Terminei de ler… A Grande Ostra
Ao final de ““A Grande Ostra”” de Mark Kurlansky hesitei em escrever uma resenha. Quando me encomendaram minha primeira resenha a Sonia me disse: “se for pra meter o pau no livro, eu não quero. Escreva sobre o que há de bom nele”.
Certamente há muita coisa legal em ““A Grande Ostra”“, mas a minha dúvida era ‘pra quem’?
Pra começar, pra quem não percebeu, o título é um trocadilho com o apelido de Nova York, chamada de “a grande Maça” (The Big Apple) e é um tipo de ode a cidade que nunca dorme (como diria o Sinatra). Um tipo de “Carnaval no Fogo” do Ruy Castro, de Nova York.
O livro começa com uma citação bonitinha de Eleanor Clarck, autor de ‘The Oysters of Locmariaquer’ (1959): “Se você não ama a vida, é claro que não pode gostar de ostras”.
E conta como o descobridor da cidade, o explorador Inglês, Henry Hudson, que empresta nome ao Rio que margeia a cidade, se impressionou com o tamanho e a abundância das ostras do porto da cidade. “Ostras do tamanho de um pé” diziam os colonizadores. O livro procura contar a história da intima relação entre Nova York e o mar e o mar através das ostras. Uma história que não tem um final feliz.
“Se, ao comer uma ostra provamos o gosto do mar, comer uma de Nova York era provar o gosto de seu porto, o que se tornou cada vez menos atraente. A ostra era o elo de união entre Nova York e o mar, e isso eventualmente se rompeu. Hoje os nova-iorquinos comem menos ostras, mas ainda assim as comem, ainda que vindas de outros locais, e quando pensam no mar, imaginam outros lugares”.
O autor conta várias histórias de Nova York desde o seu descobrimento. Claro, privilegiando as tabernas, restaurantese e o início da cultura culinária e gastronômica. Mas junto com os hábitos alimentares, vem os hábitos de vida e a despreocupação com a limpeza e a higiene mostram o nascimento de uma cidade que só iria se preocupar os danos, depois que eles já estavam feitos.
O livro conta um pouco dos Sambaquis, depósitos arqueológicos de conchas de moluscos enterradas próximas a costa e que são importantes para estudar os hábitos de vida e hábitos alimentares das antigas populações. E ali aprendi que a preocupação do homem com o tamanho é mais antigo do que podemos imaginar:
“É fato conhecido que quanto mais fundo os arqueólogos cavam, maiores são as conchas que encontram. As grandes conchas da base da pilha são mais antigas que as menores do topo, o que demonstra que, contrariando a crença popular, antes da chegada dos europeus, os povos da região já esgotavam os viveiros. As conchas maiores encontradas no fundo, descritas como “ostras gigantes”, medem de 20 a 30 centímetros. Isso sugere que os relatos holandeses de ostras medindo o mesmo que um pé eram apenas ligeiramente exagerados.”
Ele dá uma bela aula da biologia das ostras, com informações que eu, estudando esse bicho a mais de 10 anos, ainda não havia lido em nenhum lugar, entre elas, uma receita para ‘alimentar’ as ostras, uma coisa que se vocês já tentaram ter uma em casa, descobriram que não é nada fácil.
“Para alimentar as ostras: Coloque-as na água, limpe com uma escova feita de galhos de bétula até que estejam bem limpas; depois as ponha com o fundo para baixo numa panela, pulverize com farinha ou aveia esal e cubra com água. Faça a mesma coisa todos os dias e elas irão engordar. A água deve ser bem salgada.”
As ostras eram abundantes e baratas e podiam ser vendidas em barraquinhas na rua (muito antes dos ‘hot dogs’), nos grandes mercados ou nos restaurantes chics, como o Domenico’s. A exploração dos viveiros naturais gerou a criação de leis e quando mesmo assim eles começaram a esgotar, os nova-iorquinos se tornaram os primeiros e os melhores criadores de ostras do mundo, exportando não só para todos os Estados Unidos, como para a Europa.
