Apagar das luzes

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No dia 13 de Junho último os italianos foram as urnas num plebiscito para decidir sobre a imunidade do primeiro ministro, a privatização dos serviços de água e o fim do uso da energia nuclear.
Anos atrás, quando eu morava na Itália, lembro de ver uma reportagem da Veja que dizia que a Itália estava se tornando o Brasil, numa espécie de ‘de volta para o futuro’ ao contrário (ou ‘avante para o passado’) com todas as semelhanças entre Berlusconi e os políticos brasileiros e toda a vergonha da política italiana.
Ainda que eu entenda o sentimento de revolta de um povo contra a fogueira das vaidades de seus governantes, e a manifestação desse através da sua única arma que é o voto. Só temo que, para contrariar Berlusconi, os italianos tenham atirado no pé ao votar contra o uso energia nuclear.
É claro, não foram e não são só os italianos. Os Estados Unidos já fecharam algumas usinas nucleares (mas ainda assim possuem 104!), a Suécia vai fechar as suas, assim como a Alemanha. O mundo está todo assustado por causa do que aconteceu com o Japão. Mas eu acho que tomar decisões estratégicas em momentos de alarme é (quase sempre) um grande erro. Dá pra tomar uma decisão levando em conta a probabilidade de um terremoto? Vou discutir isso no post seguinte. Me deixem voltar a questão nuclear.
Duas semanas atrás tive oportunidade de mediar uma mesa redonda sobre ‘O futuro da matriz energética brasileira’ na XV Semana de Biologia da UFRJ com a participação de Ivan Pedro Salati de Almeida da CNEM, Frederico de Meirelles Pereira do IB/UFRJ e Marcelo Motta da Geografia da PUC-RJ. Numa apresentação contundente, Ivan Salati mostrou que o mundo e o Brasil precisarão de mais energia. E por N razões, não podemos prescindir do uso da energia nuclear. Esse post não é para discutir os prós e contras dessa energia, por isso não vou aprofundar a discussão.
Abre parênteses: Sinceramente… acho que não há discussão: se quisermos que todos tenham acesso aos avanços tecnológicos e ao conforto proporcionado por eles, além de água para beber e ar para respirar, vamos precisar do nuclear! (rimou). Fecha Parênteses.
O risco da energia nuclear, que apavora todos, principalmente aqueles que moram nas redondezas de Angra 1, 2 e 3; como eu e qualquer outro dos 12 milhões de habitantes da grande Rio de Janeiro não deve ser comparado com o risco de outras fontes de energia. Deve ser comparado com a nossa vontade de andar de metro, de elevador, de escada rolante. De ver os holofótes do Maracanã acessos quando o Vascão entra em campo, de organizar Olimpíadas, de usar forno de microondas e chuveiro elétrico, de ter 37 spots de luz apenas na sala de estar de 21 m2 como queria a minha arquiteta. Mas o Greepeace não fala nada disso quando faz propaganda contra a energia nuclear. Aliás, se eu estivesse em Roma e ao visitar o Coliseu visse uma faixa gigantesca do Greenpeace cobrindo o monumento, eles já perderiam o meu voto.
“James Cameron perdeu uma grande oportunidade de mostrar ao mundo uma civilização biotecnologicamente avançada, que utiliza os recursos da floresta para gerar riqueza” disse o Marcelo Motta na mesa redonda. Um dos responsáveis pelo Estudo de Impacto Ambiental da controversa hidroelétrica de Belo Monte, ele falou que Avatar foi um retrocesso na mentalidade ambiental do mundo. “Não sabemos aproveitar nada da Floresta. Não investimos nada em conhecimento da Floresta”. Estamos utilizando um modelo ultrapassado de gerar riqueza. Em alguns, talvez não muitos, seremos uma China, que segue o mesmo modelo, só que numa velocidade arrasadoramente alta, fruto da disponibilidade de um bilhão de mãos para trabalhar.
A Floresta pode dar tanto, mas não estamos investindo nada para entender o que, como e para que podemos explorar a floresta. É um claro resultado da ‘exclusão científica’ da nossa população: ao invés de inovar ciência e tecnologias limpas, criar demanda e padrões, usamos a força bruta para aproveitar o máximo que pudermos, enquanto pudermos, com as tecnologias existentes e que já exauriram recursos em outros lugares. Ai, construímos siderúrgicas em Sepetiba, para deixarmos funcionar só com a licença provisória. Instalamos Angra III, que se já era obsoleta quando foi comprada 40 anos atrás, imaginem agora.
Se a Sigourney Weaver quer se vestir de azul para protestar contra alguma coisa, que seja contra a igreja proibir o uso de métodos contraceptivos. Não há crescimento que seja sustentável!

