Passando dos limites


Na semana passada eu fiz uma coisa, para mim, quase impensável: comprei uma revista na gôndola do supermercado, enquanto esperava na fila do caixa. Não, não era uma revista de fofoca. Ai também seria demais! Foi a TRIP. Uma gata na capa (a gaúcha Annelyse Schoenberger) mostrava o mamilo esquerdo e convidava o leitor a abrir as páginas para o tema da reportagem principal: “Limites: Romper? Entender? Estender? Expandir? Como nos relacionamos hoje com os limites do nosso corpo, do planeta, da ética, da mente e da nossa paciência”.
Me ganhou! Coloquei no carrinho e paguei os R$9,90 pra ver qual era.
Eu já falei sobre limites várias vezes. O primeiro limite que eu me vi descobrir muito além do que eu realmente acreditava, foi o da minha paciência. Achava que tinha bem menos do que realmente tenho. E foi só quando ela foi forçada, esticada, amassada e moída que eu descobri o quanto era resistente. Ainda assim, ela também tinha limite, e acabou.
“Você só pode saber realmente o quanto aguenta, depois que não aguenta mais”.
Na época, o que a vida me ensinava eu ensinava pros meus alunos. E coloquei essa frase em um slide sobre homeostase nas minhas aulas de biofísica. Eu não tenho muita certeza, mas parecia que os alunos abriam uns olhões quando viam isso no quadro. “Cara… Pô, tipo assim… é isso messsmo?!?” Mas talvez fossem apenas bocejos (ainda que fechem ao invés de abrir os olhos). Mas isso foi até a semana passada, quando uma aluna me disse: “Eu nunca mais vou esquecer aquela parada (frase) sobre ‘não aguentar mais’ que você disse em sala de aula”. Tinha alguém prestando atenção.
O corpo humano, todos os organismos, cada célula, tem limites. Alguns são óbvios, como a pele, o que dá a extensão e o volume. Alguns outros super bem conhecidos e definidos. Nossa temperatura corporal não pode subir acima de 42 e nem descer abaixo de 35 que o bicho pega. A acidez do sangue, ou o pH, que é o termo correto, esse então fica em 7,4 e praticamente não varia. Já alguns outros limites, como o quanto a gente aguenta de um hormônio, de uma droga ou de determinado medicamentos, são menos conhecidos. E esses, não dá pra gente determinar sem testar. E ver até onde o corpo aguenta. Só que pra isso, tem que se sacrificar. Você pode decidir parar o ‘experimento’ um pouquinho antes de sacrificar o organismo, mas assim, nunca vai ter certeza do limite. Só observando o dano que foi causado podemos saber qual é o limite quando ultrapassado que causa dano.
Abre parênteses: E por isso que nunca poderemos abrir mão dos testes com animais. Pelo menos enquanto quisermos conhecer os mecanismos de toxicidade que ajudam a salvar vidas. Fecha parênteses.
Dizem que imaginação não tem limites. Mas não é verdade, não é mesmo? São em torno de 100 bilhões de neurônios no cérebro. Sua personalidade, suas memórias, emoções, inconsciente, subconsciente, tá tudo dentro desses cem bilhões. As conexões que foram feitas entre eles, e como você associa as coisas que estão lá, determinam se você é criativo ou não. Você pode se espantar com a sua capacidade de criar coisas novas pela associação das coisas que você sabe e conhece. Um tipo de ‘propriedade emergente’. Mas imaginar alguma coisa sem saber ou conhecer nenhuma outra? Isso você não pode.
