A noite do padroeiro (parte I)

Dia 19 de Janeiro é sempre dia de festa no Rio de Janeiro. É véspera do dia do padroeiro da cidade, São Sebastião, e para aqueles que, como eu, não são devotos e não tem de acordar cedo no dia seguinte para a procissão, é dia de ir para o forró. Eu sei me virar na pista de dança, então um forró é sempre uma opção de divertimento e uma chance para conhecer garotas.

Se você é ‘Solteiro no Rio de Janeiro’, sair a noite é uma aula de ecologia. Um cara (ou uma garota) solteiro é um predador em potencial; sendo que todo o resto, todos os outros caras e garotas são competidores ou presas. E a relação entre competidores, e entre predador e presa, são das mais interessantes em ecologia, que tem potencial para ilustrar muitas, muitas relações ecológicas.

Uma presa é um recurso. Claro, nem todo recurso é uma presa, mas toda presa é um recurso. Água é um recurso e não é uma presa. Cerveja e tequila também não.

Um recurso é qualquer substância que faz com que a população cresça quando a sua disponibilidade no ambiente aumenta, porque ele é consumido pelos organismos. Ou seja, um recurso é necessário para a manutenção e/ou crescimento do consumidor e, ainda que o excesso da substância ou fator leve a um efeito tóxico, por definição ele é um nutriente.

Mas uma característica importante para definir um recurso é que sempre que ele é consumido, ele diminui, podendo se tornar um recurso limitante.

Naquela noite de 19 de Janeiro de 1999 tinha tequila e cerveja a vontade no forró do Lagoinha. Não foram fatores limitantes. Mas nem por isso foram consumidos em demasia, apenas o suficiente para deixarem os sentidos alertas. Ao contrário do que acreditam as autoridades de transito, o álcool deixa os sentidos mais alerta. Alguns, em detrimento de outros, é verdade. Justamente os sentidos que importavam naquela noite.

Quando uma animal passeia por um ambiente em busca de alimento ou de um outro recurso qualquer, ele encontra, sequencialmente, presas em potencial. E a cada encontro ele se depara com a questão de perseguir aquela presa, o que gasta tempo e energia mas pode ser recompensado com a energia do alimento; ou procurar uma próxima presa, que pode ser mais interessante, seja porque a recompensa é maior, seja porque o custo de persegui-la é menor.

Nem sempre é fácil decidir e justamente por isso, nem sempre a gente consegue decidir. Mas não decidir já é uma decisão, porque como eu disse, além de você e da presa, existem também os competidores. Não consumir uma presa que aparece para você em um determinado momento significa, necessariamente, dar oportunidade a um seu competidor de consumi-la. Você pode ficar a ver estrelas.

Mas como determinar qual é a presa mais interessante? A gente costuma pensar que “a grama do vizinho é sempre mais verde!”, mas nem sempre isso é verdade. Então como decidir? Bom, a ecologia tem uma teoria que funciona incrivelmente bem, mesmo para qualquer situação que um solteiro na noite do Rio de Janeiro possa encontrar.

Quando um predador encontra presas com uma frequência menor do que o tempo que ele leva para capturá-la, então ele deveria consumir todas as presas que encontrasse. Isso quer dizer, se você caiu em uma daquelas festas ciladas onde você olha para os lados e só encontra homem tomando cerveja, e ao ir até a varanda pra tomar um pouco de ar você encontra uma baranga que algum mané deixou sozinha enquanto espera na interminável fila do banheiro, você aborda e sai com a garota da festa. Sem ressentimentos: é um mundo cão.

Mas quando as presas são frequentes ele deve buscar a presa ótima, porque em breve ele deve encontrá-la. A melhor presa é aquela que maximiza a relação custo/benefício, entre o tempo e energia gastos para encontrá-la e capturá-la, e a energia adquirida com a ingestão. É a ‘Teoria do Forrageamento Ótimo’.

Essas duas atitudes diferenciam o generalista do especialista. Como eu falei, a decisão entre um ou outro pode nem sempre ser sua. Em um ambiente inóspito, você pode ser obrigado a ser um generalista. Mas tem gente que é generalista porque gosta mesmo de qualquer coisa, ou porque é meio preguiçoso, e gosta mesmo é de pegar a primeira coisa que aparece pela frente.

