A Vez das Revistas Científicas?
Interessante artigo da PLoS sobre métodos de cientometria (PLoS Journals – measuring impact where it matters). Em tradução livre a pergunta do primeiro parágrafo:
“Em 2009, neste mundo online, como a maioria dos médicos e cientistas encontram os artigos que necessitam ler? A resposta para o que foi publicado na PLoS (e sem dúvida em outros jornais) é por meio de uma máquina de pesquisa (search engines), seja as que procuram apenas literatura científica, ou mais provavelmente, aquelas que vasculham toda a rede. Dado que os leitores tendem a navegar diretamente aos artigos que são relevantes independentemente do jornal onde são publicados, por que os pesquisadores e suas agências financiadoras permanecem vinculados (no artigo, o autor usa “casados”) em avaliar artigos individuais usando uma métrica (o fator impacto) que tenta medir a média de citações de um jornal como um todo?”
A PLoS lançou um programa que foca a atenção em artigos individuais e não nas revistas como um todo. Mark Patterson, o autor do projeto, alega que o fator impacto das revistas é totalmente skewed, sendo 80% das citações atribuídas a 20% dos artigos. Sendo assim, o fator impacto de uma revista é um péssimo preditor do número de citações que um artigo terá sendo publicado nela. Focando nos artigos individualmente, haverá uma “democratização” por assim dizer, do fator impacto, “pulverizado” nas revistas, além de uma forma melhor de avaliar o currículo dos pesquisadores.
A exemplo dos blogs que vêm redefinindo a cartografia da divulgação de notícias causando uma crise no setor da chamada imprensa tradicional, esse tipo de iniciativa com certeza fará com que as grandes e tradicionais revistas de medicina e ciência coloquem as barbas de molho.
A PLoS, Artigon e Libron

A PLoS acaba de lançar o PLoS Pathogens “Pearls”. Publico aqui os três primeiros parágrafos do annoucing linkado acima:
“The PLoS Pathogens editors and staff are thrilled to announce the debut of “Pearls,” a new series in the journal that will begin publishing monthly, starting with this June’s issue.
Each Pearl will be a concise primer on a topic of importance, meant to fill the gap between research articles and textbooks. Pearls will be tailored for graduate students and post-docs, while providing a format accessible to a general readership.
In contrast to the dynamic nature of research articles and textbooks, we hope that Pearls will provide a growing compendium of the “lessons that last,” for everyone from the scientist researching an area outside his or her field, to lay readers looking to learn more about a disease that affects them personally.”
É impressionante como a PLoS é sensível às necessidades da democratização do conhecimento. É um passo importante para a paz entre Artigon, Libron e seus ansiosos habitantes. Não basta conhecer. É preciso fazê-lo ética e moralmente da forma correta.
Artigonistas e Libronios
Já se vão alguns anos desde minha formatura (jamais saberão quantos, hehe) e tive a oportunidade de ver algumas mudanças importantes na medicina, na ciência médica e, como não poderia deixar de ser, na prática médica – um corolário das duas primeiras. Uma das mudanças das quais já falei foi a digitalização dos artigos e a facilidade de encontrá-los em contraposição com a enorme dificuldade de fazer um levantamento bibliográfico antes do advento da National Library of Medicine e do PubMed.
Bem antes disso tudo, a transmissão do saber médico estava vinculada à figura do “professor de medicina”. Era esse professor a fonte das novidades. Era ele quem atravessava o Atlântico uma vez por ano de navio, normalmente em direção à França, mas também á Inglaterra em busca de novidades que seriam repassadas em doses homeopáticas em grandes visitas à beira leito. Depois, os livros importados, as revistas fotocopiadas para, finalmente, chegarmos à verdadeira devassidão de arquivos pdf trocados em emails e pendrives individuais ou grupos de estudo com disseminação geral do conhecimento, computadores de mão e até celulares, levando centenas de megabytes de informações ao bolso dos médicos.
Essa facilidade de estar atualizado às vezes, com estudos que ainda não foram publicados, de ter acesso a centenas de publicações tão facilmente, não poderia deixar de influenciar a conduta do médico. A medicina é uma profissão que depende de um saber científico e a tensão da decisão prática da qual já falamos tanto, é irredutível. Com isso, houve uma diminuição da utilização dos livros técnicos em detrimento aos artigos científicos. Chegando ao ponto dos “pais fundadores” da medicina baseada em evidência decretarem a morte dos livros de medicina.
Qual o papel dos livros de medicina na formação do médico? Será que o conhecimento adquirido por meio de artigos científicos e revisões é do mesmo tipo daquele adquirido junto aos livros?
Poderíamos dividir os médicos em duas populações: os provenientes do planeta Artigon e os do planeta Libron. Artigonistas argumentam que livros demoram a ser escritos e quando publicados já apresentam um grau de obsolescência considerado inaceitável. Os artigos permitem trabalhar dentro da melhor evidência possível por serem atualíssimos. Libronios dizem porém, que artigos causam fragmentação do conhecimento. Não permitem um conhecimento exegético do assunto. “Mas quem quer conhecimento exegético?” – perguntaria um artigonista. “Aqueles que querem ter uma visão crítica de um assunto!” – responderia um libronio, numa discussão sem fim.
A medicina pela sua inerente relação com a prática, talvez seja uma das únicas atividades de cunho científico que permite essa dúvida. Medicina de livro ou de artigo?
