A evolução da moda – parte II: As mulheres também

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(Esse post é uma continuação. Talvez você queria começar lendo a primeira parte)
Uma vez estava assistindo TV quando aparece a ex-modelo e ex-policial Marinara na telinha. Eu estava falando com uma amiga no telefone e comentei dos dotes ‘loiraça Beuzebu’ do Fausto Fawcett, o que levou ela a sintonizar mesmo no programa, ao que se seguiu o seguinte comentário: ‘Mas você viu esse cabelo dela? Não se usa essa franjinha desde os anos 80!’ Eu franja tinha passado desapercebida enquanto eu estava concentrado na relação C/Q.
Acho que foi nesse momento preciso que eu entendi que a moda era muito diferente para homens e mulheres.
Para ser justo, eu deveria começar perguntando também o que as mulheres querem, mas a resposta certamente escaparia das minhas mãos. Então, sem perguntar, vou começar respondendo que as mulheres também avaliam a beleza masculina com base na trindade rosto-torso-idade. Só que, consistentemente, as mulheres consideram esses fatores menos importantes do que a personalidade e o status (ou hierarquia) social.

Os homens colocam as características físicas acima da personalidade e do status ao avaliar as mulheres; as mulheres, não.

A única exceção parece ser a altura. Em todo o mundo, as mulheres consideram homens altos mais atraentes do que homens baixos. Estima-se que menos de 1% dos casais humanos sejam formados por homens menores que as suas mulheres! Como conseqüência (ou talvez causa) calcula-se que cada 2 cm a mais de altura valem 6.000 dólares a mais no salário anual de um homem na América do Norte.
As mulheres também trazem essa preferência no hardware (a metáfora que estou usando para identificar um comportamento selecionado geneticamente). E novamente, tem a ver com a nossa sociedade monogâmica.
Nela, freqüentemente uma mulher escolhe o seu parceiro muito antes que ele tenha possibilidade de se transformar em um “chefe”. Mas ela tem de saber avaliar esse potencial futuro, e para isso, as ‘realizações passadas’ pouco contam. Os bons indicadores que ela deve procurar são traços de personalidade como equilíbrio, segurança, otimismo, perseverança, coragem, decisão, inteligência, ambição – estas são algumas das características que fazem com que os homens cheguem ao topo da carreira nas suas profissões. E não por acaso, estas são as características que as mulheres acham atrativas em um homem: os indícios do seu futuro status.
Essas preferências são confirmadas por estudos com o de Buss, que analisou 37 sociedades modernas, ou o de Low com duzentas sociedades tribais, e em todas elas a ‘beleza’ de um homem dependia mais das suas habilidades e bravura do que da sua aparência. Definitivamente, a linguagem corporal é importante para que um homem seja considerado sexy. Mas enquanto ela fala da sua personalidade, os ‘símbolos’ é que falam do seu status.
Para alguns pesquisadores esses símbolos sempre estiveram presentes na roupa e os ornamentos masculinos e atualmente, um terno Armani, um relógio Rolex e uma BMW são indícios de hierarquia gritantes, como eram antigamente as listras da patente de um general ou o cocar de um chefe Yanomami.
Mas peraê?! Eu não disse que as mulheres eram programadas geneticamente para buscarem personalidade e status? Como é que agora eu digo que as mulheres estão buscando a triade Armani-rolex-BMW, que existe há apenas uma geração humana, para avaliar os homens?
É que o que é selecionado geneticamente não é o símbolo em si, mas sim a ‘busca pelo símbolo de status’, qualquer que ele seja naquela época e lugar. As mulheres modernas possuem um mecanismo mental, evoluído durante o período Pleistoceno, que permite a elas perceber o que se correlaciona com status, entre os homens, e achar esses símbolos impressionantes.
E ai? Percebeu alguma coisa? Acendeu algum neurônio?
Alguma coisa que mude de acordo com a época e o lugar é quase uma definição precisa de MODA! A moda não é importante para aprimorar beleza, é importante para identificar símbolos de status!
Mas isso não sou eu que estou dizendo e nem é novidade. Vários estudos de historiadores da arte mostram que a Moda, até recentemente, estava amarrada à competição entre as classes: primeiro a simulação da aristocracia pela burguesia e depois das classes médias pelo proletariado.
