Terminei de ler… O último teorema de Fermat.

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Muitas vezes precisamos estar maduros para aprender algumas coisas. Ainda que pareçam simples. E ainda que sejam. Sua profundidade nos alcança apenas depois de termos acumulado algum, ou muito, ou um certo tipo de conhecimento. Essa foi minha impressão com “O último teorema de Fermat” do físico e jornalista britânico Simon Singh. Lê-lo anos atrás não teria me causado tamanho espanto e deleite com a beleza da matemática, como me causou agora.
O livro conta histórias da matemática, não só para apresentar ao leitor o contexto em que o teorema extremamente simples foi criado, mas também para familiarizar o leitor com as técnicas matemáticas (e seus inventores) que foram utilizadas nas inúmeras tentativas de resposta e, finalmente, na solução apresentada pelo matemático inglês Andrew Wiles.
Abre parênteses: O teorema de Fermat é uma variação do famoso teorema de Pitágoras que todos aprenderam em trigonometria na escola: a2+b2=c2, e que é muito útil em geometria. Só que substituindo o valor da potência por qualquer outro número maior que 2, o resultado é o ‘monstrengo matemático’ an+bn=cn, que devorou algumas das mentes mais brilhantes da história. Fecha parênteses.
São essas histórias, mais que a epopéia de Wiles em si (já que a matemática que ele usou está além das capacidades de nós, meros mortais, e por isso é pouco discutida e pouco contribui para o enredo), que ilustram e dão a idéia do tamanho do desafio e do brilhantismo da descoberta. E que tornam o livro tão fascinante. Entre elas eu escolhi 3 para dividir com vocês. A primeira é a identificação, por Pitágoras, de que relações numéricas simples são as responsáveis pela harmonia na música:
“[Ele] aplicou sua nova teoria de proporções musicais à Lira, examinando as propriedades de uma única corda. Tocando simplesmente uma corda,temos uma nota padrão, que é produzida pela vibração da corda inteira. Prendendo a corda em determinados pontos de seu comprimento é possível produzir outras vibrações ou notas (…). As notas harmônicas ocorrem somente em pontos muito específicos. Por exemplo, fixando a corda num ponto correspondente à metade do seu comprimento, ela produz, ao ser tocada, uma nota que é uma oitava mais alta e em harmonia com a nota original. De modo semelhante, se prendermos a corda em pontos correspondentes a um terço, um quarto e um quinto do seu comprimento, produziremos outras notas harmônicas. Já se prendermos a corda em outros pontos que não formam uma fração simples do seu comprimento, a nota produzida não se harmoniza com as outras.”
A segunda é como Alan Turing estabeleceu os princípios da computação aplicando a ‘teoria dos jogos’ a ‘quebra de códigos’ durante a segunda guerra:
“Em especial, ele queria saber se havia um meio de definir quais as perguntas que eram ou não decidíveis e tentou desenvolver um meio metódico de responder a esta pergunta. Naquela época os aparelhos de cálculo eram primitivos e efetivamente inúteis para a matemática séria. Assim Turing baseou suas idéias no conceito de uma máquina imaginária capaz de computação infinita. Está máquina hipotética, capaz de consumir quantidades infinitas de fita telegráfica, poderia computar durante toda a eternidade e era tudo de que ele necessitava para explorar suas perguntas abstratas de lógica., O que Turing não percebia era que sua mecanização imaginária de questões hipotéticas iria levar a um avanço fantástico na realização de cálculos reais em máquinas de verdade.”
Mas a terceira foi a mais importante pra mim e a que eu considero que todo cientísta, iniciante ou senior, estudante ou avançado, deve ter em mente: A descoberta por Pitágoras da ‘prova definitiva’, e a diferença entre o conceito de prova científica e prova matemática.
“Em matemática, o conceito de prova é muito mais rigoroso e poderoso do que o que usamos em nosso dia-a-dia e até mesmo mais preciso do que o conceito de prova como entendido pelos físicos e químicos. A diferença entre a prova científica e a prova matemática é ao mesmo tempo sutil e profunda. (…) A idéia da demonstração matemática clássica começa com uma série de axiomas, declarações que julgamos serem verdadeiros ou que são verdades evidentes. Então, através da argumentação lógica, passo a passo, é possível chegar a uma conclusão. Se os axiomas estiverem corretos e a lógica for impecável, então a conclusão será inegável. Esta conclusão é o teorema.
Os teoremas matemáticos dependem deste processo lógico, e uma vez demonstrados eles serão considerados verdade até o final dos tempos. A prova matemática é absoluta. Para apreciar o valor da prova matemática devemos compará-las com sua prima pobre, a prova científica. Na ciência, apresenta=se uma hipótese para explicar um fenômeno físico Se as observações do fenômeno são favoráveis à hipótese, então elas se tornam evidências a favor dela. Além disso, a hipótese não deve meramente descrever um fenômeno conhecido, mas também prever os resultados de outros fenômenos. Experiências podem ser feitas para testar a capacidade da hipótese em prever os resultados, e se o resultado for bem-sucedido teremos mais evidências para apoiar a hipótese. Por fim, a soma das evidências pode ser tão grande que a hipótese passará a ser aceita como teoria científica.
Contudo, uma teoria científica nunca pode ser provada do mesmo modo absoluto quanto um teorema matemático. ela é meramente considerada como altamente provável, com base nas evidências disponíveis. A assim chamada prova científica depende da observação e da percepção, e ambas são falíveis, fornecendo somente aproximações em relação à verdade. Como disse certa vez
Bertrand Russel: “Embora isto possa parecer um paradoxo, toda ciência exata é dominada pela idéia da aproximação.” Até mesmo as ‘provas’ científicas mais aceitas possuem um pequeno elemento de dúvida dentro delas. Às vezes esta dúvida diminui, mas nunca desaparece completamente. E e outras ocasiões descobre-se que a prova estava errada. Esta fraqueza das provas científicas leva às revoluções na ciência, quando uma teoria que se considerava correta é substituída por outra, a qual pode ser meramente um aperfeiçoamento da teoria original, ou pode ser sua completa contradição.”
A história do criador de enigmas Pierre de Fermat e do homem (do Nerd) que solucionou o problema mais famoso da matemática Andrew Wiles é uma história de homens e mulheres em busca da verdade e do conhecimento, mais do que da fama e do reconhecimento. É um exemplo da perseverança do espírito humano. É fascinante e é obrigatória para todo mundo que faz e gosta de ciência.

