Moscas de bar

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Como fazer para superar a perda de um grande amor? “Um outro amor” vai responder o seu melhor amigo garçon, enquanto te serve uma dose. Pois é, parece que esse não é um privilégio dos humanos (e vocês sabem que eu adoro quando descobrimos que os comportamentos humanos tem raízes ancestrais, muito mais instintivas e animais do que gostaria que fosse a nossa vã sabedoria e os cientistas sociais).

Cientistas da California (tinha que ser) descobriram que até mesmo as moscas-de-fruta (a famosa Drosophila melanogaster) ficam deprimidas quando são rejeitadas pelo sexo oposto e se embebedam para ‘esquecer’! Bom, se não é exatamente para ‘esquecer’, pelo menos é para ‘compensar’ a rejeição.

O experimento é simples e nem por isso menos interessante: os pesquisadores colocaram insasiáveis machos de mosca com fêmeas relutantes, porque haviam acabado de copular. Fizeram isso várias vezes.  Mais precisamente, foram sessões de 1h de rejeição, 3 vezes ao dia, durante uma semana. Por outro lado, alguns machos sortudos tiveram sessões de 6h de cópula com multiplas virgens (um tipo de paraíso islâmico). Depois eles ofereceram aos machos suculentas porções de ração: sem ou com 15% de etanol. O resultado foi claríssimo e os machos que não transaram enchiam a cara de banana com cachaça, que em termos científicos pode ser descrito como ‘apresentaram índice de preferência por etanol significativamente maior’. Fêmeas que copularam também tiveram uma menor necessidade de encher a cara do que fêmeas virgens, que preferiram também a banana com cachaça.

Abre parênteses: A rejeição é tão poderosa, que machos de Drosophila que passaram por um processo contínuo de rejeição ficam mais sensíveis e tem dificuldade de se aproximar mesmo de fêmeas virgens, disponíveis e dispostas. Fecha parênteses:

Na verdade os dois grupos, rejeitados e bem sucedidos, apresentavam diferenças em vários aspectos além do consumo de álcool, segundo os pesquisadores: preferência por ficar sozinho ou em grupo, atitude frente a rejeição em uma situação social e exposição a feromônios de aversão das fêmeas copuladas.

Se os machos cresceram isolados ou em grupo, não faz a menor diferença: se transaram ficam felizes, se não transaram enchem a cara. Já se poupamos os pobres machos da rejeição de fêmeas satisfeitas, ainda que sem deixar eles transarem (o que é feito com a mórbida prática de coloca-los com fêmeas virgens decapitadas – que não possuem o feromônios de rejeição acetato de cis-vaccenyl cVA, mas também não são capazes de copular), eles também enchem a cara. E não é nem o cVA em si, já que se for exposto ao composto purificado em laboratório, o consumo de álcool também é elevado. A privação sexual, mais do que a rejeição, leva ao consumo de álcool!  Então os pesquisadores fizeram o experimento óbvio, que era permitir que alguns dos machos rejeitados pudessem também copular com fêmeas virgens enquanto outro, pobres coitados, continuaram sem sexo. E… a preferência pelo álcool foi significativamente reduzida nas moscas que puderam transar!

Abre parênteses: evidências não científicas sugerem que nas mulheres a privação de sexo afeta a busca por chocolate 😉 Fecha parênteses.

Os autores quiseram ir mais a fundo e entender como as duas coisas estavam ligadas. Então foram estudar o Neuropeptídeo F (correspondente na Drosophila do NPY dos mamíferos e, acreditem, do NPR do C. elegans) que regula o consumo de etanol, para ver se ele era afetado de alguma forma pela experiência sexual. Em mamíferos se sabe que o estresse pode afetar esse gene e levar ao alcoolismo. Mas em moscas deprivadas de sexo… ninguém sabia o que poderia acontecer. Bom, aqui a coisa fica técnica demais, mas acreditem em mim quando eu digo que manipulando genes, usando morfolinos e outras técnicas, eles demonstraram que sim, que esse gene (NPF) tinha sua expressão reduzida pela privação de sexo e que isso levava ao alcoolismo. Provavelmente como uma expressão do sistema de recompensa do nosso cérebro. Pouco sexo leva a uma baixa de NPF que ativa um comportamento (através da ativação do sistema de dopamina) de busca por recompensa como o consumo de álcool, transformando os bichinhos em ‘moscas de bar’. Comparativamente, a copula cria um superávit de NPF que minimiza o comportamento de busca por recompensa e consequentemente por álcool. Eles também testaram e confirmaram essa hipótese.

O artigo é sensacional sem ser sensacionalista e, para mim, é um excelente exemplo de como se pode fazer ciência simples, interessante e divertida.