Eu nunca fui muito preguiçoso, então naquela noite, circulava pelo Lagoinha com todos os meus sentidos alertados pela cerveja e a tequila. Dançava um forró aqui, dançava um forró ali, até que a vi: Pele morena, uma blusa tomara-que-cai branca e o sorriso mais bonito da Terra.

Como um bom especialista, foquei no alvo e fui atrás dele. Não via mais nada além daquele sorriso e ele tinha de ser meu. Chamei ela pra dançar e nós dançamos. O Lagoinha fica no alto de Santa Tereza. O ar é mais rarefeito lá e a pressão é menor, como no alto de qualquer montanha. Ou era isso, ou ela parecia dançar nas nuvens mesmo. “O que você faz?” ela perguntou. “Eu sou cientista”, respondi. Ela riu e saiu. Deu uma desculpa qualquer do tipo “Não posso deixar minha amiga sozinha” e me deixou plantado sozinho no meio da pista. Mas não sem me deixar aquele sorriso maravilhoso de presente.

A teoria do forrageamento ótimo diz que se a recompensa de uma presa específica por unidade de tempo gasta para encontrá-la é maior do que a média das recompensas ganhas com diferentes presas (também medida por unidade de tempo gasto para encontrá-las), então o animal deve se especializar nessa presa específica! Parece complicado, não é?! Mas você não precisa fazer contas para decidir. A frase acima significa que a especialização compensa apenas quando as presas são abundantes. O que parece ser um paradoxo: Quanto mais garotas bonitas, mais vale a pena você ficar com uma só. Desde que ela SEJA a menina mais bonita. De todas!

Naquela noite não fiz cálculo de média ou outro valor. Havia o troféu: a menina mais bonita da festa. A menina mais bonita que já havia visto na vida!

Se o Guepardo não tiver sucesso na sua investida, vira tapete!
Quanto mais especializado é um animal, maior é o seu compromisso com a caçada. As vezes a escolha de uma presa é um compromisso de vida ou morte. É a ‘Síndrome do Guepardo’. O Guepardo (ou chita) é um felino africano, q
ue alcança a incrível velocidade de 110km/h ao perseguir a sua presa, a Gazela (ou o Antílope, como na foto). Mas a Gazela também é rápida, e não se entrega fácil. A caçada é difícil, e ainda que em geral termine com a morte da gazela, isso não significa que o compromisso do Guepardo seja menor. Se a Gazela escapa, o Guepardo não terá energia para outra caçada e estará fadado a morrer de fome. É difícil dizer quem está certo e quem está errado nessa situação. Acho que por isso a natureza nem tenta fazer o juízo. Há o vencido e há o vencedor. Há o que funciona e o que não funciona. O que funciona, não precisa funcionar sempre. Por isso também, quem vence, não vence sempre.

Juntei minhas últimas forçar e chamei ela pra dançar de novo. Ela veio. Só que dessa vez ela não escapou e dançamos o resto da noite juntos.

(Continua)

Por que as pessoas sentem medo?

Todo mundo tem medo do (de ficar no) escuro
Caramba… será que não tinha uma pergunta mais fácil?!

Na verdade tinha, me perguntaram no final de semana se a quiromancia era uma ciência. Essa é uma pergunta fácil. A resposta é não! A arte de ler as mãos não é uma ciência. Já falei aqui sobre ao que se propõe a ciência e porque essas são pseudociências (ainda que umas, como a quiromancia, seja mais pseudo que outras).

Mas voltando ao medo… como eu não sou especialista no assunto, fui dar uma pesquisada… Meu Deus!!! Quanta besteira tem escrita sobre o assunto! Não vou nem citar todas pra não confundir vocês. Vou, como sempre, tentar me ater ao científico e ao biológico.

O medo é um instinto básico e importantíssimo para a preservação da vida. Sua função é parecido com a da dor. Se não fosse a dor, você continuaria fazendo algo que está danificando o seu organismo. A dor pode começar como um “sinal” para parar e se transformar em uma poderosa força de ação para evitar que o dano continue.

