A verdade sobre Homens e Mulheres

Uma das coisas que aprendemos em biologia é que as pessoas são diferentes, mas são iguais.

Todos dividimos características, físicas e psicológicas, que nos permitem nos identificarmos como humanos. Mas também, todos possuímos características, físicas e psicológicas, que nos fazem diferente de qualquer outro humano. Nos fazem únicos. Parece um contra-senso, um paradoxo, mas não é. Essas características são consequência dos nossos genes e de como eles se funcionam (se expressam) no ambiente em que vivemos. E um ou outro evento aleatório (ao acaso) aqui e ali durante o percurso. Todos temos, mais ou menos, as mesmas coisas, aquelas que nos fazem iguais, mas em graus e quantidades diversas, o que nos tornam diferentes.

Abre um longo parênteses. Bom, mas quando eu digo que nós humanos somos todos iguais ao ponto de os reconhecermos como humanos, não estou sendo totalmente correto. Existem basicamente dois tipos de humanos, com diferenças suficientes para que possamos afirmar, do ponto de vista genético, fisiológico, molecular, bioquímico, que são diferentes: os homens e as mulheres.

“Ah… Mas isso é obvio!” Você pode dizer. E é. Mas as diferenças, biológicas, entre homens e mulheres vão mulher vão muito, muito além do obvio. temperatura do corpo, número de receptores de pressão na superfície da pele, concentrações de hormônios, receptores na membrana celular, neurotransmissores.

“Ah… Mas isso não me interessa” você pode dizer. E esse é o meu ponto nesse livro: deveria te importar, porque é importante. Essa é a razão pela qual homens e mulheres discutem, porque a comunicação é difícil, pela qual políticas de igualdade entre os sexos fracassam, porque meninos ou meninas fracassam na escola, porque você gosta de quem não gosta de você e porque você não gosta de quem gosta de você. Também é a razão pela qual seu coração bate mais rápido quando você encontra o seu amor, pela qual sua pele se arrepia, pela qual gostamos de beijar na boca (e em outros lugares), pela qual gostamos de dormir agarradinho, pela qual os homens ejaculam precocemente e as mulheres tem surtos de desejo sexual. Fecha o longo parênteses.

Ainda que as semelhanças que nos fazem iguais e as dessemelhanças que nos fazem diferentes não constituírem um paradoxo, elas geram um poderoso conflito: queremos fazer parte de um grupo, dividir uma identidade, mas queremos ser únicos, diferentes de todo mundo.

Do ‘não-paradoxo’ das semelhanças e dessemelhanças nascem um novo conflito, na minha opinião ainda mais poderoso (ouso dizer, o mais poderoso de todos): a nossa necessidade de segurança e de mudanças. Não são só as mulheres que querem segurança. Todos os seres humanos querem. Também não são só as mulheres que querem ‘novidades’ da moda. Todos os seres humanos são exploradores por natureza. Queremos segurança porque um mundo onde tudo muda o tempo todo é muito desgastante. A constância e a estabilidade são importantes para pouparmos energia. Poupar energia, por sua vez, é uma coisa importante também, porque a quantidade de energia disponível na natureza é limitada. E por isso a evolução nos tornou amantes da tranqüilidade e da segurança. Mas vivemos em um mundo onde os recursos também são escassos e devemos competir por eles com outros organismos, da nossa e de outras espécies. Se ficarmos acomodados ou parados no mesmo lugar, nossos competidores acabam por identificar nossos pontos fracos e Zaz… ou somos comidos, ou não conseguimos mais comer nada (e nem ninguém). Precisamos explorar novos territórios, novas fontes de alimento, precisamos criar novas estratégias, precisamos inovar.

Uma dessas inovações, criou mais um paradoxo, que na minha opinião é o que vivemos mais intensamente no dia-a-dia. A invenção foi a colaboração, que cria um paradoxo com a nossa necessidade vital de competir pelos recursos escassos da natureza. A verdade verdadeira é que não inventamos a colaboração: os lobos colaboram, as formigas colaboraram, os leões colaboram, os cupins colaboram. Mas nós elevamos a colaboração a um patamar muito superior ao de qualquer outra espécie e nos tornamos muito bem sucedidos por causa disso.

