Diário de um biólogo – Sexta, 01/07/2011 – Blues Etílicos

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O que faz pessoas se reencontrarem depois de mais de 20 anos e descobrirem coisas em comum? Qualidade e Critério.
Mas me deixem começar do começo.
Três da tarde e eu entro em sala de aula. O ar-condicionado está desligado por causa da greve dos funcionários e o humor dos alunos não é o melhor. Ou seria o meu? Não, não estava de mau humor, só estava com pressa. Mas a aula era sobre homeostase, tema que tem grande potencial para uma boa aula, e isso me animou a respirara fundo e começar.
O potencial vem dos conceitos de fisiologia e toxicologia que trabalhamos como dose, limite, tolerância, resistência e resiliência. São conceitos importantes no nosso dia-a-dia e para toda vida. É fácil sair com algum exemplo que tire os alunos do torpor do último tempo de aula do dia e da semana. E me faça esquecer por duas horas que não tenho nada pronto para o super jantar que tenho de oferecer hoje a noite.
Quando falo sobre toxicologia é inevitável provocar os alunos com exemplos de substâncias entorpecentes. Sem dar um julgamento moral, discutimos como se metaboliza o THC e o Etanol. Acho que foi a leve dor de cabeça de fundo, fruto da ressaca e das poucas horas dormidas depois do reencontro na noite anterior com amigos do colégio que não via há mais de 20 anos, que me fez usar o álcool como exemplo. E deve ter sido a expectativa da primeira cerveja do final de semana que fez os alunos adorarem.
“Quando uma substância é essencial ao correto desenvolvimento de um organismo, a sua ausência caracteriza o que chamamos de deficiência…”

Nossa… será que eu falo assim desse jeito?!
Quem acha que o álcool não é necessário ao correto desenvolvimento de um organismo não considera felicidade como um elemento de correção. Humprey Bogart dizia que o “o homem nasceu 3 doses de whisky abaixo do normal”. Ou terá sido o Vinícius de Morais? Impossível de determinar consultando o Google, mas foi assim que começamos.
A concentração aumenta e chegamos a um estado ideal. O Álcool é um depressor do sistema nervoso central, mas felizmente, em pequenas doses, a primeira coisa que ele deprime são os centros de controle, causando estimulação e desinibição.
Esse estado pode ser mantido ainda que a dose aumente consideravelmente por causa dos nossos mecanismos de homeostase. O principal é o mecanismos de destoxificação, que quebra o álcool em aldeído e mantém o efeito sob controle.
Nos livramos rápido do álcool convertendo ele em Acetoaldeído. Temos 3 formas de fazer isso. A princípal é a enzima álcool desidrogenase, a segunda é o citocromo P450 2E1 (CYP2E1) e a terceira é a enzima catalase. Porque você deveria saber isso? Não consigo pensar em nenhuma boa razão nesse momento. A verdade é que eu acho divertido saber o que acontece com a gente e com o corpo da gente, mas isso me faz muito nerd, e eu procuro guardar pra mim essas motivações. Ainda assim, eu poderia dizer, por exemplo, que a via secundária do CYP2E1 é indutível, o que explica porque as vezes você está mais, ou menos, sensível ao álcool. Porque as vezes você pode tomar 10 chopps e fica bem e outras toma apenas 1 e já está legal. Se você ficar muito tempo sem beber, seus CYP2E1 ficam em baixa, e pouco álcool já é suficiente para causar a desinibição. Se você bebe constantemente, acumula CYP2E1 e isso faz com que você precise consumir mais álcool para ter o mesmo efeito. Ou que os japoneses possuem uma variável polimórfica dessa enzima que é menos induzida e menos eficiente, e por isso eles têm menor tolerância ao álcool. Mas continua papo de Nerd.
Horas depois, jantando com meus amigos, usamos todas as nossas desidrogenases, citocromos e catalases, mas ainda assim faltou para dar conta do Prosseco Voldobiene, do Primitivo da Manduria, do Mastro da Campania, do Rust en Vrede…
E quando seus mecanismos de homeostase não conseguem dar mais conta de tanto álcool, outros atores entram em cena: os efeitos. A metabolização do álcool consome muita água, que desidrata o corpo, levando a dor de cabeça e ressecamento da pele. A tonteira e o enjôo vem do efeito no fígado, a euforia passa para depressão, a alegria vira agressividade, e por ai vai. Nesse momento foi ultrapassado o seu limite de resiliência e a ressaca no dia seguinte é inevitável. Não há Engove que te salve (ainda que consumir muita, muita água durante a bebedeira, possa ajudar muito). Nossa capacidade de julgamento também se foi e… que Deus te proteja da ressaca moral dos seus atos nesse período. Seus mecanismos de resistência entram em ação, para tentar adiar o coma alcoólico, que será inevitável se você não interromper a ingestão. E é uma ilusão que a Glicose na veia pode reverter esse processo. Em geral quem apaga por causa de bebida é porque não comeu nada, então é sempre bom dar um gás antes de mandar o infeliz pra casa.
“Aonde vou conseguir tomates maduros pra fazer molho as 6 da tarde de uma sexta-feira?” eu pensava enquanto respondia para um aluno que nunca poderemos abrir mão dos testes com animais porque não há como prever quais são os limites de tolerância e resiliência sem testá-los, forçá-los e ultrapassá-los. E por isso não podemos nos tornar quem somos, e não podemos desenvolver nossos critérios, sem uma ou outra ressaca. Física e moral.
IMG_1366.jpgSaio da UFRJ e vou para COBAL, o único lugar que poderia salvar meu molho. Escolher os ingredientes certos é o que determina a qualidade e o sucesso de um jantar. E é uma questão de critério. Seguir a receita depois, é mole. Dar o ponto certo na massa também requer critério. E foi isso que me fez voltar para a bancada e colocar mais farinha no impasto. Atrasou, mas ficou ótimo.
Sob a égide de Baco, e mais abençoados por Champagne que por Champagnat, falamos sobre limites, sobre tolerância, sobre dose, sobre resistência e resiliência, sobre as euforias e as ressacas que nos tornaram quem nós somos.
Terminamos com Limoncello, Barbera Chinato, Amarula e… chocolate.
E se a ressaca é inevitável… relaxa e goza.

