Um ponto de vista sobre o aborto

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O aborto não é uma questão moral ou religiosa. É uma questão médica e científica. E se há uma razão para ele ser uma questão política, é essa: ser um problema de saúde pública, de saúde da mulher. E é uma vergonha ver nossos candidatos a presidente abrindo concessões e compactuando com crenças que colocam em risco a vida das mulheres.
Eu não sou médico e talvez devesse ficar quieto quanto ao assunto, mas acho que a ciência pode contribuir para esse debate, desmistificando a divindade da vida.
De tudo aquilo que a teoria da evolução nos ensinou sobre a vida, e ela nos ensinou muita coisa, uma eu considero extremamente importante. Que a ontologia imita a filogenia. Essas duas palavras complicadas querem dizer simplesmente que o desenvolvimento da vida imita a evolução da vida, e que quando o embrião e o feto de qualquer espécie está se desenvolvendo, ele passa por estágios que lembram formas ancestrais daquela espécie. É a teoria da recapitulação. Quer um exemplo? Durante o nosso desenvolvimento, no final do primeiro mês de gestação, os fetos humanos possuem arcos branquiais, como os peixes.
Uma outra semelhança é o próprio zigoto, a primeira célula do corpo, formada pela união do espermatozóide com o óvulo. Assim como a vida na Terra teria surgido de uma célula, cada nova vida também surge de uma célula.
Mas como surgiu a primeira celular?
Os filósofos gregos acreditavam que a origem era divina, e por isso não se preocupavam com o ‘como’ a vida apareceu e se contentavam apenas em classificá-la em ‘bichinhos’ e ‘plantinhas’. Mesmo hoje em dia, acredito que a física conheça melhor o que acontece com o início do universo do que a biologia o que acontece com o início da vida. Ainda assim, sabemos o suficiente para desmistificar o fenômeno: existem evidencias suficientes para mostrar que as primeiras células não tinham membrana plasmática, fruto de uma bioquímica de lipídeos complexa e que apareceu muito depois na evolução do metabolismo.
As teorias mais aceitas atualmente, não apontam mais para uma ‘sopa primordial’ feita de molecular orgânicas formadas por descargas elétricas em atmosferas de metano e CO2, mas sim para a origem de um código genético primordial a base de adenina (uma das bases nitrogenadas que formam o DNA), que tem estrutura química simples e é encontrado em TODO o universo. O suporte para esse código genético, que no DNA ‘moderno’ é um ‘esqueleto’ de açúcar e fosfato seria, acreditem, a superfície de cristais de argila. Parece que no final das contas a Bíblia não está tão equivocada ao dizer: “E formou o Senhor Deus o homem do barro da terra” (Gen 3, 7).
A bioquímica, termo que eu aqui uso no seu sentido etimológico, se formou a partir de uma química pré-biótica dentro de compartimentos rochosos de Sulfito de ferro no fundo do oceano. Ao que parece, as primeiras ‘células’ não eram de vida livre e tinham uma casca de pedra.
A ontogenia recapitula a filogenia. Ate hoje, todas as formas de vida que conhecemos são feitas de células (bom, isso pode causar arrepios nos virólogos, mas não vou entrar nesse mérito agora). E o que todas as células tem em comum é que são compartimentos, isolados do meio externo através de uma membrana semipermeável. E através dessa membrana, possuem os mesmos tipos de gradientes que existem (e existiram) no fundo do oceano Hadeano (a era geológica em que a Terra se resfriou), por bilhões de anos, há bilhões de anos.
Existem muitas evidencias que a vida surgiu no fundo do mar, em condições bem simples: um gradiente de eletricidade, que passava de um líquido hidrotermal reduzido (rico em elétrons) através de uma fina crosta terrestre para um oceano oxidado (que não quer dizer exatamente com oxigênio, o que não era ocaso, mas sim ‘pobre’ em elétrons); um gradiente de prótons do mesmo líquido hidrotermal que era alcalino para o oceano que era ácido e, finalmente, também um gradiente de calor, onde algo com 60oC passavam do líquido hidrotermal para o oceano.
