Deus, um Desejo
O ateísmo “engajado” parece estar mesmo na moda. Textos agressivos, talvez motivados pela vinda de Richard Dawkins ao Brasil, conclamações, blogs, artigos vociferantes – parece que os ateus “pegaram em armas” e decidiram “sair do armário” contra a religiosidade em geral e Deus, em particular. Apesar de concordar que essa atitude é compreensível, tendo em vista certas notícias publicadas, e que a agressividade de algumas condutas teístas beira mesmo à discriminação, quando não a constitui descaradamente, acho-a ineficaz.
É engraçado: todo mundo lê Dawkins, mas pouca gente lê Michel Onfray. Ele devia ser mais citado e reverenciado nesses tempos de cólera. É dele a frase “Superemos portanto a laicidade ainda marcada demais por aquilo que ela pretende combater.” Dele, a justificativa: “Os excessos se explicam e se justificam pela rudeza do combate da época, pela rigidez dos adversários que dispõem de plenos poderes sobre os corpos, as almas, as consciências, e pelo confisco de todas as engrenagens da sociedade civil, política, militar pelos cristãos.” Dele ainda, o caminho a seguir: “A descristianização não passa por ninharias e quinquilharias, mas pelo trabalho sobre a episteme de uma época, por uma educação das consciências para a razão.” Segue, então, minha humilde contribuição a esse trabalho. (Nos passos de Clément Rosset.)
Episteme. Uma crença sabe sempre dizer porque crê, mas nunca no que exata e precisamente crê. Sim, pois o “grande inimigo da crença não é a ‘verdade’, mas a precisão”. Não sendo possível a “verdade” como resposta, o que seria então preferível, o silêncio ou a mentira? Leiamos juntos essa passagem: “A palavra precisa – seja ‘verídica’ ou ‘mentirosa’ – não possui continuidade nem consequência para a atividade intelectual em seu conjunto: no máximo pode engendrar um erro de fato. Em torno da fala solitária da mentira, tudo é silêncio. A palavra imprecisa, ao contrário – sempre mentirosa, e por omissão -, proporciona um ponto de apoio à representação das ideias: pode ser utilizada numa rede de relações ideais que encontrará sua coesão e sua justificação nessa argamassa imaginária”. Qual a relação entre a imprecisão e o silêncio?
Pode-se (re)visitar as expressões epistemológicas básicas da teoria do conhecimento de acordo com o tipo de silêncio que as violam. O racionalismo – atenção à ideia, indiferença ao detalhe – tem o silêncio ideológico. O empirismo – atenção ao detalhe, indiferença à ideia – tem o silêncio cético. O silêncio ideológico é prolixo e impreciso. Permite uma enxurrada de interpretações que se sustentam em uma rede praticamente invulnerável à crítica; permite que um rumor ideológico gire ao seu redor. Esse é o silêncio da imprecisão. O silêncio cético é cirúrgico e milimétrico em não afirmar e não causar rumor – não pode ser confundido com a metáfora do “armário”. A ideia de Deus e o que advem dela pertencem entretanto, ao silêncio ideológico.
O Desejo
Tenho defendido que o ateísmo engajado de Dawkins é inútil. Mais que isso, é contraproducente. Para facilitar a exposição do meu ponto de vista, consideremos isso como um debate. Essa estratégia ataca o opositor pelo seu lado mais forte; o lado no qual ele é invulnerável, blindado por uma carapaça ideológica difusa e densamente amarrada. Vamos dar meia volta e tentar a retaguarda. De onde vem o apego a essa ideia? O que faz um homem acreditar piamente em histórias fantásticas sem qualquer comprovação? A resposta de um século: O Desejo. “O homem não se engana porque ignora, mas porque deseja.” Mais, o homem que se ilude não mente jamais, pois o desejo nunca é preciso o suficiente para produzir um erro de fato. “Essa falta, não de crença, mas de objeto de crença, é precisamente o que define a especificidade da crença e lhe assegura a invulnerabilidade” – diz Clément Rosset.
