Que bichinho é esse? Que plantinha é essa?


Por trás dessas perguntas simples, que certamente estão entre as mais escutadas por qualquer biólogo, está um dos maiores problemas da biologia: a classificação dos seres vivos

A taxonomia é a parte da biologia que se ocupa em identificar e nomear os organismos e grupos de organismos. Ela faz isso utilizando características que são comuns a esses grupos. Quanto mais características comuns, mais os mesmos organismos avançam na escala de classificação. A classificação mais ampla é a de domínio, mas nem mesmo nessa existe consenso. A maior parte considera apenas procariotos e eucariotos. Mas há aqueles que reconheçam o domínio Arquea, com bactérias tão antigas quanto a Terra e que diferenças fisiológicas e morfológicas que os caras julgam como suficientes para a separação. Depois vem os reinos, que podem ser cinco (ou seis dependendo do autor): Monera (as bactérias de novo), protista (os eucariotos unicelulares, principalmente os protozoários), Fungi (ótimos em pizzas e macarronadas), animal (com movimento próprio) e vegetal (sem movimento próprio), protista, monera).

Depois vem os Filos (ou para os puristas, fila no plural em latim). Classe, ordem, família e gênero são todos degraus dessa escala taxonômica. O nível taxonômico mais alto em que não se pode ser mais ou menos inclusivo é o de espécie: um conceito importantíssimo na biologia, mas que continua insuficientemente bem definido. Pode ser a forma como as pessoas leigas se referem a diferentes tipos de organismos: Cães são de uma espécie e gatos são de outra. Pode ser a nomenclatura binomial padrão criada por Carl von Linné através da qual cientistas se referem ao organismos: Canis familiaris e Felis Catus.

As espécies são geralmente definidas como um grupo com muitas características em comum, mas a principal é que eles são capazes de se reproduzir entre si e formar uma prole fértil. No caso dos animais superiores isso quer dizer que eles são capazes de trocar genes uns com os outros, uma idéia subjacentes ao conceito de espécie e muito importante. No entanto, em muitos, muitos casos, essa medida não é adequada e é necessário usar parâmetros com maior poder de distinção, como similaridade do DNA ou traços modificados localmente.

Geralmente, a distinção entre diferentes espécies, ainda que muito próximas, é relativamente simples. O cavalo (Equus caballus) e o burro (Equus asinus) são facilmente separados mesmo sem estudo ou treino. No entanto, eles são tão próximos que podem cruzar. Mas como a prole resultante, a mula, não é fertil, eles são claramente separados como espécies.

Abre parênteses:

Se você é biólogo, corre o risco de já ter visto a Mula Rouca, um outro ‘híbrido’, só que muito mais ‘fértil’, como vocês podem ver no vídeo abaixo.

Fecha parênteses.

Para Darwin, espécie era “um termo arbitrário dado por conveniência a um grupo de indivíduos que se parecem muito…ele não difere, essencialmente, do termo variedade, que é dado para formas menos distintas e mais flutuantes. O termo variedade, novamente em comparação com uma mera diferença individual, é também aplicado arbitrariamente por pura conveniência.”

A dificuldade de definir espécie reside na dificuldade fundamental da biologia de identificar partes dentro de um todo. Apesar da visão mecanicista de Descartes, os organismos não são uma máquina, mas sim um ‘contínuo’, que torna muitas vezes dificílimo, e algumas vezes mesmo impossível, determinar onde termina uma e começa outra. Essa dificuldade não se restringe as partes e também existe para diferenciar um organismo inteiro, ou uma espécie, de outro.

Isso acontece porque a evolução é, em si, um processo contínuo e muitas vezes a separação entre duas espécies está em um gradiente que dificulta a determinação de onde começa e onde termina.

Existem alguns mecanismos de especiação. Formas que nós, ao olharmos para a natureza, identificamos como responsáveis pela formação dos diferentes grupos de indivíduos. A anagênese é quando a evolução atua dentro da espécie, selecionando novas adaptações por um processo Darwiniano de seleção natural. A cladogênese leva a formação (mais drástica?) de novas espécies, também pelo processo darwiniano de seleção natural. Qual a diferença entre as duas? Talvez seja a forma como elas ocorrem. O isolamento reprodutivo, quase sempre gerado por um isolamento geográfico, é a principal maneira de gerar especiação. Para o grande biólogo evolucionista Ernst Mayr as espécies “representam grupos de populações isolados (ou potencialmente isolados) reprodutivamente”. O isolamento é tão importante que para ele era o que efetivamente definia a espécie.

Mas esses conceitos bem definidos foram perdendo força a medida que os botânicos foram encontrando muitas ocorrências de híbridos (até entre gêneros) que tornou a definição biológica de espécie menos atraente e depois, totalmente ineficiente. Os microbiologistas também tiveram muitos problemas com essa definição, já que microorganismos não apresentam tantas diferenças morfológicas, ainda que suas funções bioquímicas possam ser muito diferentes.