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O (in)determinismo biológico

A chegada em Rio branco impressionou pelo cheiro de terra molhada e o barulho de grilos em pleno aeroporto. Na manhã seguinte, pela janela do hotel se via floresta por todos os lados.

Mas até as 10 da manhã nenhum pesquisador da UFAC tinha feito contato conosco. Como tínhamos apenas dois dias, comecei a ficar preocupado com a produtividade e utilidade da visita. A gente da cidade grande, que nem eu, têm pressa.

Depois de muito tempo consegui falar com o ex-coordenador da pós graduação, dr. Alejandro Gonzales, um cubano com doutorado na antiga URSS, mas que se apaixonou pelo Acre. Um pouco mais tarde conseguimos finalmente falar com o Dr. Foster Brown, um americano que lecionava no Rio, mas se que também se apaixonou pelo Acre e hoje vive aqui, estudando queimadas e, acreditem, dando palestras para os militares da ABIN. Por último, falamos com a dr. Annelise, uma gaúcha, que, adivinhem, se apaixonou pelo acre, e hoje está grávida de 6 meses dele.

Essa terra parece despertar muitas paixões. Na praça principal da cidade, um monumento com uma bandeira enorme diz “há mais de 100 anos, brasileiros esquecidos por sua pátria, lutaram a a revolução para defender o Acre dos invasores”. Mas porque essa terra hoje parece ser feita apenas por pessoas de fora? Por que os acreanos da revolução não estão na universidade?

É meu segundo dia aqui e me lembrei do Puruzinho, da sensação diferente de tempo que temos na cidade grande, e que, mesmo sem entrar na floresta, sentimos aqui. O tempo aqui é diferente.

Mas a gente sabe que o tempo não é diferente, então o que é? São as pessoas?

Estou lendo esse livro muito legal que fala (questionando) da “ideologia do determinismo biológico”. Que no século XIX a ciência e a seleção natural ajudaram a sustentar uma ideologia de que a sociedade hierárquica era um “fenômeno natural”, já que cada um de nós se distingue nas suas habilidades fundamentais por causa das nossas “diferenças inatas”, diferenças essas que são biologicamente herdadas.

O livro aponta estudos que mostram que cerca de 60% das crianças filhas de trabalhadores de “colarinho azul”, permanecem sendo trabalhadoras do colarinho azul e 70% dos filhos de trabalhadores de “colarinho branco”, seguem sendo de colarinho branco. Para eles, geralmente as crianças de frentistas de postos de gasolina, pedem dinheiro emprestado enquanto filhos de magnatas do petróleo emprestam.

Mas isso justifica uma ideologia do determinismo biológico? Não, ela justamente contraria. As crianças não conseguem sair do seu meu devido a seus fatores inatos ou a hierarquia histórica? Nenhum cientista duvida mais que é devido a segunda alternativa. E o ambiente, histórico e natural, passam a ser o fator determinante.

Então temos que perguntar: o que será que acontece no ambiente amazônico para que, 100 anos depois da revolução acreana, as pessoas de lá continuem fora das universidades?

O clima quente era a resposta preferida dos europeus para justificar a “preguiça” e o “sub-desenvolvimento” dos povos indígenas das Américas e da África. Mas isso já está totalmente ultrapassado. Vocês já leram “Armas, Germes e aço”? É um livro interessantíssimo. Ele conta estudos que mostram, por exemplo, que aborígines australianos, quando tem o mesmo treinamento em lógica que os descendentes de europeus, conseguem, em média, se saírem melhor na obtenção de empregos. Sugerindo, mesmo, que os aborígines são mais inteligentes. Eles apenas foram menos treinados nas tarefas que nós julgamos desenvolvidas.

A resposta da biologia moderna para esse problema, assim como para todos os outros, são os genes. Tudo estaria nos genes. Estaria? Se estudarmos bem o genoma humano vamos descobrir qual o gene que faz os Amazonenses não se chegarem a universidade? Não é bem assim. Essa é na verdade a resposta de alguns biólogos modernos que ganham montes de dinheiro com os projetos genomas.

A capacidade de observar o ambiente, aprender com ele e modifica-lo para se adequar a nossas necessidades, é uma das nossas capacidades inatas que nos faz humanos. Ora, se observar, aprender e modificar são capacidades inatas e é justamente isso o que faz um cientista, então a ciência é uma das nossas capacidades inatas. Somos todos cientistas!

Então porque em áreas onde a natureza é tão exuberante, o treinamento em lógica é menos eficiente?

A verdade pode ser que o ambiente exuberante pode ser também ameaçador. E nesse ambiente ameaçador não há “tempo” para o treinamento em lógica. Sobreviver é a ordem do dia. Cada dia. Todo dia.