Mesmo que se “convença” um homem ou mulher que ele(a) está errado(a) com fatos, números, lógica ou qualquer outro tipo de arma cognitiva que se queira usar, não se mata o desejo que ele(a) terá de que a história decorra assim, da forma como eles a veem, pois o desejo pertence a uma esfera não-cognitiva, instintiva ou animal, inerente ao humano. O desejo é inextirpável! Tentativas de extingui-lo podem danificar permanentemente o hardware humano: somos o que somos por desejarmos ardentemente. A psicopatologia desse desejo não é coisa para um post, nem mesmo uma tese e não se ousa aqui explicar o que filósofos e psicanalistas já tentaram com muito mais competência. Mas, posso avançar que talvez a ideia de Deus (e da própria Natureza divinizada que é a tese de Rosset) são os mais poderosos antídotos já elaborados pela imaginação humana contra a ideia de Acaso. A ideia de Acaso que implica em uma insignificância radical de todo e qualquer acontecimento, de toda e qualquer existência, é um soco no estômago do ser que ousou desejar.
Na impossibilidade do des-desejo, melhor seria compreender no que o desejo implica, no que ele tolhe a liberdade e a capacidade de tolerar. Caminho solitário e difícil. Enfrentar o desejo só lhe dá materialidade e força. A ele, dedico apenas meu silêncio cético e aprendo.
Perguntinha Surpreendente
Se “todo mundo” acredita, por que quando “ocorre” um milagre “todo mundo” fica surpreso?
Ou, o homem se engana porque ignora ou porque deseja?
Judicialização do Direito à Saúde no Brasil
O Brasil é um dos 115 países do mundo no qual o direito à saúde está garantido pela Carta Magna. Isso é bom. Já não tenho tanta certeza quanto à validade das interpretações que estão sendo dadas sobre esse direito constitucional. Foi publicado no Lancet, um comentário de um grupo gaúcho sobre os problemas que o estado vem enfrentando em relação ao número crescente de processos com objetivo de custeio de tratamento pelo erário público estadual.
Se considerarmos que uma parte da saúde, talvez não a mais importante, observariam uns, seja a administração de medicamentos e que há, entre o arsenal terapêutico disponível, alguns medicamentos de alto custo e ainda o fato de que o governo garante o acesso à saúde na constituição, não é muito difícil pensar em contratar um advogado para redigir um recurso e que um juiz sensibilizado dê parecer favorável a que o Estado custeie a medicação ao paciente que dela necessite. Dentro de um estado democrático de direito (como insistem em afirmar velhas vozes ditatoriais!) esse é um procedimento regimental e aceitável. É Direito. Entretanto, os autores do artigo entrevistaram alguns personagens dessa história:
“Our recent interviews indicate conflicting views. Many judges and public defenders working on right-to-health cases feel they are responding to state failures to provide needed drugs, and some judges admit a lack of expertise to make informed decisions consistently. Administrators contend that the judiciary is overstepping its role, although some acknowledge that, because of these legal cases, distribution of several drugs has risen. Patients’ associations have a highly contested role. Officials claim that at least some organisations are funded by drug companies eager to sell to the government high-cost drugs.”
Como é complicado o mundo do Direito! O artigo tem como referência uma exposição de um dos autores, Paulo Dornelles Picon da Comissão de Assistência Farmacêutica do Ministério da Saúde, disponível na rede. Os números são impressionantes. O número de ações judiciais por medicamentos parece seguir uma exponencial nos últimos anos. O pior é que alguns desses medicamentos conseguidos por meios judiciais não têm sequer registro na ANVISA, enquanto outros têm sua efdicácia e/ou segurança ainda não justificados por ensaios clínicos bem conduzidos ou reproduzidos em outros contextos.
Um exemplo frequentemente citado é o dos inibidores da COX2. Essa classe de medicamentos foi envolvida em polêmica desde o primeiro estudo que permitiu seu uso clínico. Em um determinado momento em 2002, segundo Picon, havia nos tribunais gaúchos mais de 28 kg da mesma carta solicitando o rofecoxibe para tratamento (sintomático) da artrite reumatóide. No mesmo ano, o PDCT – Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas, documento do Ministério da Saúde que regulamenta o uso de medicamentos excepcionais apontava na página 87 que o uso continuado desses medicamentos tinha uma associação ainda não bem elucidada com o infarto do miocárdio, um dos motivos de sua retirada do mercado anos mais tarde.
O artigo conclui que a judicialização do direito a saúde é uma etapa na história do acesso à saúde no Brasil. Isso envolve direitos humanos, políticas de saúde e práticas de mercado, por isso é necessário aumentar a transparência dos processos que envolvem a liberação de medicações de alto custo, porque de fato, existem pessoas que se beneficiam dessa política. Porém, em decorrência do montante de gastos, tais políticas podem prejudicar a aplicação de recursos em medicina preventiva bem como sua racionalização, caso sejam mal empregados.