Chegamos então a um paradoxo. Os evolucionistas e historiadores de arte concordam que a moda é uma questão de status. As mulheres procuram nos homens indícios de status, que mudam com moda, e os homens procuram nas mulheres indícios de fertilidade, que não mudam.
Biologicamente, os homens deveriam se importar menos com o que as mulheres vestem, desde que a sua pele seja lisa, elas sejam esbeltas, jovens, saudáveis e, preferencialmente, solteiras. Já as mulheres deveriam se importar extremamente com o que os homens vestem, porque isso lhes diz muito sobre a sua história, sua riqueza, seu status social e mesmo sobre suas ambições.
Mas então porque as mulheres seguem avidamente a moda para roupas e acessórios enquanto os homens se importam bem menos (muito, muito menos) com elas?
Angie Dickinson disse: “Eu me visto para as mulheres e me dispo para os homens”. É uma tremenda frase de efeito, mas não a luz da evolução.
Essa é uma questão que atualmente a ciência não consegue responder. O que parece é que a nossa moda, hoje, é uma aberração que surgiu alguns 200 anos atrás, porque durante o período regencial na Inglaterra, o reinado de Luis XIV na França, na idade media cristã européia, na Grécia antiga, ou mesmo entre Yanomamis modernos, os homens seguiam a moda tanto ou mais que as mulheres, vestindo cores brilhantes, roupas esvoaçantes, jóias e ornamentos luxuosos, lindos uniformes e armaduras decorados até com brilhos. O que podemos dizer com certeza é que estar ‘na moda’ é certamente um símbolo do status entre mulheres e por isso “qualquer pequeno detalhe que sinalize a habilidade de seguir as tendências da moda” é um sinal de status de uma mulher, que pode significar a sua posição hierárquica ou a riqueza do seu marido.
Falta esclarecer a razão, mas o erro esta claro: cada sexo age de acordo com seus instintos, na convicção que o outro sexo tem as mesmas preferências. As mulheres se importam mais com a roupa e os homens se importam menos, mas em vez de tentar influenciar o sexo oposto com seus interesses, eles tentam influenciar o próprio sexo.
Um experimento interessante foi feito na universidade de Pensilvânia. Os cientistas apresentavam para os sujeitos, homens ou mulheres, desenhos simples de figuras masculinas e femininas, e pediam que eles indicassem, nas figuras do seu próprio sexo, qual aquela que eles acreditavam que se assemelhava a sua forma física atual, sua forma física ideal e a forma física que eles consideravam mais atraente para o sexo oposto. E nas figures do sexo oposto, pediam que indicassem qual a forma física que consideravam mais atraente. Em geral, os sujeitos conseguiam identificar corretamente a sua própria forma física mas enquanto os homens colocavam a sua forma física ideal muito próxima da sua forma física atual (mostrando que os homens estão satisfeitos com o seu corpo), as mulheres escolhiam sempre figuras mais magras como o seu ideal. Mas o que intrigou os pesquisadores foi o cruzamento dos resultados de ‘qual a forma física do sexo oposto eles achavam mais atraente’ com ‘qual forma física você acha que mais atrai no sexo oposto’: os resultados não bateram! Os homens acham que as mulheres preferem caras mais fortes do que elas realmente preferem, e as mulheres acham que os homens preferem mulheres mais magras do que eles realmente preferem.

A moda ainda cria um outro paradoxo, que é o da uniformização da beleza. Evolutivamente, em uma espécie monogâmica, a beleza pode ser tudo, menos uniforme!
Charles Darwin já havia dito que “se todas nossas mulheres devessem se tornar tão bonitas quanto a Venus de Medici, nós acharíamos aquilo encantador por um momento; mas logo desejaríamos variedade; e assim que nós obtivéssemos a variedade, nós desejaríamos ver determinados caracteres nas nossas mulheres um pouco exagerados além do padrão comum existente.”
Bell disse que ‘É incrível que o hábito de se vestir de uma determinada maneira, que consiste em leis leis irracionais, arbitrárias e, freqüentemente, cruéis; impostas sem nenhuma sanção formal, sejam obedecidas com tamanha docilidade.’
No Brasil, onde a moda pega tanto e as leis tão pouco, é bem provável que o destino de mais estilistas seja o congresso nacional.
Para saber mais: Leia o capítulo 9 – “Os usos da beleza” do livro “A Rainha Vermelha: sexo e a evolução da natureza humana” de Matt Ridley.