A que a ciência se propõe?

Outro dia, ouvi uma amiga falar que acredita mais na arte e na magia que nas explicações científicas e racionais, porque pelo menos elas não têm a pretensão da verdade, apesar de ficarem mudando constantemente. E pensei na pergunta que coloco como título do texto. A ciência têm a pretensão de verdade? A ciência promete ser imutável? O que é a ciência?

De acordo com alguns autores, temos 3 esferas de conhecimento: o religioso, o filosófico e o científico. Sim, nessa ordem de importância.

O conhecimento nasce, de forma inerente, da observação da natureza. O principal método para o aprendizado da natureza, por milhares de anos, foi a observação direta dos eventos. Como a observação não era metódica, pouco conhecimento podiam extrair delas. Os fenômenos pareciam inexplicáveis e eram atribuídos a entes superiores: deuses. A religião nasce como uma forma de compreender e se comunicar com esses deuses. Cultos para agradar os diferentes deuses, aplacar sua íra etc…
O conhecimento religioso não necessita de muito para ser comprovado, apenas de fé. Um conhecimento que necessita apenas de fé não pode nunca ser testado. Não precisa mudar nunca.

Os filósofos foram grandes observadores. E queriam encontrar formas de explicar a natureza que não envolvessem, pelo menos diretamente, os Deuses (apesar de mesmo filósofos como Kant sempre encontrarem uma forma de colocar Deus por uma porta dos fundos pra não desagradarem a Igreja). Desenvolveram uma ferramenta muito interessante para testar esse conhecimento: a lógica. Infelizmente, a lógica se mostrou limitada para a busca da verdade. A lógica não pode ser testada. E se uma teoria não pode ser testada… então não é uma teoria!

A busca da verdade ganhou força com o modo científico de pensar. Os primeiros cientistas, que também eram um pouco filósofos e um pouco magos, usavam alem da crença e da lógica, uma outra ferramenta para testar suas observações da natureza: a experimentação. A tentativa e erro foi a forma original e mais simples de experimentação. E Galileu Galilei foi o maestro dessa obra.

Com o tempo, houve a necessidade de sistematizar a observação dos fatos, a experimentação e a comprovação das observações. E Descartes nos presenteou com o método científico.

Com o desenvolvimento do método e a sistematização da produção de conhecimento, o mundo adentrou uma era de desenvolvimento científico e tecnológico que resulta no tipo de vida que levamos hoje.

No início do século XX, uma ampla discussão envolvendo o pai da psicanálise Sigmund Freud e o filósofo da ciência Karl Popper, levou o segundo a formular o conceito (que podemos discutir melhor outra vez) de que uma teoria somente é científica se puder ser REFUTADA. A comprovação de uma teoria não é suficiente para que ela possa ser aceita como tal. Essa discussão tirou quase todas as ciências humanas do campo das ciências propriamente ditas (eu sei… é controverso. Podemos discutir isso). Ou seja, para uma verdade ser científica, ela NÃO pode ser absoluta! E essa é sua beleza.

Até mesmo arte, filosofia e religião são influenciadas pelas ciências, muito mais do que a influenciam. Lembrem como a fotografia mudou radicalmente o cenário da pintura nos séculos XVIII e XIX e continua mudando até hoje com a multimídia. E como tantas religiões tentam se adaptar a fatos científicos que são irrefutáveis, mesmo com a crença em Deus. O próprio “Inteligente design” é uma tentativa (absurda) de conciliar a ciência moderna com a religião.

A ciência têm sim a pretensão de descobrir a verdade, a mesma pretensão da religião e da filosofia, mas não de ser imutável. Ela quer justamente mudar e se aperfeiçoar. A verdade de hoje é uma verdade melhor que a de ontem. E a de amanhã… quem sabe?! Assim que ela cresce!

E enquanto a filosofia e a religião estão há mais de 5000 anos prometendo o que não podem dar, em 5 séculos a ciência nos deu TUDO que temos.

Você pode não gostar, ou não se interessar pelo que temos, mas isso não é culpa da ciência, e sim do uso que os homens fizeram com o conhecimento que ela produziu. Ou do quanto de verdade você pode suportar.

E ai, com a licença de Nietzsche (citado pela mesma amiga), “Que a arte permita que a verdade não nos destrua”.

Amém!

PS: Se você se interessa pelo assunto, leia: Mundo Assombrado Pelos Demônios, O. Carl Sagan. 2002. 1a edição, Companhia das Letras, 448 páginas.

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