Tenho pacientes com processos para receber medicações de alto custo. Alguns necessitam verdadeiramente das drogas, outros nem tanto. Há um caso em que um quimioterápico de última geração e de prescrição off-label, baseada em um relato de uma série pequena de pacientes, foi estocado para uso eventual, caso o oncologista resolvesse prescrever. Não posso julgar os direitos de cada cidadão, minha função não é essa. Por trabalhar em um serviço estadual e também na iniciativa privada, reconheço as falhas e os excessos na estrutura de ambos os lados. A questão é: a corda sempre rompe do lado mais fraco, se é que me faço entender.
Diário de Menininha
Acho que esse post é extemporâneo. Falar da importância dos blogs e de sua divulgação parece não ser mais o hype. Os exemplos pululam: o Fatos e Dados, blog da Petrobrás que, segundo alguns, vem revolucionando a mídia brasileira e a atuação do Ministério da Saúde em responder dúvidas e esclarecer notícias sobre a gripe suína na blogosfera científica, são exemplos que tipificam e consolidam esse tipo de linguagem como dos mais importantes da contemporaneidade.
Por outro lado, tenho evitado falar de política no Ecce Medicus (prefiro muitas vezes falar de religião! Também evito falar sobre futebol devido à fase atual…). Um debate sobre isso ocorreu nos bastidores do ScienceBlogs. É impossível se desvencilhar das opções políticas e de emitir opiniões ou críticas sobre determinadas ações, seja dos governos, seja de pessoas, mas, politizar um blog que não é primariamente sobre política significa, ao menos para mim, perder o foco.
Contudo, no melhor exemplo “esqueça o que escrevi” fhceano, após ler um interessante artigo de Slavoj Žižek na Piauí desse mês, resolvi escrever sobre a importância dos blogs e política, tudo junto, mas acho que isso proporcionará uma visão diferente sobre a atividade da blogagem. “Shame on me, Mr. President!” Que me julguem os meus leitores!
O artigo fala sobre a recriação da hipótese comunista e que a “nova” hipótese não pode ficar restrita aos malefícios do capital e da propriedade privada. “Não basta permanecer fiel à hipótese comunista: é preciso localizar na realidade histórica antagonismos que transformem o comunismo numa urgência de ordem prática. A única questão verdadeira nos dias de hoje é a seguinte: será que o capitalismo global contém antagonismos suficientemente fortes para impedir a sua reprodução infinita?” pergunta visceralmente Žižek. (A visão do comunismo como ferramenta de crítica sempre me agradou.) A conclusão é que existem 4 antagonismos internos que ele considera suficientemente fortes a ponto de inviabilizar o capitalismo liberal da forma como o conhecemos hoje:
1. A ameaça premente de catástrofe ecológica;
2. A inadequação da legislação da propriedade privada para a propriedade intelectual;
3. As implicações socioéticas dos novos desenvolvimentos tecnocientíficos, especialmente no campo da engenharia genética;
4. As novas formas de segregação social.
Žižek então, introduz o conceito de commons (aqui um excerto em inglês) de Tony Negri e Michael Hardt (página 321-324, Império. Record). Ele acha que o que une os “quatro cavaleiros do apocalipse” acima é o conceito de commons, a substância compartilhada de nosso ser social. Esse ser social que emagrece dia após dia, fruto da substituição de uma relação imanente entre o “público” e o “que é de todos” pelo poder transcendente da propriedade privada. Ou seja, o que é “público” não é de livre acesso, é também sinônimo de malacabado, maladministrado e brega. O que é “privado” tem o que é chamado de poder transcendente, quase um fetiche de “coisa chique” que faz com que pensemos ser o melhor. O artigo envereda por esse raciocínio para poder justificar uma nova forma de pensar a hipótese comunista como uma forma de recuperar os commons da vida pública. De qualquer forma, acho que qualquer pessoa poderia considerar que as quatro razões que Žižek citou como tendo de fato poder para desestabilizar qualquer sistema econômico de proporções planetárias, haja vista a fragilidade da causa-motriz da crise vigente. Queria parar por aqui porque gostaria de retomar a raison-d’etre do post.