A inevitabilidade da luta pela sobrevivência em um ambiente inóspito deixa a busca de alternativas para compreender e modificar o ambiente em segundo plano. Ficar pensando a melhor forma de produzir mandioca pode significar perder a época do plantio e morrer de fome. Então… todo mundo planta, ninguém pensa e a vida continua. Aqui tudo é natural.

“Aqui eu faço diferença” foi a resposta de um dos “estrangeiros” que conheci no Acre. “É por isso que eu estou aqui”. Apesar do ambiente inóspito não inspirar o treinamento em lógica, esse treinamento pode fazer toda a diferença para essas populações, respeitadas suas tradições culturais.

Não são os genes que fazem toda a diferença, é a escola!

Posso tirar uma flor da árvore?

'Fiori di Zucchini', especiaria da cozinha PiemonteseÉ uma pergunta que comporta um simples sim ou não como resposta, mas seria um desperdício, por que há tanto para se falar sobre esse assunto.

Mas eu quero começar introduzindo uma nova pergunta: Pra que tirar a flor da árvore? É pra comer? Não deve ser, já que não são muitas as receitas com flores (mas se vocês passarem pela região do Piemonte na Itália, não deixem de provar “Fiori di zucchine”). Então deve ser pra enfeitar. E é certo arrancar a flor da árvore pra enfeitar, por exemplo, a mesa onde vamos comer as flores de abóbora?

Vou fazer outra pergunta (daqui a pouco eu chego lá no ponto que interessa). Os elefantes podem tirar flores de árvores? Ou melhor, os elefantes podem derrubar árvores inteiras quando em manada correm pela savana (ah… você achava que eles desviavam)? Sendo mais delicado, é certo que abelhas retirem o néctar das flores? É errado que cupins alterem a paisagem dos pastos construindo cupinzeiros?

Uma das questões que se esconde por trás de retirar uma flor da árvore é a existência de certo ou errado na natureza, que como eu já falei antes, não existe. O que existem são estratégias que se mostram viáveis (eficientes) ou não em longo prazo.

O homem não deveria ser nem melhor, nem pior que o elefante, ou a abelha, que não estão nem ai pra natureza. Pra eles não existe certo ou errado. Mas eles puderam, por tentativa e erro, ao longo do tempo, descobrir se uma estratégia era viável ou não. Se pensarmos em TODAS as espécies que já habitaram o planeta terra, 99,9999% já se extinguiram. É um número bastante impressionante e mostra que o homem, por mais que esteja acelerando esse processo, não muda o fato que, assim como a morte é a única certeza da vida para um organismo, a extinção é a única certeza de uma espécie. Independentemente (e inclusive) do homem.

Os eventos que consideramos danosos a natureza (radiação, contaminação, incêndios, competição) sempre foram importantes mecanismos para controlar o tamanho das populações e criar a variabilidade que, eventualmente, gerou a grande biodiversidade que encontramos hoje no planeta.

A inteligência humana ainda não foi capaz de compreender como funciona a sua consciência, mas permitiu o homem desenvolver um ego grande o suficiente para se considerar à parte da natureza. Algo do tipo “bicho é bicho, gente é gente”. O que vem do homem não é natural. Que besteira!

Essa idéia tem levado a noção de que o homem é que está destruindo a natureza. De que somos os “vilões” e que estamos “errados”. Só que julgamos esse “errado” de acordo com a moral judaico-cristã predominante no mundo ocidental. Para reparar esses “erros” criamos parques nacionais, reservas biológicas e áreas intocadas, para compensar a destruição que fazemos em todos os outros locais. No entanto, a moral judaico-cristã não se aplica a natureza! Não é muito diferente do que fazer sacrifícios aos Deuses para que um vulcão não entre em erupção. E o vulcão… insensível ao sacrifício… explode do mesmo jeito!

Ainda que o homem esteja fazendo algum estrago, se considerarmos as mudanças pelas quais o planeta passou nos últimos 3 bilhões de anos, vemos que o potencial do homem para destruir a Terra é bem menor, muito menor, extremamente menor, do que o potencial da Terra para destruir o homem. Toda a humanidade! Se você não acredita em mim, pense nos últimos tornados, ciclones, secas, enchentes, terremotos e tsunamis. Na verdade, as áreas do planeta que apresentam maior diversidade de animais e plantas não são os parques e reservas. São justamente aquelas áreas onde comunidades humanas tradicionais (índios, ribeirinhos…) coexistem com a natureza.

Retirar uma flor da árvore, para qualquer fim que seja, não é errado. E não vai causar um desequilíbrio ecológico. Então enfeite sua mesa, enfeite sua vida!

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