Nós só conseguimos enxergar porque nossas células visuais identificam regiões de alto contraste nas bordas dos objetos, criando os limites entre uma coisa e outra, que forma as imagens nítidas na nossa retina, que o cérebro interpreta como uma bola de futebol, ou uma xícara de café.
Um surfista que voltou das drogas, uma bióloga que encontrou a salvação pra um distúrbio mental no halterofilismo, um motoboy anão… a idéia dos limites permeavam toda a edição. Mas a melhor reportagem de todas foi a com o sociólogo Roberto DaMatta: “Você sabe com que está falando?”
“Não gostamos de limites. Liberdade total é causa nobre. Herói popular é aquele que vai além dos limites, expande as fronteiras, expande a juventude, expande a riqueza, expande o poder de fazer o que bem entende, sem se submeter a nada e a ninguém Esse heroísmo ingênuo garante a eficiência da maior parte dos apelos publicitários. Por isso, o cartão de crédito mais legal é sem limite. Mas sem limite a vida não existe. Limite de tempo e espaço definem o que é a vida. (…) Gostar dos limites, acolhê-los, entender sua função e significado nos permite crescer para dentro 0 em qualidade, em consistência, profundidade e criatividade”.
Para Roberto, o Brasil é um país onde a realização dos desejos individuais se confronta com a construção da vida em sociedade, criando dilemas que culminam na nossa resistência em obedecer autoridade, até mesmo na hora de parar no sinal vermelho. Por outro lado, a ‘fila’ seria o melhor exemplo de que o Brasil está se tornando um país sério, porque é na fila que os limites operam em sua maior clareza e simplicidade: chegou primeiro, é atendido primeiro. Chegou por último, será atendido por último. Mas será atendido também, porque se temos certeza de uma coisa, é que a fila anda.
Eu não sei se vocês percebem, mas é de uma beleza acachapante!
A primeira vez que vi o Roberto DaMatta falando foi em 2007 na FLIP, sobre como o futebol salvou o brasileiro, porque ensinou ele a importância dos limites. Afinal, nenhum time pode estender a partida até fazer outro gol (bom, a não ser o flamengo na última semana) e isso é o que dá graça ao jogo, transforma as pessoas em torcedores apaixonados e as comemorações de campeonatos em festas apoteóticas. Fui correndo comprar o livro dele de 1979: Carnavais Malandros e Heróis.
Lembrei da palestra de Barry Schwartz no TED, sobre a angústia da escolha. Ele desenvolve um argumento parecido, dizendo que a ânsia pela liberdade de escolha, que nos leva a poder optar por 175 variedades de molho para salada na prateleira do super-mercado, só nos trazem infelicidade:
“Quando você tem mais escolhas, aumentam as suas expectativas. Quanto maior as suas expectatívas, maiores as chances de frustração. Quando saio de uma loja com 47 opções de calças jeans, depois de passar 1h escolhendo, e descubro que a minha calça não era ‘perfeita’, não tenho como evitar a frustração.”