“Para acrescentar ainda mais à arrogância do ser humano, no século XIX se descobriu que o homem podia fazer ostras melhor do que a natureza. Isso é extraordinário. Acriação de peixes e a domesticação de animais, na opinião de muitos epicuristas, cria produtos inferiores. Isso porque os animas de criação, e nisso incluímos os peixes, ficam mantidos em vidas sedentárias e são alimentados em vez de procurar seus alimentos. Mas não é isso o que acontece com a ostra cultivada. Em seu estado natural, a primitiva é tão ativa quanto uma planta, e a cultivada vive o mesmo tipo de vida, se alimenta dos mesmos nutrientes e no mesmo ritmo que sua antecessora.”
Mas os barcos a vapor, os cortiços, o lixo, o esgoto, tudo ia parar no porto de Nova Iorque e a competição foi demais para as ostras, que desapareceram.
“A verdade é que milhões de pessoas produzem detritos demais para coexistir com milhões de ostras. O esgoto em estado bruto continuou a ser jogado no porto, apesar de a estação de tratamento de Coney Island ter sido modernizada em 1935. As modernas estações de tratamento de lixo como essa e 15 outras construídas nos 50 anos seguintes produziram um subproduto chamado “lama residual”, um poluente menos tóxico que o esgoto bruto, mas despejado a apenas 6 quilômetros do litoral.”
Ficaram pelo menos as receitas, que são muitas ao longo de todo livro:
Ostras quentes na meia concha
Abra as ostras como na receita “Ostras frias na meia concha”, arrume a concha funda numa assadeira e coloque no forno bem quente ou no fogo alto até que estejam bem quentes. Depois, coloque sobre cada uma colher de chá de manteiga, uma pitada de pimenta-de-caiena e uma ostra crua. Ponha a assadeira no forno um minuto, vire a ostra na manteiga e sirva na concha Imediatamente, quatro ou cinco no prato de cada convidado. Osucesso depende da rapidez com que for preparado. Pão preto e manteiga, ou bolachas de água e sal, são servidos com as ostras, seja no almoço ou jantar.</strong>
O livro é uma curiosidade e a não ser que você seja um amante de ostras e de Nova Iorque eu não consigo imaginar exatamente porque você teria interesse neste livro. Mas eu tive e quem sabe você também pode ter.
Certamente há muita coisa legal em ““A Grande Ostra”“, mas a minha dúvida era ‘pra quem’?
Pra começar, pra quem não percebeu, o título é um trocadilho com o apelido de Nova York, chamada de “a grande Maça” (The Big Apple) e é um tipo de ode a cidade que nunca dorme (como diria o Sinatra). Um tipo de “Carnaval no Fogo” do Ruy Castro, de Nova York.
O livro começa com uma citação bonitinha de Eleanor Clarck, autor de ‘The Oysters of Locmariaquer’ (1959): “Se você não ama a vida, é claro que não pode gostar de ostras”.
E conta como o descobridor da cidade, o explorador Inglês, Henry Hudson, que empresta nome ao Rio que margeia a cidade, se impressionou com o tamanho e a abundância das ostras do porto da cidade. “Ostras do tamanho de um pé” diziam os colonizadores. O livro procura contar a história da intima relação entre Nova York e o mar e o mar através das ostras. Uma história que não tem um final feliz.
“Se, ao comer uma ostra provamos o gosto do mar, comer uma de Nova York era provar o gosto de seu porto, o que se tornou cada vez menos atraente. A ostra era o elo de união entre Nova York e o mar, e isso eventualmente se rompeu. Hoje os nova-iorquinos comem menos ostras, mas ainda assim as comem, ainda que vindas de outros locais, e quando pensam no mar, imaginam outros lugares”.
O autor conta várias histórias de Nova York desde o seu descobrimento. Claro, privilegiando as tabernas, restaurantese e o início da cultura culinária e gastronômica. Mas junto com os hábitos alimentares, vem os hábitos de vida e a despreocupação com a limpeza e a higiene mostram o nascimento de uma cidade que só iria se preocupar os danos, depois que eles já estavam feitos.
O livro conta um pouco dos Sambaquis, depósitos arqueológicos de conchas de moluscos enterradas próximas a costa e que são importantes para estudar os hábitos de vida e hábitos alimentares das antigas populações. E ali aprendi que a preocupação do homem com o tamanho é mais antigo do que podemos imaginar:
“É fato conhecido que quanto mais fundo os arqueólogos cavam, maiores são as conchas que encontram. As grandes conchas da base da pilha são mais antigas que as menores do topo, o que demonstra que, contrariando a crença popular, antes da chegada dos europeus, os povos da região já esgotavam os viveiros. As conchas maiores encontradas no fundo, descritas como “ostras gigantes”, medem de 20 a 30 centímetros. Isso sugere que os relatos holandeses de ostras medindo o mesmo que um pé eram apenas ligeiramente exagerados.”
