esses assuntos é contoversa. Para mim, a resposta para os problemas foi dada e eu gosto de duas em especial que considero representativas: Jacques Cousteau, quando defendeu na conferência das nações unidas para o meio ambiente de 1992 no Rio de Janeiro o controle da natalidade como forma de defesa do meio ambiente: “O pavio ligado à explosão populacional já está queimando. Nós temos menos de dez anos para apagá-lo. É preciso uma mobilização mundial para evitar o big-bang populacional.” Ele foi um dos poucos a ter coragem de pronunciar o termo ‘controle da população humana’ já que a igreja católica havia, meio que proibido, que o tema fosse tratado na conferência. Também gosto muito do excelente artigo de Slesser de 1993, que mostra que apenas a redução no consumo é capaz de reduzir as emissões de CO2 para a atmosfera:
“Tornou-se cada vez mais claro para nós que, para alcançar a sustentabilidade, seria necessário uma troca entre consumo, índices de crescimento e o que nós fazemos com nossa riqueza.” “(…) estimular de forma tanto nuclear como renovável (altamente solar) a energia e reduzir ponderadamente o consumo a um crescimento de não mais de 0.05% ao ano acima investimento em crescimento industrial [permite o] crescimento do setor de serviços (2%). E Funciona! [Lentamente] mas funciona. Logo no início do século podemos observar declínios na produção de dióxido de carbono (…) [com] padrão e qualidade de vida (produção de setor de terciário) mantidos bem altos.”
A idéia pode parecer moderna, quase ficção científica, mas não é: os atenienses foram os primeiros a propor e experimentar uma sociedade onde a busca da riqueza material não era um objetivo. Platão e Aristóteles foram os primeiros primeiros a registrar essas idéias no papel.
“Poucos milhares de homens, que povoaram por algumas dezenas de anos uma região praticamente estéril, que viveram vidas breves e inseguras, em bairros imundos, em casas desconfortáveis, ainda assim, permitiram a sua espécie – a espécie humana – um salto de qualidade todavia não superado seja pela criatividade política e social que pela criatividade estética e especulativa” diz o sociólogo Domenico de Masi no livro “Criatividade” – cuja leitura até o final é uma das minhas resoluções de ano novo.
“A filosofia, a matemática, a teoria musical, as ciências naturais, a medicina finalmente desvinculada da magia, a ética, a política, a estória, a geografia, a psicologia, a anatomia, a botânica a zoologia, a física, a biologia fizeram mais progresso teórico naqueles 100 anos do que nos milhares de séculos precedentes.” completa de Masi.
(A Escola de Atenas, de Raffaello)
É verdade que Aristóteles, em seu ‘Tratado da política‘ defendia que alguns homens haviam nascidos para serem escravos. Se conseguirmos nos desvencilhar do problema moral para seguir a lógica de Aristóteles veremos que ela está correta: “Não é possível praticar as virtudes da política conduzindo a vida de um operário, de um assalariado… Nós chamamos trabalhos operários aqueles que modificam a disposição do corpo e os trabalhos remunerados que impedem a elevação e a facilidade de espírito”. Imagino que muitos estejam se remexendo nas cadeiras enquanto lêem isso porque provavelmente o significado dos termos ‘política’, ‘operário’, ‘assalariado’ para nós tem significados diferentes. Mas Domenico de Masi lembra que 2000 anos depois, na obra prima de Tocqueville ‘Democracia na América’, o mesmo pensamento reaparece, talvez de forma mais palatável para nossos dias: “Quando um operário se dedica continuamente e unicamente a fabricação de apenas um objeto, termina por desenvolver este trabalho com destreza singular, mas perde, ao mesmo tempo, a faculdade geral de aplicação do seu espírito na direção do trabalho. Ele se torna cada dia mais hábil e menos industrioso e, se se pode dizer, o homem se degrada a cada passo que o operário se aperfeiçoa.”
Aristóteles considerava que, entre os diversos tipos de trabalho, “os mais mecânicos eram aqueles que deformavam o corpo, os mais servis aqueles que se fundamentam somente no uso do corpo e os mais ignóbeis aqueles que requerem um mínimo de capacidade espiritual.” Para ele “devem ser considerados ignóbeis todas as obras, profissões e ensinamentos que rendam inadequados as obras e ações da virtude, o corpo ou a inteligência do homem livre. Portanto, todos os trabalhos que prejudicam as boas condições do corpo devem ser chamados de ignóbeis, como também os trabalhos assalariados, porque privam a mente do ócio e a fazem pequena”.