Como apareceu a colaboração? Nós conseguimos superioridade com relação aos outros macacos porque começamos a consumir muita carne. Nada de passar o dia procurando frutinhas e besourinhos. Depois que provamos o sangue e toda aquela proteína, não quisemos mais nada. Mas para comer carne, tínhamos que competir com os tigres e leões da savana africana pelas Zebras e Antilopes (aliás, carne de Antilope é uma delícia), animais que tinham sido preparados pela seleção natural por milhões e milhões de anos com armas (garras e presas) poderosíssimas para matar. Nós não tínhamos armas naturais, mas tínhamos um cérebro. E como diz a piada, ‘como um desses, podíamos obter um monte daqueles’. Colocamos o cérebro pra funcionar, inventamos lanças e machadinhos e aprendemos a colaborar para caçar. (Veja vai encarar?)

A colaboração parece uma coisa muito, muito boa. Intuitivamente tão boa, que se chegasse um cientista dizendo que ela não é boa, talvez vocês achassem ele maluco. O fato é que colaboração é insustentável. Em um planeta finito, não há recursos para serem divididos por todos, principalmente se continuarmos dobrando o número de ‘todos’ a cada 10 anos. A única coisa que é realmente sustentável é o egoísmo. (pausa para vocês tacarem pedras no cientista). Justamente porque ele não olha para o ‘grupo’ que pode crescer descontroladamente. Ele, o egoísmo, age para o indivíduo. A colaboração, vejam o paradoxo, só funciona em pról dos interesses egoistas dos organismos.

Para entender esse argumento sem querer tacar pedras no cientista, é preciso ver o mundo como a ciência vê. A vida apareceu no planeta há cerca de 4 bilhões de anos e os organismos, todos os organismos, são frutos de umas moléculas, o DNA (pra simplificar), que ser organizaram de acordo com fenômenos muito simples regidos pelas leis da física e que tinha um simples propósito: continuar existindo. Esse propósito, egoísta, não precisa de uma explicação moral. Ele obedece as leis da física. E essas leis, até onde sabemos, e nós sabemos bastante coisas, funcionam em todos os lugares do universo e funcionaram em todos os tempos e continuaram funcionando muito depois de termos nos extinguido.

“A vida como ela é”, como o cientista vê que ela é, não é uma opinião: é uma decorrência direta das leis da física, que são as únicas verdades inquestionáveis do universo. Especialmente de duas delas, denominadas, bobamente, de primeira e segunda leis da termodinâmica. Uma diz que nada se cria e nada se perde, tudo se transforma. Parece bom, não é?! Não morremos… nos tornamos anjinhos ou demônios. Mas não é bem assim, porque a segunda lei diz que nessa transformação, as coisas perdem qualidade, que em termos físicos significa que elas ‘viram calor’ até que cheguem ao ponto de não existir mais nada, só calor, o que é o fim do universo. Infelizmente, calor só serve para esquentar coisas e não serve pra mais nada.

Ei… vocês ficaram deprimidos? É justamente por isso que as pessoas não querem ouvir os cientistas? Mas veja, ainda que as razões sejam estapafurdias leis da física e as motivações egocêntricas não sejam exatamente nobres, elas permitem que façamos coisas maravilhosas como a nona sinfonia de Beethoven, Hamlet de Shakespeare, a teoria das supercordas ou o gol do Roberto Dinamite no Botafogo em 1976. Por sorte ou circunstâncias, nosso cérebro não foi feito para entender o Bóson de Higgs, a matéria escura ou o nosso próprio cérebro. Fomos feitos para buscar alimento, buscar abrigo, reproduzir, fugir ou lutar, mas para fazer isso com maior eficiência aprendemos a rir e a chorar, as nos emocionarmos com o belo, nos irritarmos com o dolorido, nos solidarizarmos com o sofrimento alheio, nos deliciarmos com boa comida e bom vinho.