Finalmente, os zoólogos que trabalham com animais em isolamento geográfico, o que acontece muito com peixes perenes em poças e lagos, descobriram também uma desconexão entre o isolamento geográfico e reprodutivo que os levou a optar pelos critérios morfológicos do isolamento geográfico para classificarem seus indivíduos. A confusão se instaurou e foi necessária a criação de outros conceitos. Hoje existem quase tantas definições de espécie quanto espécies. Tudo bem, esse foi um exagero. Existem pelo menos 1,5 milhões de espécies descritas e algo como umas 27 definições de espécies. Espécie filogenética, baseada na separação genealógica de grupos de populações por características derivadas comuns; espécie molecular, baseada na separação por semelhança de DNA, proteínas ou vias metabólicas; espécies morfológicas, ecológicas…

Esse peixinho meio sem graça é o Phalloceros caudimaculatus, que se diferencia de outros do seu genero apenas pela macula/mancha na cauda. Já o nome do gênero vem do enorme pênis em forma de chifre que ele apresenta

Cada definição tem seus prós e contras. No entanto, não podemos dizer que existe um conceito universal, aceito por todos. Ou melhor, que possa ser aplicado por todos.

Quando é assim, é quase impossível acertar. Ou não errar. Então, o melhor é definir antes, o que você considera como espécie. Ou onde começa uma divisão e termina a outra. Pode não estar certo, mas você não cria mais um problema.

Posso tirar uma flor da árvore?

'Fiori di Zucchini', especiaria da cozinha PiemonteseÉ uma pergunta que comporta um simples sim ou não como resposta, mas seria um desperdício, por que há tanto para se falar sobre esse assunto.

Mas eu quero começar introduzindo uma nova pergunta: Pra que tirar a flor da árvore? É pra comer? Não deve ser, já que não são muitas as receitas com flores (mas se vocês passarem pela região do Piemonte na Itália, não deixem de provar “Fiori di zucchine”). Então deve ser pra enfeitar. E é certo arrancar a flor da árvore pra enfeitar, por exemplo, a mesa onde vamos comer as flores de abóbora?

Vou fazer outra pergunta (daqui a pouco eu chego lá no ponto que interessa). Os elefantes podem tirar flores de árvores? Ou melhor, os elefantes podem derrubar árvores inteiras quando em manada correm pela savana (ah… você achava que eles desviavam)? Sendo mais delicado, é certo que abelhas retirem o néctar das flores? É errado que cupins alterem a paisagem dos pastos construindo cupinzeiros?

Uma das questões que se esconde por trás de retirar uma flor da árvore é a existência de certo ou errado na natureza, que como eu já falei antes, não existe. O que existem são estratégias que se mostram viáveis (eficientes) ou não em longo prazo.

O homem não deveria ser nem melhor, nem pior que o elefante, ou a abelha, que não estão nem ai pra natureza. Pra eles não existe certo ou errado. Mas eles puderam, por tentativa e erro, ao longo do tempo, descobrir se uma estratégia era viável ou não. Se pensarmos em TODAS as espécies que já habitaram o planeta terra, 99,9999% já se extinguiram. É um número bastante impressionante e mostra que o homem, por mais que esteja acelerando esse processo, não muda o fato que, assim como a morte é a única certeza da vida para um organismo, a extinção é a única certeza de uma espécie. Independentemente (e inclusive) do homem.

Os eventos que consideramos danosos a natureza (radiação, contaminação, incêndios, competição) sempre foram importantes mecanismos para controlar o tamanho das populações e criar a variabilidade que, eventualmente, gerou a grande biodiversidade que encontramos hoje no planeta.

A inteligência humana ainda não foi capaz de compreender como funciona a sua consciência, mas permitiu o homem desenvolver um ego grande o suficiente para se considerar à parte da natureza. Algo do tipo “bicho é bicho, gente é gente”. O que vem do homem não é natural. Que besteira!

Essa idéia tem levado a noção de que o homem é que está destruindo a natureza. De que somos os “vilões” e que estamos “errados”. Só que julgamos esse “errado” de acordo com a moral judaico-cristã predominante no mundo ocidental. Para reparar esses “erros” criamos parques nacionais, reservas biológicas e áreas intocadas, para compensar a destruição que fazemos em todos os outros locais. No entanto, a moral judaico-cristã não se aplica a natureza! Não é muito diferente do que fazer sacrifícios aos Deuses para que um vulcão não entre em erupção. E o vulcão… insensível ao sacrifício… explode do mesmo jeito!

Ainda que o homem esteja fazendo algum estrago, se considerarmos as mudanças pelas quais o planeta passou nos últimos 3 bilhões de anos, vemos que o potencial do homem para destruir a Terra é bem menor, muito menor, extremamente menor, do que o potencial da Terra para destruir o homem. Toda a humanidade! Se você não acredita em mim, pense nos últimos tornados, ciclones, secas, enchentes, terremotos e tsunamis. Na verdade, as áreas do planeta que apresentam maior diversidade de animais e plantas não são os parques e reservas. São justamente aquelas áreas onde comunidades humanas tradicionais (índios, ribeirinhos…) coexistem com a natureza.

Retirar uma flor da árvore, para qualquer fim que seja, não é errado. E não vai causar um desequilíbrio ecológico. Então enfeite sua mesa, enfeite sua vida!

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