Ecologia é Biofísica, que é Ecologia.

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Na semana passada falei para os alunos do curso de graduação em Biofísica e Nanotecnologia da UFRJ sobre Biofísica e Ecologia. Mais precisamente sobre a semelhança entre esses dois ramos das ciências biológicas. A aula tem 1:30h, mas eu dividi em blocos de 4-12min por assunto ou conceito, assim fica mais fácil só consultar uma parte. Você pode acionar o vídeo e acompanhar a apresentação no prezi acima.
Parte 1: Apresentação. Terra está viva! Hipótese Gaia. Conceito de retroalimentação.

Parte 02: (só) A Hipótese Gaia.

Parte 3: Apresentação. Hipótese Gaia. O modelo do mundo das margaridas e a autoregulação da Terra pelos organismos.

Parte 4: Relação entre os conceitos de homeostase e estresse entre organismos e ecossistemas. Relação com o conceito de poluição.

Parte 5: Estresse em sistemas biológicos de escala planetária. Explosão do Vulcão Pinatubo e definição termodinâmica de poluição.

Parte 6: A Origem da vida.

Parte 7: Sistema de informação genética primitivo e o ancestral comum.

Parte 8: Genes conservados filogeneticamente e utilização de modelos não-tradicionais em pesquisa.

Parte 09: Carlos Chagas Filho: O ‘Homem Tropical’ e a criação de um modelo de pesquisa para o Brasil.

Parte 10: O mercúrio na Amazônia e a abrodagem ecossistêmica para problemas de saúde humana.

Parte 11: Invasão biológical e o risco do mexilhão dourado na Amazônia

Parte 12: Encerramento. Uma nova definição para biofísica.

