A universidade é o carrasco da ilusão da sociedade
Eu adoro a jornalista Eliane Brum. Acho até que amo. Não, está mais pra uma fixação. Tudo começou com o artigo dela “Meu filho, você não merece nada!”. Espetacular! Depois li aquele sobre o ‘Criacionismo‘, sobre a usina de “Belo Monte“, e depois um monte de outras coisas. Não bastasse ser inteligente e perspicaz, ela é bonita (mesmo com aquele sotaque de gaúcha que, vamos lá, não combina tão bem com mulheres bonitas). Comecei a segui-la no Twitter e, eventualmente, cheguei até a sua entrevista no programa provocações da TV cultura. Excelente! Suas opiniões sobre a morte e a coluna prestes são fortes e bem embasadas. “Quando eu vejo alguma coisa interessante, eu raspo a minha poupança, pego todo o meu dinheiro e vou lá, porque eu não falo do que eu não vi”. Por isso tudo, fiquei triste, bem triste, quando ao final do programa, perguntada pelo Abujarana sobre a academia, ela respondeu “a universidade está distante da sociedade”. E nem foi só assim, a seco. Foi com um certo desdém. O mesmo desdém com que eu, por exemplo, falo do congresso nacional.
Só que não fiquei não só triste. Fiquei também preocupado: “Se uma jornalista do calibre dela tem essa opinião da universidade, qual será a opinião que o resto das pessoas tem?” Mas mais do que isso, me perguntei: “Será que ela está certa mesmo?“
Falar mal da universidade, principalmente das públicas, é chutar cachorro morto: remuneração ruim, abandono, burocracia, lentidão… Mas ainda assim são ilhas de saber e conhecimento e um porto seguro quando se trata de questões práticas que requerem saber ou tecnologia. Seja na área do ensino, das engenharias, do meio ambiente ou da saúde. Discutir porquê a universidade está longe da sociedade é muito relevante no momento em que os professores das federais param em greve.
A universidade está sim, distante da sociedade. Mas sempre que alguém diz isso, como quando a Eliane Brum disse, parece que a culpa é da universidade. Será que é? A responsabilidade pela distância entre a academia e a sociedade é da universidade? Ou, no mínimo, será que é SÓ da universidade?
Eu sou da opinião de que só a opinião das pessoas conta pouco, ou muito pouco, e, por isso, devemos observar o que as pessoa fazem, não o que elas dizem ou querem. E se eu olho a nossa sociedade, o que eu vejo é que o primeiro eletrodoméstico de uma família é a TV, mesmo que seja uma família muito, muito pobre do sertão do cariri, mesmo antes da geladeira. Vejo qu
e o Brasil é reconhecido no mundo, hoje, por Paulo Coelho e Michel Teló (já foi por Carmem Miranda e Pelé), que temos muito mais horas por semana de programas religiosos na TV (190h) mesmo do que de esportes (50h), notícias ou entretenimento (Ciência tem míseras 8,5h). E que o BBB e o Ratinho são campeões de audiência. Como uma sociedade assim pode se aproximar da universidade (e vice-versa)? O que a universidade tem a oferecer a essa sociedade? Podem me chamar de preconceituoso, mas quando paro para pensar na resposta a essa pergunta, quase me desespero. Chego a conclusão que muito pouco ou quase nada. Tirando o diploma, o documento em si (e não o conhecimento associado a ele), acho que a sociedade não reconhece na universidade nada que possa interessar a ela.
Vejam, não estou dizendo que é verdade ou que eu concor
do com isso (que a universidade não tem nada a contribuir com a sociedade). E vou dar um exemplo prático. O ministério da educação, quando instituiu a Universidade Aberta do Brasil, o fez seguindo um modelo semi-presencial, que incluía a criação de pólos presenciais em parceria com as prefeituras, onde os alunos a distância pudessem usufruir de uma série de serviços como biblioteca, aulas práticas e tutoria. O governo federal financiaria, de diversas maneiras, esses pólos para as prefeituras que submetessem projetos. Mas… nada! As prefeituras simplesmente não submeteram porque… infelizmente… não há pessoas, na maioria das prefeituras dos mais de 5.000 municípios brasileiros, capazes de ler um edital e escrever um projeto adequado a ele. Isso vale também para outras áreas como saneamento básico, segurança pública e meio ambiente. Uma colaboração entra a prefeitura e a universidade mais próxima, qualquer uma, pública ou privada, poderia facilmente preencher essa lacuna e permitir o acesso a esses recursos que trariam benefícios diretos e visíveis a população.
A sociedade consome os produtos da ciência, mas
é avessa a sua filosofia. Por falta de educação, provavelmente. Afinal, temos apena 14% dos nossos jovens entre 18 e 24 anos na universidade (menos que a bolívia!). Aproximadamente o mesmo percentual de outros jovens mais jovens na escola. O que podemos esperar dessa população, a não ser que por algumas gerações a distância continue grande?