Shohat-Ophir, G., Kaun, K., Azanchi, R., Mohammed, H., & Heberlein, U. (2012). Sexual Deprivation Increases Ethanol Intake in Drosophila Science, 335 (6074), 1351-1355 DOI: 10.1126/science.1215932

Diário de um biólogo – Sexta, 01/07/2011 – Blues Etílicos

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O que faz pessoas se reencontrarem depois de mais de 20 anos e descobrirem coisas em comum? Qualidade e Critério.
Mas me deixem começar do começo.
Três da tarde e eu entro em sala de aula. O ar-condicionado está desligado por causa da greve dos funcionários e o humor dos alunos não é o melhor. Ou seria o meu? Não, não estava de mau humor, só estava com pressa. Mas a aula era sobre homeostase, tema que tem grande potencial para uma boa aula, e isso me animou a respirara fundo e começar.
O potencial vem dos conceitos de fisiologia e toxicologia que trabalhamos como dose, limite, tolerância, resistência e resiliência. São conceitos importantes no nosso dia-a-dia e para toda vida. É fácil sair com algum exemplo que tire os alunos do torpor do último tempo de aula do dia e da semana. E me faça esquecer por duas horas que não tenho nada pronto para o super jantar que tenho de oferecer hoje a noite.
Quando falo sobre toxicologia é inevitável provocar os alunos com exemplos de substâncias entorpecentes. Sem dar um julgamento moral, discutimos como se metaboliza o THC e o Etanol. Acho que foi a leve dor de cabeça de fundo, fruto da ressaca e das poucas horas dormidas depois do reencontro na noite anterior com amigos do colégio que não via há mais de 20 anos, que me fez usar o álcool como exemplo. E deve ter sido a expectativa da primeira cerveja do final de semana que fez os alunos adorarem.
“Quando uma substância é essencial ao correto desenvolvimento de um organismo, a sua ausência caracteriza o que chamamos de deficiência…”

Nossa… será que eu falo assim desse jeito?!
Quem acha que o álcool não é necessário ao correto desenvolvimento de um organismo não considera felicidade como um elemento de correção. Humprey Bogart dizia que o “o homem nasceu 3 doses de whisky abaixo do normal”. Ou terá sido o Vinícius de Morais? Impossível de determinar consultando o Google, mas foi assim que começamos.
A concentração aumenta e chegamos a um estado ideal. O Álcool é um depressor do sistema nervoso central, mas felizmente, em pequenas doses, a primeira coisa que ele deprime são os centros de controle, causando estimulação e desinibição.
Esse estado pode ser mantido ainda que a dose aumente consideravelmente por causa dos nossos mecanismos de homeostase. O principal é o mecanismos de destoxificação, que quebra o álcool em aldeído e mantém o efeito sob controle.
Nos livramos rápido do álcool convertendo ele em Acetoaldeído. Temos 3 formas de fazer isso. A princípal é a enzima álcool desidrogenase, a segunda é o citocromo P450 2E1 (CYP2E1) e a terceira é a enzima catalase. Porque você deveria saber isso? Não consigo pensar em nenhuma boa razão nesse momento. A verdade é que eu acho divertido saber o que acontece com a gente e com o corpo da gente, mas isso me faz muito nerd, e eu procuro guardar pra mim essas motivações. Ainda assim, eu poderia dizer, por exemplo, que a via secundária do CYP2E1 é indutível, o que explica porque as vezes você está mais, ou menos, sensível ao álcool. Porque as vezes você pode tomar 10 chopps e fica bem e outras toma apenas 1 e já está legal. Se você ficar muito tempo sem beber, seus CYP2E1 ficam em baixa, e pouco álcool já é suficiente para causar a desinibição. Se você bebe constantemente, acumula CYP2E1 e isso faz com que você precise consumir mais álcool para ter o mesmo efeito. Ou que os japoneses possuem uma variável polimórfica dessa enzima que é menos induzida e menos eficiente, e por isso eles têm menor tolerância ao álcool. Mas continua papo de Nerd.
Horas depois, jantando com meus amigos, usamos todas as nossas desidrogenases, citocromos e catalases, mas ainda assim faltou para dar conta do Prosseco Voldobiene, do Primitivo da Manduria, do Mastro da Campania, do Rust en Vrede…
E quando seus mecanismos de homeostase não conseguem dar mais conta de tanto álcool, outros atores entram em cena: os efeitos. A metabolização do álcool consome muita água, que desidrata o corpo, levando a dor de cabeça e ressecamento da pele. A tonteira e o enjôo vem do efeito no fígado, a euforia passa para depressão, a alegria vira agressividade, e por ai vai. Nesse momento foi ultrapassado o seu limite de resiliência e a ressaca no dia seguinte é inevitável. Não há Engove que te salve (ainda que consumir muita, muita água durante a bebedeira, possa ajudar muito). Nossa capacidade de julgamento também se foi e… que Deus te proteja da ressaca moral dos seus atos nesse período. Seus mecanismos de resistência entram em ação, para tentar adiar o coma alcoólico, que será inevitável se você não interromper a ingestão. E é uma ilusão que a Glicose na veia pode reverter esse processo. Em geral quem apaga por causa de bebida é porque não comeu nada, então é sempre bom dar um gás antes de mandar o infeliz pra casa.
“Aonde vou conseguir tomates maduros pra fazer molho as 6 da tarde de uma sexta-feira?” eu pensava enquanto respondia para um aluno que nunca poderemos abrir mão dos testes com animais porque não há como prever quais são os limites de tolerância e resiliência sem testá-los, forçá-los e ultrapassá-los. E por isso não podemos nos tornar quem somos, e não podemos desenvolver nossos critérios, sem uma ou outra ressaca. Física e moral.
IMG_1366.jpgSaio da UFRJ e vou para COBAL, o único lugar que poderia salvar meu molho. Escolher os ingredientes certos é o que determina a qualidade e o sucesso de um jantar. E é uma questão de critério. Seguir a receita depois, é mole. Dar o ponto certo na massa também requer critério. E foi isso que me fez voltar para a bancada e colocar mais farinha no impasto. Atrasou, mas ficou ótimo.
Sob a égide de Baco, e mais abençoados por Champagne que por Champagnat, falamos sobre limites, sobre tolerância, sobre dose, sobre resistência e resiliência, sobre as euforias e as ressacas que nos tornaram quem nós somos.
Terminamos com Limoncello, Barbera Chinato, Amarula e… chocolate.
E se a ressaca é inevitável… relaxa e goza.