Só isso? Bom, mais umas duas ou três coisas, mas isso era o fundamental.
A ontogenia repete a filogenia. O animado repete o inanimado. O conceito é que fenômenos complexos podem ser explicados por sub-fenômenos mais simples. Essa também é uma idéia antiga, um princípio descrito, vejam só, por um monge, no século XIV. Bom, é verdade que Guilherme de Occam era monge, mas naquela época, em que os poderosos dominavam haréns gigantescos, e apenas os primogênitos tinham ‘direito’ a se casar, um segundo filho não tinha muita opção, por lei ou por disponibilidade de parceiras, para se casar, restando apenas o monastério.
Mas como eu ia dizendo, o principio da economia da natureza, ou ‘navalha de Occam’ como ficou conhecido, foi muito bem enunciado por Einstein: “as coisas devem ser o mais simples possível. Mas não mais simples ainda”, e diz que sim, as coisas que vemos como complexas são frutos de coisas simples, porque a natureza é econômica (porque energia, a moeda da natureza) é uma coisa ‘cara’. E vai CONTRA a principal idéia da religião: de que algo complexo, como a vida e o ser humano, teria de vir de algo ainda mais complexo: Deus.
Duas palestras do TED que assisti recentemente, essa e essa, argumentam muito e muito bem em favor da simplicidade como fonte de complexidade.
Mas eu não espero que meus leitores leiam o excelente artigo de Martin & Russel que está anexo, ou que se debrucem sobre os escritos de Prigogine para se convencerem, ou apenas acreditarem, que a vida é uma inevitabilidade termodinâmica e não há nada de divino nisso.
Uma vez me pediram para escrever sobre aborto e eu tenho certeza que não era esse o tipo de resposta que estavam esperando. Mas eu guardei essa resposta para o final. Para mim, o principal argumento para convencer os religiosos da não divindade da vida, vem da freqüência com que os abortos naturais acontecem. Sim, porque abortos naturais são causados por Deus, não são?
Estimasse que 15 a 20% das gestações terminem em abortos espontâneos, aqueles que acontecem antes da vigésima semana de gravidez. Mas o número pode ser muito maior. Primeiro porque eles podem acontecer também depois da 20a semana, mas ai não recebem mais o nome de ‘aborto’: são natimortos ou óbitos fetais tardios. E depois, porque um percentual desconhecido acontece mesmo antes da 4a semana de gestação, em casos que a mulher nem mesmo sabe que está grávida e o aborto pode se passar por um ciclo menstrual um pouco mais dolorido. Com isso, os abortos espontâneos podem chegar a 50% das gestações! Provavelmente a causa mortis mais freqüente da humanidade!
Os abortos espontâneos ainda são responsáveis por 15% dos casos de morte materna por aborto (os abortos induzidos são responsáveis por 85%).
Homens e mulheres tem estratégias reprodutivas diferentes, ainda que colaborem para alcançar um objetivo comum. Mas é provável que por essas diferenças, os homens se preocupem mais com o risco de perderem suas parceiras do que com o risco de perderem uma gestação por aborto: espontâneo ou induzido.
Aposto que nenhum dos carolas que protesta contra o aborto induzido e a santidade da vida viu sua mulher se esvaindo em sangue por um aborto espontâneo.
Martin, W., & Russell, M. (2003). On the origins of cells: a hypothesis for the evolutionary transitions from abiotic geochemistry to chemoautotrophic prokaryotes, and from prokaryotes to nucleated cells Philosophical Transactions of the Royal Society B: Biological Sciences, 358 (1429), 59-85 DOI: 10.1098/rstb.2002.1183
Bruno Gil de Carvalho Lima (2000). Mortalidade por causas relacionadas
ao aborto no Brasil: declínio e
desigualdades espaciais Pan Am J Public Health, 7 (3), 168-172