Dentre todas as nossas funções biológicas (alimentar, crescer, reproduzir) uma delas supera quase todas: o mecanismo de “fuga ou luta”. É através desse mecanismo de alerta que nosso cérebro prepara o organismo para exercer uma dessas duas estratégias de sobrevivência, aumentando a pressão sanguínea (que vai levar mais sangue para os músculos), os batimentos cardíacos e aumenta a freqüência respiratória. As pupilas se dilatam, os pelos eriçam e o corpo sua para manter a temperatura. Tudo isso desencadeado pela liberação de adrenalina pela glândula supra-renal (ad renal vem do latim: acima dos rins; e ina é o sufixo de toda proteína, assim como os hormônios).

Basicamente o mecanismo diz, se o predador for menor do que você, ou você estiver de alguma forma, em vantagem (de número ou situação) lute. Se ele for maior, mais rápido, mais numeroso… corra! Antigamente os tigres dente-de-sabre é que ativavam nossos mecanismos de fuga ou luta. Hoje são os ladrões que ativam.

Então esse é o medo? Não, o mecanismo de fuga ou luta não É o medo (ainda que eles possam acontecer concomitantemente). O medo é uma ferramenta que visa evitar o conflito. A função do medo é, imediatamente anterior a ativação do mecanismo de fuga ou luta. Ou pelo menos deveria ser, pra gente economizar energia.

O medo é a sensação de reconhecimento do perigo, ainda que ele não esteja presente. O medo alerta, mas não para a luta. Alerta seus sentidos para reconhecer o efetivo risco de perigo. Ante o medo, você tem escolhas. Ante um predador… não.

Quer dizer, você também tem medo ante um predador. Então vamos colocar direito: Quando VOCÊ VÊ o predador, você sente medo, e você tem escolhas. Mas quando o predador VÊ VOCÊ… o medo não adianta muito. E é bom escolher logo se você vai fugir ou lutar. Não escolher pode custar mais caro do que a escolha errada.

Mas o que tememos? Já nascemos com medo? Sim! Os animais tem instintos básicos que alertam quanto a determinados perigos. Alguns estudos mostram que os recém nascidos tem medo de buracos e de sons altos. Além disso, nós todos sentimos medo, mas o experimentamos de maneiras ligeiramente diferentes, com maior ou menor intensidade. A função do medo é reconhecer o perigo, então nossos medos mudam ao longo da vida. Aumentam em número, porque somos uma espécie com a capacidade de aprender, e podemos reconhecer e armazenar informação quanto a novos riscos. Quanto mais situações de risco aprendemos a reconhecer, mais “medos” passamos a ter. Isso não é ruim: é protetor.

Ah, e não é verdade que tememos tudo que é novo ou desconhecido. Esses são medos incorporados ao longo da vida, e dependem de como somos educados nessas situações. Muitas culturas tem curiosidade ao invés de medo com relação ao novo e ao desconhecido.

Mas, também somos uma espécie com sentimentos e eles interagem com nossos medos básicos, criando novos medos. Isso dá ao medo novas dimensões, fora daquelas instintivas e puramente biológicas. E quando saímos da biologia e da ciência, saímos também do meu campo. Mas como todo mundo, eu também já senti esse tipo medos e por isso, sem medo, vou me arriscar a falar pouco mais.

Freud disse que existem vários tipos de medo. Aqueles associados ao risco, mas também aqueles associados à culpa. Os medos associados a culpa são aqueles que te paralisam e impedem que você reaja frente a uma situação. Ficar paralisado nessas situações não te custa a vida, porque não existe o perigo efetivo. Mas pode significar que você pare de viver. O que no fim das contas, dá quase no mesmo.

Sobre ScienceBlogs Brasil | Anuncie com ScienceBlogs Brasil | Política de Privacidade | Termos e Condições | Contato


ScienceBlogs por Seed Media Group. Group. ©2006-2011 Seed Media Group LLC. Todos direitos garantidos.


Páginas da Seed Media Group Seed Media Group | ScienceBlogs | SEEDMAGAZINE.COM