Vamos afogar a Amazônia


Bom, parece que o governo tem medo do EIA-RIMA. Tanto que no dia 25/04/2007 anunciou o desmembramento do IBAMA, criando um novo instituto para cuidar apenas do licenciamento ambiental.

O órgão que fiscaliza e cuida do meio ambiente, criado por Sarney em sua gestão 85-90 cresceu em importância nos últimos 20 anos, assim como o ambiente para o país. É verdade que é atravancado como qualquer outro gigante estatal, e limitado por uma legislação que é ao mesmo nova e obsoleta (já nasceu cheia de problemas). Apesar disso, e da crescente preocupação com o ambiente em todo o mundo, Lula transforma o IBAMA no bode expiatório da sua frustrada empreitada pelo crescimento: o PAC (plano de aceleração do crescimento).

Eu dei aula muitos anos, e continuo dando, de Desenvolvimento sustentável. a primeira coisa que eu ensino é que não existe “Crescimento” Sustentável. Vivemos em um universo finito, o que se constitui em ecologia, para vários aspectos, um sistema fechado (no que tange entrada e saída de energia). Isso quer dizer que o crescimento contínuo levará, inevitavelmente, ao esgotamento dos recursos.

O primeiro recurso que irá se esgotar é a energia. Para que esse esgotamento não apareça enquanto ele for evitável, ou não for conveniente, parte importante do PAC é a construção de duas hidroelétricas no Rio Madeira: Jirau e Santo Antônio. Eu já estive em Santo Antônio (foto), acima de Porto Velho (RO) e já andei pelo Rio Madeira (vejam as fotos dessa expedição aqui). Li muuuuitos artigos de jornal antes de preparar esse texto.

É verdade que o Madeira é um dos maiores corredores de biodiversidade da amazônia, e por isso que a estória dos “bagres” serem a razão da negação da licença só mostra ingenuidade de quem faz essa acusação. Também é provavelmente verdade que o EIA está subestimando as áreas impactadas pelos lagos e pelo represamento dos rios, tanto no Brasil quanto na Bolívia e no Peru. Também é verdade que o Madeira não tem esse nome a toa: a água é cor de madeira (veja foto comigo ironizando o de caprio) por causa da grande quantidade de material em suspensão que inevitavelmente vai assorear o lago. É verdade ainda, que as audiência públicas foram insuficientes (eu tenho amigos que participaram delas) dadas a extensão da área e a importância do assunto.


Mas eu queria dizer um pouco mais do que esses muitos artigos. A idéia de um PAC é totalmente contrária a idéia de um Brasil moderno. Como podemos ter um plano de crescimento que prevê um aumento da capacidade energética da ordem de 3 MW por ano? Não há crescimento que dê conta disso! Com um plano desses estaremos sempre correndo atrás do Brasil do futuro, porque ele nunca vai chegar! Nós começamos essa corrida tarde, importamos tecnologias obsoletas, e investimos na idéia de um desenvolvimento industrial que desde os anos 50 não tem dado certo. Não vai ser agora que vai funcionar. Só pra vocês terem uma idéia, um professor da USP mostrou que 60% da energia que as duas usinas iriam produzir, e que o governo julga fundamental para que não haja risco de apagão em 2010, poderia ser obtida atualizando a capacidade (basicamente trocando as turbinas) de usinas existentes. Os outros 40% poderiam vir do melhoramento das redes de transmissão, que desperdiçam em torno de 15% da energia que transmitem.

O Brasil do futuro vai ser afogado em imensos lagos de hidroelétricas!

O Brasil moderno, mas também tradicional, deveria investir em industrias limpas, mas que também são a sua vocação: turismo e Biodiversidade. As companhias farmacêuticas sabem muito bem disso. Estima-se que apenas 30% das espécies da Amazônia são conhecidas. Por outro lado mais de 90% dos princípios ativos de medicamentos em todo o mundo vieram de vegetais. Outra grande parte de organismos marinhos (Apenas um menor percentual foi efetivamente inventado pelo homem). Ao invés do governo investir pesado em “conhecer para controlar” sua biodiversidade, fica querendo construir hidroelétrica no norte, para mandar energia para o sudeste (e centro-oeste, onde pretende construir uma siderúrgica no Pantanal).