E somos cheios de paradoxos e conflitos. No final das contas, parecemos todos doidos, Parece que queremos uma coisa agora e outra depois. Uma coisa em uma hora e outra em outra. Uma coisa hoje e outra amanhã. E ao contrario do que pode nos sugerir a nossa intuição, essas mudanças de humor e essa eterna insatisfação não são coisa ‘da nossa cabeça’. quer dizer, até são, porque estão no nosso cérebro, mas não dependem da nossa vontade, da nossa consciência. Da moral, ética ou dos bons costumes. Dependem de genes, instintos e hormônios. E por isso que um biólogo pode vir aqui falar pra vocês sobre isso e pode até escrever um livro sobre isso. É por isso que vocês devem ler “A Verdade Sobre Cães e Gatos”. Agora a venda no Facebook e na Amazon.br. Um ótimo presente de Natal.

Cego, surdo e mudo

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“Nossos impulsos reprimidos são tão humanos quanto as forças que os reprimem”

Essa frase de um famoso psicólogo (Symons, 1987) descreve bem o equivoco que muitas pessoas comentem ao acreditar que a nossa consciência é nossa, mas nossos instintos não são.
O mesmo raciocínio permite o equívoco na direção contrária, ao defender ações com base na emoção, em contrapartida ao uso da racionalidade.
Na foto acima, tirada ontem em copacabana, o relógio de rua serve de outdoor para a nova campanha publicitária da Diesel, uma marca fashion de produtos diversos que vão de óculos à calças jeans, de perfumes à bolsas. Uma tradução livre dos dizeres no letreiro é:
“Os espertos escutam a razão. Os idiotas escutam o coração. Seja idiota!”
Eu responderia: Idiotas, fiquem espertos, quem escuta o coração, está escutando é a razão!
O coração não ouve e não fala. Quem vê, fala e ouve é sempre, e somente, o cérebro.
Esses equívocos são estimulados pela crença infantil que nossa razão e emoção estão em locais diferentes. Como eu já escrevi aqui, o coração era tido pelos antigos egípcios como a residência da alma, o responsável pelas emoções. Mas isso porque eles não tinham como dissecar uma pessoa para saber que na verdade o coração é apenas uma massa muscular que não faz outro a não ser bombear sangue, para o pulmão e para os outros órgãos e tecidos.
Meu coração partido não está no meu coração, está no meu cérebro.
Assim como todo o resto. Amor, lógica, raiva, álgebra, empatia, aritmética, filosofia, dúvida, decisão e geometria.
O ser humano precisa tanto de estabilidade quanto de variedade. Quem escolher usar sempre a razão, da mesma forma que um aluno que resolve responder a opção A para todas as questões de uma prova, sempre acertará, ainda que ao acaso, um monte de vezes. Da mesma forma, quem optar por usar sempre a emoção, marcando B em todas as respostas da prova, também vai acertar muitas vezes. Mas ninguém faz isso. Nem que queria.
Somos máquinas de reconhecer padrões, cujas decisões são baseadas em uma série de parâmetros que são captados conscientemente pelos nossos 5 sentidos, mas também uma série de outros parâmentros, coletados pelos mesmos 5 sentidos, mas processados inconscientemente (expressões faciais e corporais, timbre da voz, odores, por exemplo). O processamento dessas informações, tanto o consciente quanto inconsciente, depende das experiências e expectativas, imediatas e distantes, que cada organismo, cada pessoa, está submetido em um determinado momento.
O que eu quero dizer é que a grande dica é: idiotas, escutem sua razão quanto a qual o melhor balanço entre razão e emoção para resolver uma determinada situação em um determinado momento. E fique esperto!
Mas todo mundo é esperto, porque em um grau ou em outro, já faz isso.
Idiota mesmo é só quem paga R$1.000,00 por um jeans da Diesel.

