Pelo buraco da fechadura


“O professor chegou com 15 min de antecedência e as 10 horas em ponto já estava tudo pronto para a aula começar. Mas não havia nenhum aluno. No quadro negro, o nome da disciplina, o nome do professor e o título da aula. Também havia uma pergunta, a primeira que ele queria fazer a seus alunos. Mas não havia nenhum aluno. Já havia visto aulas, e já havia dado aulas, para três, dois, até para um aluno. Mas sem nenhum aluno… não há aula.

Então o professor se sentou, abriu seu livro preferido e esperou que os alunos chegassem. Eles tinham que chegar! Não era um curso qualquer: era um curso de pós-graduação, em uma instituição de excelência, com professores gabaritados e, ainda por cima, gratuito. Os alunos, todos eles também professores, foram selecionados com base em critérios exigentes. Então cadê o aluno?

Foi então que ele viu um aluno olhando pelo buraco da fechadura. Via os olhinhos se revezando, mas nenhum deles entrou. “Ué? Será que eles não me viram aqui? O Professor, o quadro negro, a pergunta? Será que não reconheceram a sala de aula?

Dois chegaram a abrir a porta e entrar na sala, mas saíram antes mesmo que o professor pudesse dar bom dia. Será que é isso? O professor deveria ter escrito ‘Bom dia’ no quadro? Ele lembrou da piada do Joãozinho onde a professora sempre que entrava em sala de aula era saudada pela turma com um “Bom diaê, professora” e no final ficou comprovado que ao mesmo tempo que todos da turma davam ‘bom dia’, Joãozinho mandava pra professora: “vai se fudê”.

Com isso ele sabia lidar. Alunos bagunceiros, alunos barulhentos, alunos que não sabem respeitar o professor por esse ou por aquele motivo. Já tinha sobrevivido a várias tentativas de motim em sala de aula. Mas aos alunos que não entram na sala? Isso ele não sabia como lidar.

Ai aconteceu algo realmente estranho. Uma aluna entrou disfarçada de carteira escolar. Sim, ela estava disfarçada de carteria. Luvas e meias compridas da cor de madeira e uma tábua de madeira colada nas costas e outra na barriga e ficou ali, de quatro no meio das outras mobílias acadêmicas por alguns minutos, tentando ver se acontecia alguma coisa. Se a aula começava.

Apenas um segundo antes de revelar o disfarce da aluna e perguntar o que estava acontecendo, ele se lembrou de quando ele era aluno e que um professor reclamou de algo parecido. Os alunos não entravam na sua sala para tirar as dúvidas que ele sabia que eles tinham. A porta estava sempre aberta, ele falou, mas ninguém entrava. Eu era aluno e apesar de não ter aquelas dúvidas, eu sabia porque ninguém entrava: todos tinham medo dele.

Curiosidade e medo. Só mesmo a confluência dessas duas poderosas emoções podem levar um aluno ao ridículo de se disfarçar de cadeira para tentar entrar em uma sala de aula desapercebido. Uma curiosidade tão forte, e um medo tão grande de errar, que anulam o ridículo do disfarce de cadeira.

Então ele deixou a menina ali. Um pouco porque se comoveu com aquela situação, outro porque não havia mais ninguém na sala mesmo, mas também por curiosidade de ver o que aconteceria se outro aluno entrasse e tentasse se sentar naquela cadeira. Na pior das hipóteses, ao ver que nada acontecera com aquela aluna em uma situação ridícula, outros alunos se animariam a entrar na sala, ainda que com outros disfarces. E ele então teria sua turma e poderia dar a sua aula.”

Uma situação parecida aconteceu comigo. Não, não teve aluna disfarçada de cadeira, mas os alunos resistiam a entrar na sala de aula e eu pensei se eu não estaria sendo assustador.

Vai… quem olha pra minha foto ai do lado vê que eu não tenho como ser assustador. Sou até bonitinho!