O Brasil tem um povo sofrido, explorado, que tem na esperança a única ferramenta para a paz de espírito, para lidar com a incerteza de uma vida em uma das sociedades com pior distribuição de renda e índices de corrupção do mundo. O Brasileiro sabe, sempre soube, aprendeu, a ter fé e usar a fé para combater a incerteza. A universidade usa a ciência para combater a incerteza, reduz a esperança, e mostra que o trabalho e a razão são mais importantes que a oração; que a educação combate a corrupção, mas que para aprender, tem que estudar e tem que trabalhar. É muita coisa. (Principalmente quando nossos políticos usam a estratégia da religião: prometem reco
mpensas enormes e colocam a responsabilidade na fé do cidadão, sem precisarem prestar contas dos resultados). A ciência mostra que as recompensas não podem ser tão grandes, que precisam ser conquistadas com trabalho e precisam, a todo momento, serem postas a prova. A ciência acaba com a esperança de sucesso fácil, mas mostra que o sucesso é mais provável com trabalho.
E é demais. O que eu tenho percebido é que o golpe da ciência na esperança é forte demais, e não sobra nada em pé para que uma sociedade literal e digitalmente excluída construa em cima. O golpe na esperança é fatal e quando vem a ciência em cima, não há mais nenhum terreno para fecundar. Se você não entendeu o que eu quis dizer com isso, pode ser que essa tirinha ajude.
É isso… a ciência é o carrasco da ilusão, que mata junto a esperança. Haja coração!
Aprendendo a se importar
Mais um ano letivo vai terminando. E mais do que em outros anos, me assusturam as salas vazias. Na pauta, 67 alunos; na sala, 14 alunos. Como é que pode?
Não sou daqueles politicamente corretos que não usam certas palavras por prevenção. Então me pergunto: de quem é a culpa? A responsabilidade eu sei: é dos alunos. São eles que não aparecem e eles que levantam no meio da aula e vão embora, para atender o telefone, comer, ir no banheiro, porque não estão entendendo nada, porque acham que podem copiar do colega ou buscar no google, porque já não assistiram as outras aulas mesmo. Ou, simplesmente, por que não estão nem ai.
Mas e a culpa? Será que é do professor? Não são bons? Não sabem a matéria? Não sabem dar aula? São chatos?
Uma coisa é certa. Na verdade duas coisas são certas. A primeira é que o professor não sabe mais tudo (já soube algum dia?). E o trabalho dele não é mais saber tudo para passar isso para o aluno. O trabalho dele não é nem mesmo ‘fazer um resumo’ para o aluno do que é mais importante, porque a quantidade de informação no mundo é tanta, que qualquer resumo é superficial e individual. A segunda é que o Google, os slides da aula e as anotações do caderno do colega não substituem o professor.
Então entrar na UFRJ e passar pelo curso de graduação, no caso dos meus alunos em Biologia ou Biofísica, achando que você não tem nada a aprender, ou que porque os métodos são meio antiquados o que você pode aprender ali não vai fazer diferença na sua vida, é um grande, um enorme, um gigantesco erro.
Duas outras verdades: A primeira é que muitos dos alunos só vão descobrir isso quando for tarde demais. Quando a competição (sim, porque em algum lugar tem alguém estudando mais, prestando atenção em um professor que não é tão ‘cool’ quanto o facebook da sua namorada, ou lendo aquele ‘livro careta’) tiver atropelado ele na corrida pela bolsa de mestrado ou pelo posto de trabalho. Ou talvez nem isso, já que muitos fazem parte da geração ‘eu mereço’ da qual fala a Eliane Brum. Vão ficar se perguntando “Como puderam dar a vaga (ou a bolsa) para el@? Eu merecia!”
“Meu filho, você não merece nada!” Adorei a reportagem da Eliane. Me lembrei agora de um quadrinho que postaram no facebook e que eu, sem saber a quem referir o original, em nome da boa mensagem que ele traz, posto aqui também.
Não acho que a culpa seja do professor e não acho que vamos resolver esse problema citando ‘Sociedade dos Poetas Mortos‘. No semestre que vem, vai ser como Mercy Tainot, a professora universitária em um ‘community college‘ americano interpretada por Julia Roberts em ‘Larry Crowne‘. No primeiro dia de aula ela fala a seus 9 alunos:
“Isto é o que vão aprender a fazer na minha aula.
IMPORTAR-SE
Se não ligarem para minha aula, eu também não vou ligar.
Se não chegarem aqui tendo dormindo o mínimo de horas necessário para participarem e demonstrarem interesse durante os 55 minutos que preciso estar aqui três madrugadas por semana,
então vocês não se importam com a Oratória 217: a Arte de comunicação informal.