Por que quem bebe tem mais vontade de fumar?

Anjinhos biriteiros de Rafaelo

Como o bando de amigos bêbados que eu tenho, não sei como não me fizeram essa pergunta antes. Mas já tinha escutado essa pergunta antes, em uma mesa de médicos, com um desafiando o outro a acertar a resposta. O outro acertou.

Tudo está na nicotina. A nicotina é um alcalóide. Os alcalóides são compostos orgânicos azotados (possuem nitrogênio) complexos, de natureza básica, resultantes do metabolismo secundário das plantas.

O cigarro é um mecanismo muito eficiente de injeção de nicotina no organismo. Mais do que agulha na veia, já que pela absorção nos alvéolos, a droga não pede tempo na circulação venosa até chegar ao cérebro. Uma tragada e o efeito de alívio é imediato!

Mas o que é (deve ser) bom dura pouco!

Alem do cérebro, a nicotina vai para os rins, para ser excretada na urina. A meia vida biológica da nicotina é curta, em torno de 2h, o que significa que depois desse tempo, metade da dose ingerida já foi eliminada pelo organismo (já com o nome de cotinina). Claro, isso pode variar de pessoa a pessoa, com aqueles que demoram menos tempo pra eliminar a droga precisando fumar cigarros em um intervalo menor.

Como todos os compostos orgânicos, a nicotina tem baixa polaridade e por isso a sua solubilidade em água, assim como já discutimos para cafeína (outro alcalóide), é baixa. Os compostos apolares têm maior solubilidade em solventes orgânicos, como por exemplo… o álcool. Bingo!

Ao consumir bebidas alcoólicas, aumenta a concentração de álcool no sangue e aumenta a solubilidade da nicotina. Com a maior solubilização no sangue, menos nicotina vai chegar ao seu cérebro, por que ela vai ser mais facilmente removida pelos rins. Ou seja, o álcool facilita a excreção da nicotina e você se vê tendo uma “crise de abstinência” enquanto toma seus chopps.

estrutura molecular da nicotinaPara piorar, um dos efeitos do álcool é a inibição do hormônio antidiurético, que te ajuda a controlar a vontade de urinar. E se a sua bebida predileta for um fermentado como a cerveja, que ainda por cima tem grande quantidade de água, é bom ter um banheiro por perto.

E mais um cigarro, porque sua “crise de abstinência” vai aumentar.

A nicotina que deveria ir para o seu cérebro, saiu toda no seu excesso de xixi!

Mas não é só o álcool que atrapalha a onda da nicotina. Um artigo recente publicado na revista Alcoholism, sugere que a nicotina atrasa a chegada do álcool no intestino, retendo ele mais tempo no estomago, e reduzindo seus efeitos.