Ele dá uma bela aula da biologia das ostras, com informações que eu, estudando esse bicho a mais de 10 anos, ainda não havia lido em nenhum lugar, entre elas, uma receita para ‘alimentar’ as ostras, uma coisa que se vocês já tentaram ter uma em casa, descobriram que não é nada fácil.
“Para alimentar as ostras: Coloque-as na água, limpe com uma escova feita de galhos de bétula até que estejam bem limpas; depois as ponha com o fundo para baixo numa panela, pulverize com farinha ou aveia esal e cubra com água. Faça a mesma coisa todos os dias e elas irão engordar. A água deve ser bem salgada.”
As ostras eram abundantes e baratas e podiam ser vendidas em barraquinhas na rua (muito antes dos ‘hot dogs’), nos grandes mercados ou nos restaurantes chics, como o Domenico’s. A exploração dos viveiros naturais gerou a criação de leis e quando mesmo assim eles começaram a esgotar, os nova-iorquinos se tornaram os primeiros e os melhores criadores de ostras do mundo, exportando não só para todos os Estados Unidos, como para a Europa.
“Para acrescentar ainda mais à arrogância do ser humano, no século XIX se descobriu que o homem podia fazer ostras melhor do que a natureza. Isso é extraordinário. Acriação de peixes e a domesticação de animais, na opinião de muitos epicuristas, cria produtos inferiores. Isso porque os animas de criação, e nisso incluímos os peixes, ficam mantidos em vidas sedentárias e são alimentados em vez de procurar seus alimentos. Mas não é isso o que acontece com a ostra cultivada. Em seu estado natural, a primitiva é tão ativa quanto uma planta, e a cultivada vive o mesmo tipo de vida, se alimenta dos mesmos nutrientes e no mesmo ritmo que sua antecessora.”
Mas os barcos a vapor, os cortiços, o lixo, o esgoto, tudo ia parar no porto de Nova Iorque e a competição foi demais para as ostras, que desapareceram.
“A verdade é que milhões de pessoas produzem detritos demais para coexistir com milhões de ostras. O esgoto em estado bruto continuou a ser jogado no porto, apesar de a estação de tratamento de Coney Island ter sido modernizada em 1935. As modernas estações de tratamento de lixo como essa e 15 outras construídas nos 50 anos seguintes produziram um subproduto chamado “lama residual”, um poluente menos tóxico que o esgoto bruto, mas despejado a apenas 6 quilômetros do litoral.”
Ficaram pelo menos as receitas, que são muitas ao longo de todo livro:
Ostras quentes na meia concha
Abra as ostras como na receita “Ostras frias na meia concha”, arrume a concha funda numa assadeira e coloque no forno bem quente ou no fogo alto até que estejam bem quentes. Depois, coloque sobre cada uma colher de chá de manteiga, uma pitada de pimenta-de-caiena e uma ostra crua. Ponha a assadeira no forno um minuto, vire a ostra na manteiga e sirva na concha Imediatamente, quatro ou cinco no prato de cada convidado. Osucesso depende da rapidez com que for preparado. Pão preto e manteiga, ou bolachas de água e sal, são servidos com as ostras, seja no almoço ou jantar.</strong>
O livro é uma curiosidade e a não ser que você seja um amante de ostras e de Nova Iorque eu não consigo imaginar exatamente porque você teria interesse neste livro. Mas eu tive e quem sabe você também pode ter.
"Seu cérebro de ostra!"
Já ouvi pessoas fazendo esse tipo de ofensa umas as outras. Mas será que é realmente uma ofensa ter um cérebro de ostra? Ou pior, ostra tem cérebro?
A pergunta parece boba mas não é simples de responder. Pelo menos 3 dos meus amigos maiores especialistas em neurobiologia, incluindo o Dr. Stevens Rehen, a Dra. Marília Zaluar e a maior especialista do mundo em sistema nervoso de invertebrados, a Dra. Silvana Allodi, não sabiam, de cara, a resposta. Tive então eu que me virar pra descobrir.