Vai que dá…

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Minha irmã precisava de um armário pro seu quarto e comprou um nas ‘Casas Bahia’. Como mora em uma casa de dois andares, com uma escada em espiral para o quarto, foi enfática com a vendedora: “Por favor, mande o armário desmontado, senão será impossível passar pela escada.” No dia seguinte, pela manhã, chega o caminhão na casa dela levando o armário… montado. O caminhão voltou com o armário, que não passou pela escada espiral. Ela voltou a loja, procurou a vendedora, argumentou que foi enfática quanto a necessidade de mandar o armário desmontado, ao que a vendedora respondeu:
“É que quando eu cheguei de manhã, os rapazes já haviam montado o seu armário. Ai eu pensei: ‘vai que dá?!’ e falei pra eles entregarem”.
Todos temos de tomar decisões todos os dias, claro, mas porque alguns de nós insistimos em tomar decisões que vão contra todas as possibilidades de sucesso?
Já escrevi aqui sobre coerência e propensão ao risco, que são elementos fundamentais para explicar a dinâmica da tomada de decisão, mas hoje eu queria falar sobre ‘avaliar’ a incerteza. Acho que isso está na raíz desse ‘mal’. E tem a ver com um tema recorrente nesses tempos de internet e saturação da informação: a qualidade da informação que temos.
Veja, antigamente (e estou falando de 1993, a era pré internet), havia, realmente, pouca informação. E essa informação nem sempre era disponível, já que o esforço para chegar a ela era quase sempre infrutífero ou simplesmente não valia a pena.
Atualmente, a quantidade de informação produzida em um ano, supera a quantidade de informação produzida por toda a humanidade nos últimos 40.000 anos. Claro que nem toda essa informação é boa, ou útil, mas com os meios digitais, toda ela está ao alcance dos nossos teclados e monitores. O que nos traz um novo problema: como separar a informação que é boa, daquela que não é boa.
Deixa eu dar um exemplo. Eu posso querer saber se um aluno que chega na sala de aula feliz, aprende mais do que aquele que chega na aula infeliz. Como vou avaliar se meus alunos são/estão felizes? A melhor forma seria perguntar a eles. Então coloco uma folha de papel na mesa de cada um, com uma pergunta simples de múltipla escolha: Você está feliz? Marque uma opção de 1 a 5 com 1 sendo ‘muito infeliz’ e 5 sendo ‘muito feliz’. Analiso rapidamente os resultados e decido se a minha aula pode ‘pegar mais pesado ‘ ou tem que pegar mais leve. Certo? Errado!
Qual a qualidade, a credibilidade, da resposta das pessoas a pergunta ‘você está feliz’? Mesmo não tendo formação em psicologia, posso imaginar umas 100 razões para que uma pessoa responda essa pergunta com viés para o ‘muito infeliz’ ou para o ‘muito feliz’ e que não tenham nada a ver com o real estado de espírito dela.
Se você opta por utilizar a informação fornecida por esse questionário, não importa o quão bom seja o seu método de tomada de decisão (como por exemplo o método estatístico Bayesiano): sua decisão não terá sido melhor do que um chute.
Então como saber se uma informação é boa? Na falta de um mecanismo de verificação, temos que confiar no nosso critério.
Para ter certeza, a vendedora das ‘Casas Bahia’ poderia ter ido até a casa da minha irmã com uma trena, tomado as medidas da escada e da porta, e confrontado com as medidas do armário: montado e desmontado. Assim, tomaria uma decisão sem nenhuma dúvida. Em não tendo essa confirmação, ela tem de confiar na palavra da minha irmã, que conhece a própria casa melhor do que a ela (vendedora), contando que, ao contrário dos meus alunos na sala de aula, minha irmã não tenha nenhum motivo psicológico (conhecido 😉 para fornecer uma informação duvidosa.
Mas ainda assim, ela toma a decisão contrária a lógica e a razão. Porque?
Ok, primeiro escrevi uma longa resposta para essa pergunta (que vai virar o próximo texto), falando sobre critério (e a falta dele) mas depois pensei bem, apliquei a ‘navalha de Occam’ nas minhas idéias, e cheguei a conclusão mais simples (que mostrou que na verdade o meu exemplo inicial da vendedora foi ruim, mas agora vou responder do mesmo jeito).
A vendedora foi contra a lógica por preguiça! Não tem nada a ver com falta de instrumentos estatísticos ou critérios. Foi preguiça e falta de responsabilidade. Não foi ela quem montou o armário à-toa, não era ela quem pilotaria o caminhão ou descarregaria o armário à-toa, nem era ela que ficaria mais um dia sem armário. A sua responsabilidade era de mandar o armário naquele dia (ainda que montado, o que acrescenta falta de ética as suas qualidades).
A conclusão é que a preguiça não é um bom critério de decisão.

Por que as pessoas sentem medo?

Todo mundo tem medo do (de ficar no) escuro
Caramba… será que não tinha uma pergunta mais fácil?!

Na verdade tinha, me perguntaram no final de semana se a quiromancia era uma ciência. Essa é uma pergunta fácil. A resposta é não! A arte de ler as mãos não é uma ciência. Já falei aqui sobre ao que se propõe a ciência e porque essas são pseudociências (ainda que umas, como a quiromancia, seja mais pseudo que outras).