Mas olhei ao meu redor e vi: Minha sala de aula era assustadora. Mouse, tela, cabos, modem, seqüências de 00001001111001110010101110011 bites e bytes. Fórum, chat, e-mail. Parece a Matrix.

Mas mais que isso: na minha sala de aula virtual existe a palavra! O que se escreve ali fica registrado, guardado nesse baú com tranca de ‘zeros e uns’ e que ainda confundem tanto as pessoas. O que assusta mesmo é a palavra. A autoria do pensamento. A escrita. A crítica.
O que foi dito pode ser retirado, ainda que com dificuldade. O que foi escrito, não. E é isso que apavora.

Descobri que minha sala de aula é mais assustadora do que a ‘mansão de Amityville’!

A sala de aula virtual desperta a curiosidade de todos os professores, mas todos tem medo das suas palavras. O resultado é tão bom quanto uma aluna disfarçada de cadeira.

Pensando bem, vou lá acabar com a farsa dela agora mesmo. Que futuros professores podem ser tornar alunos que tem tanto medo do erro? Ou pior, que tipo de professores eles já são?

Por que e para que

Quando eu era mais novo, nunca me interessei realmente pelos estudos. Quando cresci, descobri nas festinhas da minha turma – geralmente uma orgia de pizzas e crepes caseiros na casa do Maiô – onde conversas eram sobre temas que eu, muitas vezes, não tinha ouvido falar nem superficialmente e que os outros pareciam conhecer em profundidade; que eu tinha que recuperar o tempo perdido.

Mas por que eu nunca havia me interessado antes? Hoje eu descobri que eu sabia por que eu deveria estudar, mas não sabia para que. E pelo visto, meus professores também não.

Explico, mas não serei breve. Vou começar com uma historinha do livro “Deve ser brincadeira, Sr. Feynman”, do físico americano Richard Feynman. Por favor, me acompanhem.

Quando esteve no Brasil em 1951, o físico Richard Feynman deu uma palestra na Aademia Brasileira de Ciências (ABC), onde disse que “não se está ensinando ciência alguma no Brasil”.

Ele perguntou para o auditório cheio: “Qual um bom motivo para lecionar ciência?” E ele mesmo respondeu “Porque é importante para que um país possa se considera civilizado, blá, blá, blá.”

Mas para ele, esse não é um bom motivo. E nós temos que ensinar ciência por um bom motivo. Sem um bom motivo, você acaba não ensinando nada.

Ele conta: “Tentei ensinar como resolver os problemas na física por tentativa e erro. É algo que as pessoas geralmente não aprendem. Comecei com alguns exemplos simples (…) e fiquei surpreso quando apenas 1 em 10 estudantes fez a tarefa. (…) Uma pequena delegação veio até mim , dizendo (…) que eles podiam estudar sem resolver os problemas, que eles já haviam aprendido aritmética. (…) É claro que eu já havia notado o que acontecia: Eles não sabiam fazer!”

“Depois participei de uma palestra na faculdade de engenharia (…) assim: Dois corpos são considerados equivalentes se… Os estudantes estavam todos sentados lá fazendo anotações (…). Eu era o único que sabia que o professor estava falando de corpos com o mesmo momento de inércia e era difícil descobrir isso”

“Depois da palestra falei com um estudante:

– Vocês estavam fazendo um monte de anotações. O que vão fazer com elas?
– Vamos estudar, teremos uma prova.
– E como será essa prova?
– Com perguntas como ‘Quando dois corpos são equivalentes?’

Então, você vê, eles podiam passar nas provas, ‘aprender’ essa coisa toda e não ‘saber’ nada, exceto o que eles tinham decorado”.

Parênteses: Vocês podem imaginar o rebuliço na ABC quando ele disse isso? Gostaria de ter estado lá. Fecha parênteses.