Como o álcool também é uma droga que causa dependência física e psíquica, quando usa nicotina concomitantemente, o viciado acaba consumindo maior quantidade de álcool para obter o mesmo efeito desejado.

Quem bebe tem vontade de fumar. E quem fuma, tem que beber mais.

E adeus mãos cheirosas, cabelos perfumados e dentes branquinhos.

Você que é biólogo…


Sempre que ouvia essa frase sentia um arrepio. Alguma pergunta idiota estava por vir. Claro, nenhuma pergunta é idiota, dirão os pedagogicamente corretos. Mas é um fato científico, algumas perguntas são idiotas! O tempo passa e sempre, SEMPRE, alguém inicia a fatídica frase: Você que é biólogo… e, talvez por que eu esteja sendo mais complacente, ou por que tenho novos amigos, ou por que meus amigos estão ficando mais interessados (e interessantes) as perguntas não são mais idiotas. Tanto que me animaram a voltar a escrever no blog simplesmente para respondê-las. Um outro motivo é eu adorar falar, especialmente pros outros, meus amigos, e amigos deles, sobre ciência. Um tipo de catequese. No último final de semana, em São Paulo, onde fui assistir a duas rodas de samba especiais, respondi perguntas sobre as marés de sizígia, com direito a explicações sobre a natureza da gravidade, e o efeito Doppler. Vejam bem que, nem sempre, ou quase nunca, as perguntas são sobre biologia, o que aumenta em muito a minha capacidade de divagar sobre o assunto, e impressionar meus amigos parecendo que efetivamente entendo de tudo. E a maior prova de que não entendo, é uma pergunta bastante pertinente, feita há mais ou menos cinco anos, quando escrevi um artigo sobre o artigo de um outro amigo, que é a chance nacional de ganhar um prêmio Nobel, sobre os mosaicos do número de cromossomos no cérebro humano. A pergunta era sobre os efeitos do álcool nos nossos neurônios. Talvez por que quisesse dar uma resposta completa e adequada ao curioso, seguramente um bêbado, acabei deixando o cara na mão. Hoje, anos depois, ainda sem uma resposta completa, vou tentar me virar pra não deixar o curioso ainda mais ansioso. Ou seja: vou fazer um misto do pouco que sei sobre o assunto com um monte de divagações e torcer pra tentar impressionar! Existem diversos estudos que mostram que o álcool causa danos diretos no sistema nervoso. Ou seja, causa a MORTE dos nossos neurônios. Por sorte, nós temos bilhões deles e podemos nos dar ao luxo de perder alguns de vez em quando por uma causa tão nobre. Muitos dos efeitos são causados pela produção de radicais livres. O álcool é metabolizado em organelas celulares chamadas peroxissomos, que entre outras coisas, ajudam a célula a se livrar do peróxido de hidrogênio, que a maior parte de nós conhece como água oxigenada. Que deixa os pelos loiros, mas dentro da célula, produz radicas hidroxila, destruindo a membrana plasmática, os lisossomos, o DNA, proteínas diversas… e por aí vai. Essa é a mais provável razão da morte celular direta (necrose) e também da indução de morte celular programada (cujo nome chique é apoptose), que é um mecanismo para evitar que células com o DNA danificado se reproduzam formando, por exemplo, tumores. Como então o vinho, consumido em quantidades moderadas, parece ter um efeito benéfico a saúde? Por que apesar do álcool, o vinho é rico em substâncias antioxidantes. Que combatem os radicais livres. Não só os produzidos pelo efeito do álcool, mas aqueles outros produzidos no corpo diariamente. Está comprovado que pessoas que vivem em regiões (sul da Europa) que tradicionalmente consomem mais vinho, tem menos derrames e doenças do coração. Por outro lado, uma série de experimentos com camundongos demonstram, claramente, que o álcool afeta o equilíbrio e, principalmente, a memória de curto prazo. Nos famosos experimentos com labirintos, onde os camundongos mostram sua capacidade de “decorar” o caminho, os bichinhos que consomem álcool se enrolam todos pra chegar do outro lado. Nada que a gente precise de cientistas em laboratório pra já ter descoberto! E nem adianta comprar Ginkgo Biloba pra compensar. Os camundongos que tomaram o remédio não melhoraram em nada a sua performance no labirinto. Ou seja: é placebo! Quer um consolo: cigarro faz muuuuuito mais mal que o álcool. Quer uma solução? Sexo! O coquetel de hormônios produzidos pela excitação sexual e pelos orgasmos contribuem, entre outras coisas, pra aumentar nossas defesas imunológicas e antioxidantes. Mas se você beber até cair…

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