Mas voltando ao medo… como eu não sou especialista no assunto, fui dar uma pesquisada… Meu Deus!!! Quanta besteira tem escrita sobre o assunto! Não vou nem citar todas pra não confundir vocês. Vou, como sempre, tentar me ater ao científico e ao biológico.

O medo é um instinto básico e importantíssimo para a preservação da vida. Sua função é parecido com a da dor. Se não fosse a dor, você continuaria fazendo algo que está danificando o seu organismo. A dor pode começar como um “sinal” para parar e se transformar em uma poderosa força de ação para evitar que o dano continue.

Dentre todas as nossas funções biológicas (alimentar, crescer, reproduzir) uma delas supera quase todas: o mecanismo de “fuga ou luta”. É através desse mecanismo de alerta que nosso cérebro prepara o organismo para exercer uma dessas duas estratégias de sobrevivência, aumentando a pressão sanguínea (que vai levar mais sangue para os músculos), os batimentos cardíacos e aumenta a freqüência respiratória. As pupilas se dilatam, os pelos eriçam e o corpo sua para manter a temperatura. Tudo isso desencadeado pela liberação de adrenalina pela glândula supra-renal (ad renal vem do latim: acima dos rins; e ina é o sufixo de toda proteína, assim como os hormônios).

Basicamente o mecanismo diz, se o predador for menor do que você, ou você estiver de alguma forma, em vantagem (de número ou situação) lute. Se ele for maior, mais rápido, mais numeroso… corra! Antigamente os tigres dente-de-sabre é que ativavam nossos mecanismos de fuga ou luta. Hoje são os ladrões que ativam.

Então esse é o medo? Não, o mecanismo de fuga ou luta não É o medo (ainda que eles possam acontecer concomitantemente). O medo é uma ferramenta que visa evitar o conflito. A função do medo é, imediatamente anterior a ativação do mecanismo de fuga ou luta. Ou pelo menos deveria ser, pra gente economizar energia.

O medo é a sensação de reconhecimento do perigo, ainda que ele não esteja presente. O medo alerta, mas não para a luta. Alerta seus sentidos para reconhecer o efetivo risco de perigo. Ante o medo, você tem escolhas. Ante um predador… não.

Quer dizer, você também tem medo ante um predador. Então vamos colocar direito: Quando VOCÊ VÊ o predador, você sente medo, e você tem escolhas. Mas quando o predador VÊ VOCÊ… o medo não adianta muito. E é bom escolher logo se você vai fugir ou lutar. Não escolher pode custar mais caro do que a escolha errada.

Mas o que tememos? Já nascemos com medo? Sim! Os animais tem instintos básicos que alertam quanto a determinados perigos. Alguns estudos mostram que os recém nascidos tem medo de buracos e de sons altos. Além disso, nós todos sentimos medo, mas o experimentamos de maneiras ligeiramente diferentes, com maior ou menor intensidade. A função do medo é reconhecer o perigo, então nossos medos mudam ao longo da vida. Aumentam em número, porque somos uma espécie com a capacidade de aprender, e podemos reconhecer e armazenar informação quanto a novos riscos. Quanto mais situações de risco aprendemos a reconhecer, mais “medos” passamos a ter. Isso não é ruim: é protetor.

Ah, e não é verdade que tememos tudo que é novo ou desconhecido. Esses são medos incorporados ao longo da vida, e dependem de como somos educados nessas situações. Muitas culturas tem curiosidade ao invés de medo com relação ao novo e ao desconhecido.

Mas, também somos uma espécie com sentimentos e eles interagem com nossos medos básicos, criando novos medos. Isso dá ao medo novas dimensões, fora daquelas instintivas e puramente biológicas. E quando saímos da biologia e da ciência, saímos também do meu campo. Mas como todo mundo, eu também já senti esse tipo medos e por isso, sem medo, vou me arriscar a falar pouco mais.

Freud disse que existem vários tipos de medo. Aqueles associados ao risco, mas também aqueles associados à culpa. Os medos associados a culpa são aqueles que te paralisam e impedem que você reaja frente a uma situação. Ficar paralisado nessas situações não te custa a vida, porque não existe o perigo efetivo. Mas pode significar que você pare de viver. O que no fim das contas, dá quase no mesmo.

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