Quando li esse texto do Feynman, percebia o problema intuitivamente, mas ainda não tinha conseguido entender o que tinha acontecido. Como haviam chegado naquele ponto (que aliás, é o ponto aonde estamos até hoje)?!

Até que hoje, na aula da Rosita, lí o seguinte texto:

“Sem compreender o que se faz, a prática pedagógica é mera reprodução de hábitos existentes ou respostas que os docentes devem oferecer a demandas e ordens externas” (Sacristán e Gómez, 1998)

Nem olhei para os outros ítens. Esse era importante demais! Acho que tinha me lembrado do Feynman, só que ainda não sabia que tinha me lembrado. Esse é o problema que está antes de todos os outros! Qualquer um que assistiu aulas em uma faculdade sabe que ESSE é o maior problema do ensino no Brasil. Seja ele presencial ou a distância: O professor que não compreende o que faz acaba apenas ‘propagando hábitos existentes’! E consegue somente que seus alunos reproduzam hábitos existente.

A Rosita então chegou no grupo e disse que isso acontecia porque o professor sabe por que ensina. Ele tem, e segue, seus objetivos. Mas ele não sabe para que ensina, qual a finalidade daquilo. Ele ensina para formar cidadãos? Ou para que as pessoas saibam somar? O Feynman tentou dizer isso para os nossos cientistas há 50 anos.

O por que é a resposta que encerra, a ‘mera reprodução de hábitos existentes’. O para que é a pergunta que ‘abre caminho‘. O por que mantém o professor nos seus objetivos. O para que muda a atitude do professor.

Eu estudava por que. Estudava porque tinha de passar de ano, porque tinha que passar no vestibular. Não era um ‘bom motivo’ e por isso nunca me interessei pelos estudos. Na faculdade eu passei a estudar para que. Passei a estudar para poder mais. Sim, quem sabe mais, pode mais.

E é por isso que temos que ensinar. Para que todos possam poder mais.

Teste de relevância

Aprender o quê?

“O que aconteceu (…) faz parte de um grande fracasso geral. No tempo de meu pai, quem fracassava era o indivíduo. Agora é a disciplina. Ler os clássicos é muito difícil, por isso a culpa é dos clássicos. Hoje o aluno afirma a sua incapacidade como um privilégio. Eu não consigo aprender essa matéria, então essa matéria deve ter algum problema. E deve ter algum problema o professor que resolve ensiná-la. Não há mais critérios, senhor Zuckerman, só opiniões”

O trecho transcrito do livro A Marca Humana de Philip Roth verbalizou o que tenho pensado ultimamente quanto aos meus alunos. Em geral!

A aceitação do fracasso está virando a regra. Quem quer ser mais, se esforça mais, consegue mais está “inflacionando” o mercado. Admiram os colegas mais esforçados e dizem… ‘Se eu fosse inteligente como ele…’

O problema é que é tudo mentira. Uma falsa humildade disfarça a arrogância escondida por debaixo da pele. Como um lobo coberto de cordeiro, pra se dar bem com as ovelhas e se esconder dos outros lobos. Lobo que é lobo veste a pele!


De nada adianta inventar novos cursos. As evasões são altíssimas! Os alunos duvidam do professor. Questionam a própria necessidade do ensinar, já que existem tantas fontes de saber. Querem criticar o conteúdo, a forma, a avaliação, mas todo seu embasamento foi conseguido em meia hora de pesquisa no Google. E se não está lá, no ‘oráculo’, então não existe! Que fracasso. Que fracassados!

O problema está na falta de vontade de aprender e não no aprender o quê.

Falta água, falta luz, falta verba, falta bolsa, falta material, falta computador, falta mesa, falta espaço. Falta, é verdade. Mas tudo isso se torna desculpa para justificar a dificuldade e o fracasso. Falta tempo, falta interesse, falta tesão, falta coragem, falta orgulho, falta amor.

Não, tem um fracasso pior do que não querer aprender, é achar que ninguém tem nada à aprender!

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