A ajuda, mais demorada que inesperada, veio de um antigo livro de 1964 sobre (e entitulado) “A ostra americana Crassostrea virgínica” de Paul Galsoft. Essa é a prima norte americana da ostra de mangue, Crassostrea rhizophorae, que pode ser vista na foto acima e que eu tenho certeza que tantos de vocês apreciam na praia ou em restaurantes chiques. O livro traz um capítulo inteiro sobre o sistema nervoso das ostras.
Mas curiosamente, a primeira coisa que me chamou atenção não foi a solução do mistério. Foi a linguagem do texto. Vocês, que como eu acabam lendo muito sobre ciência, também não percebem a diferença gritante no estilo de escrita dos artigos e textos técnicos dos anos 40-60 para os atuais? Sem a pressão do ‘Publicar ou Percer’ nas costas, os cientistas eram ótimos contadores de histórias, e a ciência era muito melhor comunicada. Os textos eram sim mais longos, mas não por isso prolixos. Eram contextualizados e tinham o necessário para serem fluidos, como uma legibilidade (aprendi ontem essa propriedade dos textos) difícil de encontrar hoje em dia.
Galsoft começa falando que o sistema nervoso é bastante simples, com um gânglio cerebral na parte anterior (perto da ‘dobradiça da ostra, onde também está a boca) e um gânglio visceral na parte posterior (onde a concha se abre e onde estão tambémoutros órgãos importantes como as brânquias, o músculo adutor, intestinos, etc). Ambos estão conectados por uma longa fibra nervosa e deles partem diversos nervos para as outras partes do corpo.
Mesmo simples, ou talvez justamente por isso, é um lindo sistema nervoso. Não estou brincando… é L-I-N-D-O! Veja o esquema abaixo. Se fosse uma tatuagem nas costas de uma menina na praia todos estariam perguntando quem teria sido o designer de um tribal tão bacana (bom, talvez não usassem uma gíria antiga como essa). Mas tenho certeza, que jamais imaginariam que eram os neurônios da ostra.
Diferente de outros bivalves, de vida (mais ou menos) livre, como mexilhões e vieiras, as ostras não possuem pé (sim, os mexilhões tem pé) e olhos (sim, os coquilles tem olhos) e seus únicos órgãos dos sentidos são mínusculos tentáculos na borda do manto.
Abre parênteses: o manto é um órgão dos bivalves com muitas funções: secreta a concha, participa da reprodução e ajuda a proteger os órgãos internos. Fecha parênteses
Apesar de pequenos, os tentáculos são muito sensíveis se retraindo com a passagem de sombras ou feixes de luz, e capazes de perceber mínimas quantidades de drogas, excesso de material particulado em suspensão variações de temperatura e de composição da água do mar.
Em uma seção de métodos, pouco frequente em um livro texto que não seja um manual, ele fala sobre a grande dificuldade de se estudar o sistema nervoso, e dá uma receita para se observar os nervos explicando também o porquê e o para quê de cada passo, como minha querida amiga Cristine gostaria que fossem todos os protocolos.
Ele diz: “Em preparações bem sucedidas, o nervo violeta escuro é visível contra a massa visceral semi-transparente.” E com uma impressionante sinceridade, impossível em um artigo nos dias de hoje, continua: “Na minha experiência o método se mostrou caprichosamente laborioso e não completamente confiável”.
Mas o mistério mesmo da história do ‘cérebro’ das ostras é o Órgão Palial. Pequenino, no formato (e no tamanho) de uma vírgula, – como esta aqui que passou, só que com muitos cílios na cabeça arredondada -, até 1964 nenhum experimento tinha sido capaz de explicar a sua função ou o seu funcionamento. Por isso, as especulações iam desde “um importante papel no controle da frequencia da respiração” até a “detecção de perturbações mecânicas” ou de alterações químicas na água.
E foi tentando elucidar esse enigma que me deparei com o final feliz, que não está no sistema nervoso, mas sim no circulatório. Como nas ostras o manto, além das funções que eu já listei, também dá uma mão na respiração, é necessário um complexo movimento de vai-e-vem do sangue (na verdade hemolinfa) nas veias e artérias dessa região. E para controlar esse movimento, a ostra possui dois ‘corações auxiliares’, que funcionam independente do coração principal. Mas fraco no inverno, e como bom carioca, mais forte no verão.
Então, se algum dia alguém disser que você tem cérebro de ostra, torça, pelo menos, pra ter coração também.