Portanto, saiam. Saiam, agora! Imediatamente! Fora!”
Eu tive vários professores chatos ao longo da minha vida. Mas em um determinado momento descobri que você pode ‘tirar’ do professor aquilo que é interessante pra você. Perguntando, sugerindo, discutindo. Se o professor topar esse esquema, ele é bom (independente de ele ser um bom comunicador).
A aula não é só o professor quem faz.
Luz no fim do túnel
A questão é que os meninos (e meninas) não sabem reclamar. Não sabem argumentar. Não sabem quais são os seus direitos e deveres. E acham que eles merecem tudo e que o professor deve tudo a eles. Vão quebrar muito a cara quando se depararem com um concurso público ou uma entrevista de emprego. É como a Eliane Brum disse: “Meu filho você não merece nada!”
Se eles gastassem metade da energia que gastam para tentar me convencer que uma resposta errada é válida, pensando na resposta certa, seria muito mais produtivo. Mas não… é como o Calvin… “Não tenho tempo para gastar com isso”, “Como assim, tenho que ler o livro?”
Mas de vez em quanto alguém se salva e mostra correção, concisão e criatividade no que escreve. Por exemplo, o aluno Paulo Rodrigues, inspirado pelo texto das “Aventuras de um carbono viajante” deu a resposta abaixo para a pergunta: “Qual a relação entre a estrutura de uma molécula e a sua origem, ação na célula, efeitos no organismo e disposição no ambiente?”
“No início, quando o universo ainda era jovem, os átomos de oxigênio descobriram que lhes faltavam 2 elétrons para que ficassem iguais a elite da química, os gases nobres, que esnobes por si só, não se ligavam a ninguém. Os oxigênios tentaram enganar os incautos hidrogênios, porém não adiantou que fossem altamente eletronegativos e por fim não conseguiram roubar os elétrons dos hidrogênios. Ficaram então os três ligados, com um oxigênio no meio de dois hidrogênios. Esses trios, chamados de água, descobriram que podiam viver agrupados como gelo, se ligando por pontes de H, ou até mesmo na forma de gás. E foi na Terra que essas moléculas decidiram viver no estado líquido (nem tão perto, nem tão longe). E foi justamente nesse planeta que elas deram uma forcinha para um movimento revolucionário antr-entropia: a vida. Precisa-se solvatar alguém? Chame a água. Precisa-se esfriar os ânimos perdendo calor? A água faz isso. O maligno O2 está sozinho no fim da fosforilação oxidativa? Mande ele virar água.
Desse modo, Gaia percebeu que esse trio chamado H2O tinha vindo para ficar e lhe ofereceu até um ciclo, mimando-o com diferentes coisas, como oceanos, rios, nuvens, geleiras e lençóis freáticos.”
Sensacional! Levou 10 e salvou meu dia.
Diário de um Biólogo – Sábado 29/09/2007
“Você quer que eu vá com você?” A Rê perguntou enquanto tomavamos um café da manhã chic, comemorando que eu estava na lista dos “Jovens cientistas do nosso estado” divulgada pela FAPERJ no dia anterior.
“Não… porque você iria querer perder a sua tarde em museu de ciência decadente?”
Téééééééééééé!!!!!! Resposta errada!
Quando disse essa infelicidade, tinha em mente o museu montado em um galpão abandonado que restou das obras do metrô que revolveram nos anos 80 a Praça Saenz Pena, na Tijuca onde eu nasci e cresci.
Quando cheguei hoje no “Espaço Ciência Viva“, atrasado para a exposição dos resultados que meus alunos do curso “formação continuada para professores de 2o grau”, não poderia ter uma surpresa melhor. Um museu pequeno, simples, mas revigorado e bem arrumado. E o que é mais importante: cheio! E o que é mais importante ainda: cheio de crianças!
Todo último sábado do mês, o espaço organiza uma tarde temática, com um monte de professores, pesquisadores, alunos de pós-graduação, graduação, monitores e voluntários ensinavam uma orda de pessoas, de todas as idades, mas principalmente crianças, pelas diferentes opções de contato com a ciência do museu. Desde uma simples garrafa de Coca-cola cheia de água, com furos perto do gargalo, no meio e no fundo da garrafa, para explicar o efeito da pressão em grandes profundidades (ilustrada por fotos dos estranhos seres encontrados no fundo dos oceanos) até uma exposição sobre a visita de Einstein ao Brasil na década de 20, onde foram confirmadas as mais importantes previsões da sua teoria da relatividade espacial.
Sai de lá meio emocionado. Sei do esforço que os professores responsáveis por recuperar o museu fizeram para que ele esteja agora de volta a árdua missão e divulgar ciência para um publico cada vez mais metralhado com consumismo e misticismo.
No próximo mês, sou eu que vou chamar ela para ir.