Enquanto isso o ex-presidente da Celera Genomics, a companhia privada que sequenciou o genôma humano, corre o mundo em um iate filtrando água do mar para sequenciar o genôma de TODAS as bactérias do oceano. Mais do que desenvolvimento sustentável, é riqueza certa.

O Brasil faz tudo ao contrário e afoga a maior biodiversidade do planeta. Mas de novo, se só eu vejo isso, devo estar errado. Mas acho que não!

Quem tem medo do EIA-RIMA?

Em 2000, ainda aluno de doutorado, fui contratado por uma firma de consultoria para fazer um relatório de impacto ambiental da abertura de uma nova válvula em um duto. A área a ser desmatada era de 60 m2: Um pouco maior do que o apartamento na Tijuca onde eu morava então. Uma dessas áreas já se encontrava dentro de um terreno construido da empresa dona do duto. Mesmo assim, tivemos de fazer várias visitas ao local, reconhecer árvores exóticas do jardim da empresa, conversar com moradores em um raio de 200m etc. Quando o relatório ficou pronto, incluia muito mais do que as informações que coletamos. Era uma enorme equipe trabalhando por um fim: o licenciamento da obra!

Nesse dia recebi meu cheque pelos serviços prestados e resolvi que, salvo necessidades ulteriores, não mais trabalharia para licenciamento qualquer. A razão era simples: todo o esquema de licenciamento é furado. E certamente milhões de reais são gastos, como os milhares que foram gastos para avaliar o impacto socio-econômico-ambiental de abrir uma torneira em um cano dentro do banheiro de uma industria, a tôa.
Naquele dia andei pelo centro da cidade pensando em como deveria ser o licenciamento ambiental para que não fosse apenas rápdio, mas mais barato e eficiente. E que cumprisse seu papel: proteger o meio ambiente. Mais uma vez me debati com a minha prepotência: Como todas as pessoas, de todas as firmas de consultoria ambiental, de todos os departamentos de meio ambiente de empresas, de todos os órgãos de meio ambiente dos governos, de todos os assessores de deputados… como todas essas pessoas não percebem o que eu percebi trabalhando apenas 1 semana no assunto? Ainda que, como na questão das mudanças climáticas, isso sugira que eu estou errado, o tempo deve mostrar que eu estou certo.
Das muitas coisas que eu pensei na época para o artigo que acabei nunca escrevendo, estavam:
1o – Nem todas as obras precisam de EIA-RIMA (Estudo de Impacto Ambiental – Relatório de Impactos no Meio Ambiente).
Eu estou lendo esse livro chamado “A morte do bom senso” onde um advogado americano conta causos onde a lei atrapalha muito mais do que ajuda. Será que eu realmente preciso de um EIA pra mudar de posição as traves no campo de futebol que já está construído? Fala sério!
2o – Uma empresa que quer realizar uma obra não pode ser responsável por apresentar o estudo de impacto ambiental para aquela obra, ainda que fosse terceirizando a produção de tal estudo.
Gente, não é obvio?! Se eu quero que a obra se realize, vou contratar alguém que conte a história que eu quiser que queira ser contada. Ainda que os técnicos do IBAMA que avaliem a proposta sejam idôneos, não têm como essa pessoas saberem o que não foi dito. O IBAMA não deveria avaliar o EIA-RIMA: Ele deveria PREPARA-LO! Claro, apenas um órgão técnico, isento, idôneo, poderia preparar esse relatório. E ai então, as empresas, se quisessem, poderia contestar com seu corpo técnico ambiental, o que o órgão isento proparou.
3o – A lei ambiental precisa ser mais flexível e precisa acompanhar a evolução das técnicas de avaliação de impacto que o meio científico está desenvolvendo.
Como uma lei que pede para uma firma de consultoria fazer o que eu sei que custa caro e é desatualizado, sendo ainda, muitas vezes, simplesmente errado? Como é que vamos conseguir ter boa vontade de empresários para com, ou efetivamente proteger, o ambiente?
Estava tudo errado e eu tinha percebido em uma semana. Ou será que eu estou errado? Não sei não…

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