Diário de um Biólogo – Sexta 09/10/2009

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Chove a cântaros no Rio de Janeiro. Já chovia ontem quando peguei a maior água voltando a pé do cartório, que fica perto o suficiente pra não querer ir de carro e longe o suficiente para ser complicado ir de metrô. Mas quando percebi estava na frente da livraria que mais gosto no Rio de Janeiro, a Prefácio ao lado do Estação Unibanco. É uma pena que as livrarias do Rio fiquem cada vez mais aconchegantes e os livros que elas vendem cada vez mais caros. Hoje em dia, comprar os livros pela internet (as vezes na loja virtual da mesmas livraria), significa quase comprar um livro a mais. Mas considero que agora essas mais ‘vitrines’ do que lojas e entro pra me proteger da chuva, tomar um café e dar uma zanzada no meio dos livros porque faz eu me sentir mais inteligente. Acabei topando com “Candido ou o Otimismo” de Voltaire.
Já queria ler esse livro há algum tempo, desde que comecei a usar sistematicamente o artigo clássico de Gould e Lewontin sobre os ‘Spandrels‘ da basílica de São Marcos em Veneza e as anedotas do personagem Dr. Pangloss de Voltaire para criticar o programa adaptacionista dos biologos evolucionistas (busco um link no meu blog para o texto onde discuto esse artigo e me surpreendo ao descobrir que nunca falei sobre ele. Mas fica pra outra vez).
Dr. Pangloss é o filósofo alemão Leibniz, autor da teoria de que ‘vivemos no melhor dos mundos possíveis’ e por quem Voltaire nutria grande desrespeito. Comecei a ler o livro, que é bem pequeno, no congestionamento para voltar pra casa hoje. Estou no capítulo V e é divertidíssimo.
Dou uma parada para o jantar, Carpaccio, que eu mesmo faço, com uma taça do vinho que sobrou do final de semana (mas que estava preservado no vácuo) e penso se isso me faz sofisticado e em quantas pessoas diriam que sim e quantas outras diriam que não. Sento no computador e entre a correspondência está o Jornal da Ciência (um clipping de todas as notícias científicas na mídia no dia).
O JC representa pra mim o problema atual do excesso de informação. Todos os dias ele chega e quase todos os dias eu o deleto sem nem mesmo ver as manchetes. A razão é simples: sempre tem uma manchete, pelo menos uma, que me interessa. Hoje eu abri e não foi diferente.
Era um artigo do geneticista mineiro Sérgio Pena sobre evolução e criacionismo na Ciência Hoje. Eu sou fã das pesquisas dele o Sérgio e já até escrevi sobre elas. Ele também já escreveu vários livros para o público leigo sobre raças, a sua especialidade. Mas não gostei desse artigo. Todas as informações estão corretíssimas, mas apenas para os pouco iniciados capazes de entendê-las ou de se sensibilizarem com elas. Sérgio diz que não entende como algumas pessoas podem renegar a evolução e desfila argumentos inquestionáveis como a semelhança do nosso genoma com os dos chimpanzés (95%), camundongos (67%), mosca da fruta (45%) e… até com as leveduras que fazem nossa cerveja (cerca de 15%). E ai reside o pecado do texto: ele prega para convertidos. Qualquer um capaz de entender os seus argumentos certamente não é alguém que renega a seleção natural e a evolução.
Lembrei da clarividente citação de Dobzhanski que publiquei aqui: de acordo com ele, não importa a qualidade (e quantidade) dos argumentos racionais. Se as conclusões forem desagradáveis, as pessoas resistirão a elas.
Fico pensando então de que serve todo o nosso intelecto, se no final das contas o que vale é o sentimento. Peraê, mas será que é o sentimento mesmo?
A questão é que se eu dissesse que é o nosso ‘instinto’ que vale, os humanistas começariam a bradar dizendo que nossa razão é dominante sobre o nosso instinto. Mas curiosamente, são esses mesmos humanistas que sublimam a razão em nome do sentimento.
No biografia de Voltaire há uma citação de Frederico da Prussia que durante algum tempo foi mecenas de muitos intelectuais do século XVIII, e teve de apaziguar algumas querelas entre os egos inflados: “O diabo encarnou nos meus literatos, e não há maneira de fazê-los voltar a razão… Deve ser um consolo para os animais ver que gente com tais cérebros não é muitas vezes melhor que eles”.
A questão não é o que diferencia razão e sentimento, mas o que os une: o instinto! Somos tão insuportavelmente animais que resistimos heroicamente a aceitar definitivamente a racionalidade de que tanto nos orgulhamos (que frase horrorosa… quantos advérbios…). O instinto pode se travestir tanto de razão quanto de emoção e é isso que o torna perigoso e maravilhoso.
O que fazer? Não sei, vou perguntar a Baco.

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