Passando dos limites


Na semana passada eu fiz uma coisa, para mim, quase impensável: comprei uma revista na gôndola do supermercado, enquanto esperava na fila do caixa. Não, não era uma revista de fofoca. Ai também seria demais! Foi a TRIP. Uma gata na capa (a gaúcha Annelyse Schoenberger) mostrava o mamilo esquerdo e convidava o leitor a abrir as páginas para o tema da reportagem principal: “Limites: Romper? Entender? Estender? Expandir? Como nos relacionamos hoje com os limites do nosso corpo, do planeta, da ética, da mente e da nossa paciência”.
Me ganhou! Coloquei no carrinho e paguei os R$9,90 pra ver qual era.
Eu já falei sobre limites várias vezes. O primeiro limite que eu me vi descobrir muito além do que eu realmente acreditava, foi o da minha paciência. Achava que tinha bem menos do que realmente tenho. E foi só quando ela foi forçada, esticada, amassada e moída que eu descobri o quanto era resistente. Ainda assim, ela também tinha limite, e acabou.
“Você só pode saber realmente o quanto aguenta, depois que não aguenta mais”.
Na época, o que a vida me ensinava eu ensinava pros meus alunos. E coloquei essa frase em um slide sobre homeostase nas minhas aulas de biofísica. Eu não tenho muita certeza, mas parecia que os alunos abriam uns olhões quando viam isso no quadro. “Cara… Pô, tipo assim… é isso messsmo?!?” Mas talvez fossem apenas bocejos (ainda que fechem ao invés de abrir os olhos). Mas isso foi até a semana passada, quando uma aluna me disse: “Eu nunca mais vou esquecer aquela parada (frase) sobre ‘não aguentar mais’ que você disse em sala de aula”. Tinha alguém prestando atenção.
O corpo humano, todos os organismos, cada célula, tem limites. Alguns são óbvios, como a pele, o que dá a extensão e o volume. Alguns outros super bem conhecidos e definidos. Nossa temperatura corporal não pode subir acima de 42 e nem descer abaixo de 35 que o bicho pega. A acidez do sangue, ou o pH, que é o termo correto, esse então fica em 7,4 e praticamente não varia. Já alguns outros limites, como o quanto a gente aguenta de um hormônio, de uma droga ou de determinado medicamentos, são menos conhecidos. E esses, não dá pra gente determinar sem testar. E ver até onde o corpo aguenta. Só que pra isso, tem que se sacrificar. Você pode decidir parar o ‘experimento’ um pouquinho antes de sacrificar o organismo, mas assim, nunca vai ter certeza do limite. Só observando o dano que foi causado podemos saber qual é o limite quando ultrapassado que causa dano.
Abre parênteses: E por isso que nunca poderemos abrir mão dos testes com animais. Pelo menos enquanto quisermos conhecer os mecanismos de toxicidade que ajudam a salvar vidas. Fecha parênteses.
Dizem que imaginação não tem limites. Mas não é verdade, não é mesmo? São em torno de 100 bilhões de neurônios no cérebro. Sua personalidade, suas memórias, emoções, inconsciente, subconsciente, tá tudo dentro desses cem bilhões. As conexões que foram feitas entre eles, e como você associa as coisas que estão lá, determinam se você é criativo ou não. Você pode se espantar com a sua capacidade de criar coisas novas pela associação das coisas que você sabe e conhece. Um tipo de ‘propriedade emergente’. Mas imaginar alguma coisa sem saber ou conhecer nenhuma outra? Isso você não pode.
Nós só conseguimos enxergar porque nossas células visuais identificam regiões de alto contraste nas bordas dos objetos, criando os limites entre uma coisa e outra, que forma as imagens nítidas na nossa retina, que o cérebro interpreta como uma bola de futebol, ou uma xícara de café.
Um surfista que voltou das drogas, uma bióloga que encontrou a salvação pra um distúrbio mental no halterofilismo, um motoboy anão… a idéia dos limites permeavam toda a edição. Mas a melhor reportagem de todas foi a com o sociólogo Roberto DaMatta: “Você sabe com que está falando?”
“Não gostamos de limites. Liberdade total é causa nobre. Herói popular é aquele que vai além dos limites, expande as fronteiras, expande a juventude, expande a riqueza, expande o poder de fazer o que bem entende, sem se submeter a nada e a ninguém Esse heroísmo ingênuo garante a eficiência da maior parte dos apelos publicitários. Por isso, o cartão de crédito mais legal é sem limite. Mas sem limite a vida não existe. Limite de tempo e espaço definem o que é a vida. (…) Gostar dos limites, acolhê-los, entender sua função e significado nos permite crescer para dentro 0 em qualidade, em consistência, profundidade e criatividade”.
Para Roberto, o Brasil é um país onde a realização dos desejos individuais se confronta com a construção da vida em sociedade, criando dilemas que culminam na nossa resistência em obedecer autoridade, até mesmo na hora de parar no sinal vermelho. Por outro lado, a ‘fila’ seria o melhor exemplo de que o Brasil está se tornando um país sério, porque é na fila que os limites operam em sua maior clareza e simplicidade: chegou primeiro, é atendido primeiro. Chegou por último, será atendido por último. Mas será atendido também, porque se temos certeza de uma coisa, é que a fila anda.
Eu não sei se vocês percebem, mas é de uma beleza acachapante!
A primeira vez que vi o Roberto DaMatta falando foi em 2007 na FLIP, sobre como o futebol salvou o brasileiro, porque ensinou ele a importância dos limites. Afinal, nenhum time pode estender a partida até fazer outro gol (bom, a não ser o flamengo na última semana) e isso é o que dá graça ao jogo, transforma as pessoas em torcedores apaixonados e as comemorações de campeonatos em festas apoteóticas. Fui correndo comprar o livro dele de 1979: Carnavais Malandros e Heróis.
Lembrei da palestra de Barry Schwartz no TED, sobre a angústia da escolha. Ele desenvolve um argumento parecido, dizendo que a ânsia pela liberdade de escolha, que nos leva a poder optar por 175 variedades de molho para salada na prateleira do super-mercado, só nos trazem infelicidade:
“Quando você tem mais escolhas, aumentam as suas expectativas. Quanto maior as suas expectatívas, maiores as chances de frustração. Quando saio de uma loja com 47 opções de calças jeans, depois de passar 1h escolhendo, e descubro que a minha calça não era ‘perfeita’, não tenho como evitar a frustração.”


Eu já falei sobre limites, várias vezes, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui. Limite é respeito na teoria e ética na prática. É amor e é vida. É criatividade e inovação. Os limites, quem diria, são libertadores!

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