Eu já falei sobre limites, várias vezes, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui. Limite é respeito na teoria e ética na prática. É amor e é vida. É criatividade e inovação. Os limites, quem diria, são libertadores!

Comecei a ler… Almanaque da Rede

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Ontem fui assistir a Sonia Rodrigues falar sobre o seu novo livro, Estrangeira, na Livraria Saraiva do Praia Shopping. Eu não escondo de ninguém o quanto sou fã dela e o quanto aprendi com ela. Por isso, foi uma grata surpresa quando o Beto Largman pediu pra ela falar do Almanaque da rede, livro que a Sonia também está lançando.
O debate foi ótimo, porque a Sonia, além de escrever muito bem, fala muito bem. Comprei os dois livros e ganhei dois autógrafos, com dedicatórias. Comecei a ler “Estrangeira” no mesmo dia e fiquei impressionado, como só ela sabe deixar, com o sofrimento do amor.
Fui pro Almanaque da rede e ai fique impressionadíssimo. Como ela diz, na primeira página, “O que você tem nas mãos é a soma do que aprendi sobre escrever histórias e expressar opiniões. É o que aprendi nos livros que li e também nos livros, peças de teatro e roteiros que escrevi. Aprendi muito também nos jogos de Roleplaying game que pesquisei no doutorado em Literatura e nos jogos ‘Autoria’ que criei ou ajudei a criar.”
Tudo que você precisa pra re-aprender a escrever está lá. É, na minha opinião, ainda melhor do que o jogo ‘Autoria‘, porque o espaço pra escrever está lá, já que o livro tem um formato de agenda. “Um blog de papel”, como ela disse.
E aprender a escrever é isso: escrever, escrever e escrever! De nada servem as dicas se você não colocar a mão na massa. Todos os dias.
Mas enquanto ouvia a Sonia falar sobre transmídia, que é, como o nome diz, quando a história transcende a mídia e passa de um veículo para outro (como a personagem principal de Estrangeira, Eilenora, que tem perfil no facebook, um blog de verdade e está escrevendo uma graphic novel também) e discutindo com o público sobre o desafio de escrever para diferentes mídias, eu fui percebendo um monte de coisas.
Para a Sonia, escrever é escrever. Quer dizer, não existem diferentes formas de escrever, ainda que haja diferentes mídias. Claro que seu texto é de um jeito em um livro, de outro em um blog, no twitter ou quando escreve uma SMS. Mas o resultado não é ‘para’ a mídia e sim ‘por causa’ da mídia. Não deixe passar desapercebida a diferença.
O que é limitada é a mídia e não a forma de escrever. E se você escreve de um jeito para cada mídia, meu palpite é que você ainda não percebeu isso. Mas tá, e daí? Qual é o problema? O problema é que se você não percebeu isso, talvez seja porque não percebe as limitações das mídias.
Quais são as limitações? As vezes coisas simples, como o limite de caracteres do Twitter (140 caracteres) ou de um SMS (160 caracteres). E o Twitter está mostrando que é incrível o que você pode fazer com 140 caracteres se souber escrever.
A conclusão é que se você sabe escrever e sabe respeitar os limites das mídias, então poderá escrever, para sempre, em qualquer mídia que venham a inventar, o que quiser.
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Nessa hora (foto acima), Sonia estava novamente falando da “Estrangeira”, e foi então me toquei que, a mesma importância que respeitar os limites tem para ser criativo na escrita, tem para ser feliz.
Da mesma forma que muitas pessoas não conseguem escrever porque perdem mais tempo questionando o enunciado da pergunta do que trabalhando na história, muitas, as vezes as mesmas pessoas, passam mais tempo questionando a justiça das coisas da vida, dos limites que nos são impostos pelos outros, do que partindo pra outra, para serem felizes.
Perguntaram para a Sonia o que ela, com uma tese de doutorado em literatura e RPG, acha dos games. Lembrei, como muitas vezes lembro, da palestra do Roberto da Matta na FLIP: “O futebol salvou o Brasileiro! Ensinou ela a ter disciplina”. Sim, porque não importa o quanto o seu time deveria ganhar ou o quanto você queria que ele ganhasse. O jogo acontece entre 4 linhas, não vale colocar a mão e o que vale é bola na rede. Não importa o quanto você queira que o seu time ganhe, ou o quanto um minuto a mais ou a menos mudaria o resultado: o seu time tem 90 min pra ganhar o jogo. Nem mais, nem menos.
Nos games (sejam os videogames de hoje ou o WAR que eu jogava), ninguém pode mudar as regras e ninguém questiona a instrução. E todo mundo aceita. E por isso as pessoas superam as fases e os desafios.
Então porque nas perguntas de prova, entrevistas de emprego e, porque não dizer, no amor, as pessoas preferem ficar questionando a matéria do professor, a pergunta do entrevistador e, porque não dizer, as razões do amante. Tomam pau na prova, pé na bunda no emprego e… chifre. O resultado é que são menos felizes.
O “Almanaque da Rede” pode ajudar as pessoas a superar os desafios, respeitar os limites para escrever, escrever melhor e serem mais felizes!

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