Apesar do que você pode pensar, Aristóteles não apreciava ou encorajava a preguiça, a ociosidade a apatia ou a inércia. Muito pelo contrário! De Masi diz que Aristóteles acreditava na nobreza do trabalho intelectual que acontecia nos limites entre o estudo e o jogo, na excelência da reflexão filosófica e na atividade mental que se exprime através da política e da arte. O que de Masi chama de ‘Ócio Criativo’.
Mas como é possível dedicar-se ao ócio criativo sem morrer de fome?
Para Aristóteles e para os ‘clássicos’ a resposta é simples: “Acima de tudo, é preciso reduzir ao mínimo o desejo por objetos e serviços, de todos os supérfluos bens materiais. De luxo, isto é, ostentação de riqueza, é até desnecessário dizer; a verdadeira habilidade é a razão e o único verdadeiro luxo é a sabedoria. Reduzida a necessidade de bens materiais, se reduz também a necessidade de trabalhadores.”
Vivemos em um mundo em crise, onde só a criatividade pode nos salvar da bancarrota. Mas enquanto estivermos preocupados em comprar o último modelo de iPhone, com uma assistente pessoal que não fala português e não entende os seus comandos de voz (além de fazer julgamentos morais sobre suas perguntas) não podemos pensar em soluções criativas para os problemas que temos e teremos de enfrentar. E continuaremos produzindo gases do efeito estufa.
Slesser, M. (1993). Is an environmentally sustainable future for the European Community compatible with continued growth: carbon dioxide and the management of greed Science of The Total Environment, 129 (1-2), 191-203 DOI: 10.1016/0048-9697(93)90170-B
Diário de um Biólogo – Domingo 13/12/2009 – LOST na Ilha
Sempre fico contente quando sou convidado para uma apresentação. Dizem que com o tempo a gente vai se acostumando com os convites, e que em algum momento eles até chateiam mais do que agradam. Ainda não aconteceu comigo. Mas fico ainda mais contente quando o convite é pra ir a Florianópolis. Talvez porque fique sempre na esperança de que ‘dessa vez’ vou conseguir conhecer as belezas da ilha. Mas quer o destino que todas as vezes que me chamaram para ir lá, o tempo fosse apertado. Mas especificamente das últimas 3 vezes eu fiquei menos de 24h.
Quando o pessoal da EAD da Biologia me chamou para abrir a capacitação docente deles no dia 14/12 eu pensei… tinha que ser… A jornada científica do laboratório terminava no dia 13 de manhã e o curso que tinha de dar em Recife começava dia 14 a tarde. Sabia que ia ficar novamente menos de 24h.
Apertei daqui, apertei dali e consegui chegar em Floripa as 13h de Domingo, com a passagem para Recife no dia seguinte, as 12h. Um bom professor sabe o que tem de fazer quando o tempo é curto: selecionar o que vai fazer, porque quando a gente tenta fazer tudo o resultado é sempre pior. Então estava decidido: dessa vez ia conhecer a Praia Mole, que eu tanto já tinha passado em frente.
Esse paraíso dos surfistas está ao lado da famosa Praia da Joaquina, perto da Lagoa da Conceição.
Abre parenteses: O surf é um recalque que eu tenho. Nunca consegui ficar em pé na prancha (ainda que, verdadeiramente, tenha tentando só uma ou duas vezes). Quando assisti ‘Caçadores de emoção” pela primeira vez, prometi a mim mesmo que aprenderia antes dos 30. Quando assisti pela 58a vez, me prometi que seria antes dos 40. Ainda tenho dois anos. Fecha parenteses.
Meu hotel era no centro, perto da universidade. Então talvez motivado pela recente palestra do Paulo Saldiva no TEDxSP, talvez lembrando dos meus tempos de duro quando desenvolvi a teoria de que a melhor forma de se conhecer uma cidade é andando de ônibus errado, ou simplesmente desanimado com a hipótese de pagar uns R$50,00 de táxi pra ir a praia, resolvi ir de ônibus.
Quando consegui chegar na praia, quase 4h depois (eu disse quatro, 4, q-u-a-t-r-o horas depois) entendi varias coisas: a primeira é (e esse é o link desse post com a biologia) que vamos continuar tendo aquecimento global, porque com esse tipo de transporte público nas cidades, quem puder escolher, vai de carro. E olha que eu não estou falando de uma cidade do interior: é uma capital de estado e um dos principais destinos turísticos do país. A volta foi um transtorno similar. Felizmente eu estava revigorado pela beleza da Praia Mole.
Ainda assim, como cheguei muito tarde de volta no hotel, tive de abortar o chopp com o Petrucio para terminar minha apresentação pro dia seguinte. Valeu a pena, mas da próxima vez, vou pedir o meu hotel na Mole mesmo.
Paulo Saldiva – Exclusão e racismo ambiental (TEDxSP) from Monkey Business on Vimeo.