Ao progressivo esvaziamento do espaço público seguiu-se o surgimento de um enorme espaço virtual. Parece incrível, mas esse espaço virtual é ainda, em sua grande parte, público. Dá voz a grupos e pessoas sem voz no espaço real. É independente e livre e isso é assustador. Não é de estranhar as insistentes tentativas de privatizá-lo (e o projeto do Sen. Azeredo não me deixa mentir), mas chamo a atenção novamente para os 4 pontos de Žižek. Fica fácil agora analisar a atividade da blogagem, seja ela científica, filosófica, política, ou mesmo puramente informacional, como uma das formas de resistência de manter esse espaço público a salvo do sabor das ondas cerceadoras da liberdade pública. Antes de pensar em Esquerda e Direita, termos que carecem de redefinições como a que tentou Bobbio anos atrás, e no que será a “hipótese comunista” no futuro, prefiro aquele velho exercício de imaginar o que pode conduzir meu pensamento e que é externo a mim.
Penso que o que começou como um “diário de menininhas” vem atualmente se tornando numa das maiores e mais poderosas armas contra a opressão do ser humano pelo simples fato de igualar “condições de fala”, pressuposto básico para democracia.
PS. E já que “enfiei o pé na jaca” mesmo: Abaixo o golpe militar em Honduras!
O Paciente Subsidiário
Muitas vezes, em consultas, sou obrigado a explicar alguns conceitos de estatística para que os pacientes não caiam em alguns engôdos bastante frequentes. O mais comum desses conceitos diz respeito à normalidade dos exames laboratoriais. Vamos a ele.
Suponhamos que alguém invente uma nova técnica laboratorial para se medir a glicose no sangue. Como seriam determinados os valores normais desse teste? Uma vez aprovada o procedimento (assegurado o fato de que ninguém morrerá fazendo o exame!), um sujeito sai a caça de voluntários SAUDÁVEIS (isso é importante) para examinar seu sangue de acordo com a nova técnica. Colherá milhares de amostras de sangue, colocará tudo num gráfico e o que encontrará?

Curva Normal
Quando um paciente for ao consultório e eu resolver testar sua glicemia utilizando esse teste que acabamos de descrever, existirá uma chance, intrínseca ao método, de que o exame tenha um resultado FORA dos valores considerados normais, portanto vir alterado ou positivo, e o paciente não apresentar absolutamente NADA! Essa chance é, pelo exposto, de 5% (2,5% de cada rabicho da curva, arredondei para 95%). Alguém poderia dizer “Tudo bem, Karl. Nem tudo é perfeito e sempre existe uma margem de erro”. Eu concordo. Porém, o problema é que nunca se pede um único exame. Pacientes adoram fazer check-up “Dr., pede tudo aí porque é o convênio que paga mesmo!”; os médicos adoram pedir exame “Bom, vou pedir tudo, já que vai ter que tirar sangue mesmo!” e são pedidos em média, há estatísticas para isso, 10 a 20 testes por consulta, dependendo da especialidade, plano de saúde, etc.
(Agora é a hora de entrar em pânico!) Quando pedimos 1 teste, a chance deste teste vir NORMAL e o paciente NÃO ter a doença que ele testa é 95% ou 0,95, como vimos. Quando pedimos 2 testes, a chance dos dois resultarem NORMAIS e o paciente NÃO ter doença é 0,95×0,95 = 0,9025. OU SEJA, há 10% de chance (1-0,9025) de pelo menos 1 teste vir alterado e o paciente NÃO ter doença nenhuma. Com 4 testes, a conta fica 0,8145 e a chance de pelo menos um vir alterado e o paciente ser saudável é 1-0,8145 mais ou menos 18%. Quando chegamos ao número de 16 testes, a chance de pelo menos 1 vir alterado e o paciente ser inteiramente saudável é de 1-0,66 ou seja 34%: UM TERÇO! A conclusão disso é muito importante. Quando peço a famosa “batelada” de exames a um paciente, a chance de pelo menos 1 desses exames vir alterado e o paciente ser saudável é enorme. Se eu sou um médico “rifado”, como costumo dizer, dos exames dos pacientes, vou achar doença onde não existe! Vou ficar tentando encaixar o paciente nos exames e não o contrário. É o que eu chamo de paciente subsidiário! O exame é o principal.