A evolução da moda – parte I: Os homens são todos iguais

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Meu pai é completamente avesso a modismos. Se mais de 5 pessoas começarem a gostar de alguma coisa (que não seja o Vasco), ele logo arruma uma razão pra discordar. Se a gente estende um pouco o assunto, descobre que ele tem uma grande dificuldade para ‘entender’ a questão da moda. Só que nisso, ele não é o único: a maior parte dos homens tem dificuldade de entender o interesse da maior parte das mulheres com a moda.
A estação brasileira dos desfiles está terminando e com espaço que os desfiles, as modelos e os estilistas ganharam na mídia nessa Fashion Week, eu me pergunto se não teria espaço para um cientista também fazer algumas considerações sobre a moda (afinal, depois que ouvi a tal de Glória Coelho falar e não dizer nada sobre aquecimento global, eu estaria até perdoado se o que vou dizer não tiver interesse).
A primeira pergunta que precisa ser feita é: do que os homens gostam? (Fiz essa pergunta também porque ela é muito mais fácil de responder do que a outra: do que as mulheres gostam?)
Os homens não gostam de mulheres porque ‘aprenderam’ isso durante o seu desenvolvimento. Existe uma predisposição genética para os organismos com cromossomas sexuais XY gostarem de mulheres. Mais especificamente os genes SRY, SOX9, FGF9 e WNT4, já que são eles que controlam as doses de testosterona durante o desenvolvimento que fazem com o que o cérebro seja ‘masculino’ e, entre outras coisas, ‘goste de mulheres’.
Homens gostam de mulheres, ponto. Isso não é uma moda e não vai passar. O que eu quero dizer, é que existem coisas, comportamentos, que não são aprendidos, não são flexíveis e não poderiam variar com a moda.
Mas os homens gostam de qualquer mulher? Essa é uma pergunta um pouco mais complicada que a primeira, mas ainda assim mais fácil de responder do que a variante feminina da mesma.
Os machos da espécie humana são, na verdade, muito mais seletivos do que as mulheres da espécie humana podem imaginar. Certamente não tão seletivos quanto as mulheres, mas muito mais seletivos do os machos das espécies de primatas próximas a nossa. Um chimpanzé ficará interessado (e excitado) por uma fêmea seja ela feia ou bonita, alta ou baixa, gorda ou magra, nova ou velha, desde que ela esteja no cio. E, pensando bem, porque ele deveria desperdiçar uma oportunidade, qualquer que fosse, de reproduzir?
No caso dos homens esse ‘desperdício’ pode ser vantajoso. É que somos uma espécie muito particular em aspectos sociais. E uma dessas particularidades é a monogamia. A monogamia também não é aprendida, é algo que está no nosso hardware. Já veio de fábrica (eu sei que isso dá outros posts inteiros, mas peço que por favor guardem suas considerações para que possamos seguir adiante na questão da moda).