Há alguns anos estava na moda uma absurda análise de fio de cabelo na qual uma amostra era enviada aos EUA (sempre lá) onde eram realizados testes para quase todos os elementos da tabela periódica! Eram mais de 50 exames. Sabe-se lá de onde tiraram os valores normais, por exemplo do Cádmio, no fio de cabelo. A chance de pelo menos 1 teste vir fora dos padrões normais independentemente da arbitrariedade com que foram determinados beirava os 100%. Daí, o “médico” de posse dessa poderosa ferramenta dizia: “Minha filha, seus níveis de Cádmio estão muito altos. Você precisa desintoxicar-se!” E prescrevia umas poções, em geral feitas em alguma farmácia da qual ele tinha uma porcentagem sobre os lucros. Alguns pacientes melhoravam, claro. E lá ia toda a manada arrancar os cabelos e beber poções para tentar resolver seus problemas…
Eu fico pensando… Que tipo de médico teria ainda hoje, a coragem de desprezar um teste laboratorial positivo apenas porque ele não se encaixa no racional que montou para seu paciente? Pergunta difícil. Outra. Que tipo de paciente confiaria no médico que lhe dissesse isso? Essa é mais fácil. Um paciente que não quer ser subsidiário.
Atualização
1. O link para o post no Brazillion Thoughts.
2. Comentário no DrugMonkey.
Mortes por Gripe Suína

Instituto de Infectologia Emílio Ribas
A gripe suína é uma zoonose que teria comportamento ainda não definido e portanto, imprevisível. Entretanto, Carlos Frederico D. dos Anjos, ex-diretor do Hospital Emílio Ribas, escreve um artigo na Folha de São Paulo (para assinantes), do qual destaco os seguintes pontos:
“Por outro lado, o perfil clínico e epidemiológico da gripe suína se caracteriza por acometer jovens e com baixa letalidade (em média, 0,4% dos casos). No Brasil, onde mais de 70% dos casos são importados, 85% têm entre 10 e 49 anos, mais de 90% dos quais com quadros clínicos leves e moderados (Sinam/MS). Nos EUA, só 9% dos casos requereram hospitalização, 41% destes portadores de doenças crônicas (NEJM, 2009)”.
“Chamo a atenção para o fato de que mesmo os casos mais graves são similares a pessoas infectadas com outros vírus de origem suína ou influenza sazonal, cuja morbimortalidade associada resulta de complicações secundárias, como pneumonia viral e bacteriana secundária ou como exacerbação de doença crônica.”
Por fim, o Emílio Ribas não é o único hospital que atende casos suspeitos: “Acontece que o IIER (Instituto de Infectologia Emílio Ribas) é 1 dos 5 hospitais na grande São Paulo que são referência para o atendimento desses pacientes, ao lado do Hospital das Clínicas, hospital São Paulo-Unifesp, hospital do Grajaú, Hospital Geral de Guarulhos e hospital Mário Covas-Santo André.”
Conclusão:
1. Essa gripe preocupa porque é de um vírus diferente, ainda não o conhecemos totalmente. Acomete pessoas mais jovens. Tem baixa letalidade. Apenas 9% necessitaram hospitalização nos EUA, metade com doenças crônicas. Parece estar se comportando como uma gripe comum.
2. Atualmente, é indistinguível de um caso de gripe sazonal, inclusive na gravidade.
3. O Hospital Emílio Ribas não é o único que pode atender casos suspeitos, fazer sorologias ou administrar medicamentos caso necessário. Outros 4 hospitais na Grande São Paulo estão preparados com um plano de contingência para isso (ver acima).
É isso.
Mecanismos Geradores de Certeza
Quando uma pessoa diz, “tenho certeza absoluta disso” ou “isso é evidente” é de se perguntar qual o caminho percorrido até ter chegado a essa conclusão. Normalmente, quando pedimos para que nos explique esse caminho, os resultados são decepcionantes: não conseguimos ter a mesma impressão. Parece sempre que falta algo, um detalhe, um passo que a linguagem ou o interlocutor não foram capazes de traduzir. E falta mesmo. A certeza é mais um estado psíquico que uma verdade auto-evidente. É, como diz Fernando Gil, uma relação. (Daí a fascinação que alguns professores exercem sobre seus alunos ao passar a certeza dos conhecimentos com emoção contagiante.)
Sendo assim, só quem pode avaliar criticamente as certezas é quem as tem. (Talvez seja essa a principal desvantagem dos céticos.) Quais são os mecanismos geradores de certeza dos quais nos utilizamos? As certezas e a “verdade” são necessidades básicas da vida e podem ter sido fundamentais para o desenvolvimento de nossa espécie, de forma que nos agarramos a elas com as unhas de um afogado. Há poucas dúvidas de que os mecanismos geradores de certeza sejam exatamente os mesmos para qualquer tipo de “verdade”, seja revelada, experimental ou filosófica. Como então pedir a quem quer que seja para que analise suas certezas criticamente? E se o chão ruir? A aporia da “verdade” é essa: se os céticos não tem as certezas para que possam criticá-las, os crédulos que as possuem, não o querem.
Para muitas pessoas perguntar de onde tiram suas certezas é ofensivo por essas razões. Então a única possibilidade é: pergunte você mesmo! Que forma de convencimento funciona com você? Por que temos tanta certeza de certas coisas e de outras não? O primeiro passo é fazer a pergunta. Qual o mecanismo gerador de certeza que nos levou a acreditar naquilo como “verdade”? Provavelmente, possamos descobrir que não seja único. Seja preconceituoso e falho. Emocional e algo irracional: Humano!
Em demasia.
A PLoS, Artigon e Libron

A PLoS acaba de lançar o PLoS Pathogens “Pearls”. Publico aqui os três primeiros parágrafos do annoucing linkado acima:
“The PLoS Pathogens editors and staff are thrilled to announce the debut of “Pearls,” a new series in the journal that will begin publishing monthly, starting with this June’s issue.
Each Pearl will be a concise primer on a topic of importance, meant to fill the gap between research articles and textbooks. Pearls will be tailored for graduate students and post-docs, while providing a format accessible to a general readership.
In contrast to the dynamic nature of research articles and textbooks, we hope that Pearls will provide a growing compendium of the “lessons that last,” for everyone from the scientist researching an area outside his or her field, to lay readers looking to learn more about a disease that affects them personally.”
É impressionante como a PLoS é sensível às necessidades da democratização do conhecimento. É um passo importante para a paz entre Artigon, Libron e seus ansiosos habitantes. Não basta conhecer. É preciso fazê-lo ética e moralmente da forma correta.
Reprodução de Células-Tronco II
A pedidos,
A repostagem da foto do momento exato da reprodução de uma “célula-tronco”…
Não é montagem. É “poda” mesmo.
Artigonistas e Libronios
Já se vão alguns anos desde minha formatura (jamais saberão quantos, hehe) e tive a oportunidade de ver algumas mudanças importantes na medicina, na ciência médica e, como não poderia deixar de ser, na prática médica – um corolário das duas primeiras. Uma das mudanças das quais já falei foi a digitalização dos artigos e a facilidade de encontrá-los em contraposição com a enorme dificuldade de fazer um levantamento bibliográfico antes do advento da National Library of Medicine e do PubMed.
Bem antes disso tudo, a transmissão do saber médico estava vinculada à figura do “professor de medicina”. Era esse professor a fonte das novidades. Era ele quem atravessava o Atlântico uma vez por ano de navio, normalmente em direção à França, mas também á Inglaterra em busca de novidades que seriam repassadas em doses homeopáticas em grandes visitas à beira leito. Depois, os livros importados, as revistas fotocopiadas para, finalmente, chegarmos à verdadeira devassidão de arquivos pdf trocados em emails e pendrives individuais ou grupos de estudo com disseminação geral do conhecimento, computadores de mão e até celulares, levando centenas de megabytes de informações ao bolso dos médicos.
Essa facilidade de estar atualizado às vezes, com estudos que ainda não foram publicados, de ter acesso a centenas de publicações tão facilmente, não poderia deixar de influenciar a conduta do médico. A medicina é uma profissão que depende de um saber científico e a tensão da decisão prática da qual já falamos tanto, é irredutível. Com isso, houve uma diminuição da utilização dos livros técnicos em detrimento aos artigos científicos. Chegando ao ponto dos “pais fundadores” da medicina baseada em evidência decretarem a morte dos livros de medicina.
Qual o papel dos livros de medicina na formação do médico? Será que o conhecimento adquirido por meio de artigos científicos e revisões é do mesmo tipo daquele adquirido junto aos livros?
Poderíamos dividir os médicos em duas populações: os provenientes do planeta Artigon e os do planeta Libron. Artigonistas argumentam que livros demoram a ser escritos e quando publicados já apresentam um grau de obsolescência considerado inaceitável. Os artigos permitem trabalhar dentro da melhor evidência possível por serem atualíssimos. Libronios dizem porém, que artigos causam fragmentação do conhecimento. Não permitem um conhecimento exegético do assunto. “Mas quem quer conhecimento exegético?” – perguntaria um artigonista. “Aqueles que querem ter uma visão crítica de um assunto!” – responderia um libronio, numa discussão sem fim.
A medicina pela sua inerente relação com a prática, talvez seja uma das únicas atividades de cunho científico que permite essa dúvida. Medicina de livro ou de artigo?