Abre parênteses:
para alguma coisa ‘entrar no hardware’, que significa se transformar em um comportamento determinado geneticamente, é necessário que durante milhões de anos, homens que não apresentavam essas características (esses comportamentos) e por ‘vontade’ ou ‘aprendizado’ escolheram mulheres fora desse padrão, deixaram menos filhos, que deixaram menos netos, que eventualmente desapareceram. Fecha parênteses.
E junto com a monogamia, foram selecionadas 3 características de gosto dos homens, sem as quais essa opção evolutiva (a monogamia) seria infrutífera. E por isso os homens gostam de mulheres bonitas de rosto, jovens, e com uma alta relação entre a cintura e os quadris.
Você, mulher, pode não gostar (e até conhecer vários exemplos contrários), mas o conjunto de evidências científicas apontando nessa direção é enorme. E não, vestidos novos ou velhos, azuis ou verdes, de seda ou de malha, estampados ou floridos, com ou sem brilho, combinando ou não com o sapato, não fazem parte da opção.
A beleza do rosto é um ótimo indicador não só de bons genes, como de uma boa nutrição durante a criação. Existem vários estudos (e eu não vou ficar citando tudo aqui porque essa não é uma revisão formal, mas você pode ler o capítulo que eu recomendo no final do texto) que mostram, por exemplo, o efeito de doses de testosterona ou estrogênio nos delineamentos do rosto (o que qualquer transsexual sabe). Don Symons diz que “A face é a parte mais densa de informação de todo corpo”.
A relação entre a cintura e os quadris (C/Q) mostra que não há um acúmulo de gordura que poderia ser prejudicial a saúde, ao mesmo tempo que sugere facilidade na hora do parto.
“Dentro do limite do razoável, um homem achará uma mulher de qualquer peso atraente desde que sua cintura seja mais fina do que seus quadris.”
Os estudos mostram que uma mulher cheinha, mas com uma alta C/Q é geralmente preferida à uma mulher magra mas C/Q baixa. Como a dieta em mulheres razoavelmente magras, como as modelos das passarelas, não tem nenhum efeito na relação C/Q (e quando muito piora ela, ao reduzir o quadril e não a cintura), elas estão condenadas a nunca se sentirem atraentes.
Finalmente, a juventude diz que aquela fêmea poderá reproduzir muitas vezes. Na verdade, muitos dos componentes da beleza feminina são indicadores da idade: ausência de marcas na pele, lábios cheios, olhos brilhantes, seios firmes, cintura estreita e pernas finas.
Abre parênteses: “Os homens (realmente) preferem as loiras”. As mulheres tingiam (ou descoloriam) em os cabelos de loiro desde a Roma antiga. O gene para cabelo loiro nas crianças é bastante comum na Europeus (e também entre os aborígines Australianos) e por isso, quando apareceu um mutação para que o cabelo loiro permanecesse até o início da idade adulta (não depois dos 20 anos de idade), todos os homens com tivessem uma preferência genética por mulheres loiras estariam casando somente com mulheres jovens. Os homens nunca tiveram uma forma direta de saber a idade das mulheres e por isso esse tipo de ‘hardware’ foi levou a um número maior de descendentes, espalhando a preferência e também a propagação do próprio traço (o cabelo loiro) que era certamente um indicador honesto do valor reprodutivo da fêmea. Fecha parênteses.
Se esses os 3 fatores que podemos dizer que determinam geneticamente a preferência dos homens por mulheres, a próxima pergunta tem que ser: pra que serve a moda? Porque certamente não é para deixar as mulheres mais bonitas para os homens. Quem achar isso, não entende nada de homem!
É verdade, a cirurgia plástica pode dar uma esticada no rosto e adiar um pouco a avaliação da idade, uma saia com crinolinas (armações usadas sob as saias para lhes conferir volume) podem enganar a relação C/Q ali; assim como esses malditos sutiãs com forro (que estão super na moda, ainda que sejam menos eficientes e bem menos bonitos que os antigos ‘meia-taça’), mas todos esses subterfúgios não são suficientes para enganar a maquinaria psico-fisiológica dos homens para detectar uma boa candidata a parceira.
A roupa pode ajudar, as pesquisas revelam o que todos já sabem: Os homens são atraídos por mulheres em roupas reveladoras, apertadas, curtas, coladas e decotadas. Quanto mais ‘inadequada’, melhor. A moda faz pouco por isso.
“Os homens são todos iguais” dizem a sabedoria feminina popular. Pelo menos no que tange o gosto pelas mulheres, é verdade. Podemos até dizer que todos os homens querem o mesmo tipo de mulher: o tipo bonito, jovem e reprodutor.
Mas, como os Stones já diziam, “You can’t always get what you want”.
Na Europa medieval e na Roma antiga, os homens poderosos pegavam todas as belezas para seus haréns, deixando uma falta generalizada de mulheres para os outros homens (hoje ainda é assim, na verdade, um pouco menos). Assim uma mulher feia tinha alguma chance de encontrar um homem desesperado bastante para casá-la. Isso não pode parecer muito justo, mas a justiça raramente é uma conseqüência da seleção sexual.
(Continua no próximo post)
Para saber mais: Leia o capítulo 9 – “Os usos da beleza” do livro “A Rainha Vermelha: sexo e a evolução da natureza humana” de Matt Ridley.

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