Resistência Bacteriana
O anúncio pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) de
que a venda sem receita médica de antibióticos será proibida, gerou
polêmica no meio médico e entre consumidores, farmacêuticos e
associações de varejistas. A medida vem de encontro a uma resolução do
ano passado da própria ANVISA, no sentido de diminuir as altas taxas de
infecções multi-resistentes no Brasil.
O Brasil, por sinal, é um dos poucos países em que se pode comprar antibióticos de última geração no balcão, apenas pedindo pelo nome. Se não souber o nome, o balconista com certeza, o ajudará a encontrar a medicação mais apropriada ao seu problema. Farmacêuticos e médicos estão unidos contra a automedicação. Entretanto, ouvi numa entrevista da CBN o presidente da associação varejista de farmácias de que essa resolução estaria em desacordo ao direito do cidadão em defender-se e cuidar de sua própria saúde (!!!).
O problema da resistência bacteriana é o ponto nevrálgico da antibioticoterapia em pacientes graves. Em terapias intensivas, os germes multirresistentes são muito comuns, alguns deles, resistentes a todas as drogas antimicrobianas conhecidas! Estamos atualmente, com problemas seríssimos com cepas de Acinetobacter sp, Enterobacter aerogenes e Klebsiella pneumophila. Os mecanismos de resistência são engenhosos sistemas de inativação das drogas.
A figura ao lado ilustra alguns desses mecanismos. Enzimas inativadoras ou degradadoras de antibióticos são codificadas por genes naturais de algumas bactérias ou conseguidas através de outras. Interessante notar que alguns desses genes são ativados por antibióticos. Isso mesmo. Alguns antibióticos desreprimem genes que causam resistência. O pior é que isso pode ser extendido à antibióticos de maior espectro, restringindo o uso de “armas mais fortes” e tornando a bactéria mais resistente. Esses genes podem também ser transmitidos de bactéria para bactéria da mesma espécie ou até de outras espécies. Esse tipo de transmissão é chamado de horizontal (para diferencial do vertical – mãe para filha) ou HGT (horizontal gene transfer). As bactérias podem “trocar” material genético entre si (conjugação); podem captar material genético espalhado por uma co-irmã morta em combate (transformação); e por fim, podem contrair – tal como uma “doença” material genético de outra bactéria, da mesma espécie ou não, através de um vírus chamado phago (transdução). Se contar, ninguém acredita. Parece ficção científica mas é a pura realidade.
Bombas de efluxo são mecanismos de bombeamento de antibióticos para fora do citoplasma bacteriano. Muitos antibióticos causam furos na membrana bacteriana para que elas tenham uma morte osmótica. Quem lembra do Star Wars III, quando Anakin e Obi Wan em naves da Federação entram em combate com outras naves e um grupo de “robozinhos do mal” sobem nas asas e começam a desmontá-las chegando a tirar a cabeça do robô do Obi Wan? Esses robozinhos são como antibióticos e as bactérias, assim como as naves, têm formas de inativá-los.
E assim segue a guerra interminável entre hospedeiro e parasita que assume, muitas vezes aspectos épicos, como o que estamos vivendo agora nas unidades de terapia intensiva. A decisão da ANVISA em minimizar o uso indiscriminado de antibióticos pelos leigos pesa a nosso favor na luta. Agora só falta minimizar o uso indiscriminado de antibióticos também em quem tem o poder de prescrevê-los. Mas essa é uma batalha muito mais difícil.
Sobre Elefantes, Cegos, Paralelas e Pacientes
Conta a lenda que um grupo de cegos ouviu, certa vez, um grande alvoroço. Ao perguntar o porquê da balbúrdia, um passante explicou que um circo chegara à cidade trazendo um elefante. Como nunca tinham tido contato com tal animal resolveram conhecê-lo. Ao chegar ao local onde estava o bicho, começaram a apalpá-lo. Um disse “Puxa, o elefante é fino e comprido, parece uma cobra!” ao apalpar o rabo. Outro, ao examinar a pata, disse “Não, o elefante parece uma árvore de tronco calibroso!”. Um terceiro, ao examinar a orelha, exclama “Vocês estão loucos! O elefante é plano e chato como uma arraia!”. O último disse “Vocês estão cegos? Ele é uma enorme pedra que se mexe!”. Cada um analisando uma parte do pobre elefante e tirando suas conclusões baseadas em dados incompletos porém, reais. Qualquer cego que fosse “repetir o experimento de seu colega” o faria exatamente como o primeiro e chegaria às mesmas conclusões. Não há erro individual. Há perda da noção do todo.
Uma vez li num livro de física, uma explicação sobre a gravidade que serve como complemento à parábola do elefante. Imagine que somos seres bidimensionais (eu sei, é coisa de físico mesmo!) Isso significa que percebemos apenas duas dimensões, por exemplo latitude e longitude em um plano. Bem, se traçarmos linhas paralelas nesse plano, elas nunca se encontrariam, como é próprio das paralelas. Mas, se o plano for uma esfera, os seres bidimensionais nada perceberiam devido a sua limitação espacial e continuariam a acreditar viverem em um plano. Linhas paralelas traçadas perpendicularmente ao equador dessa esfera teriam, ao caminhar para latitudes mais altas, uma “estranha tendência” de aproximarem-se. Um físico bidimensional diria que as linhas se “atraem” nos pólos e descreveria uma “lei” com coeficientes de “atração” proporcionais à latitude, de modo a podermos prever o comportamento de corpos que caminham em direção aos pólos.
É possível errar brilhantemente. Nas duas estórias, erramos com muita propriedade, diria até que errou-se cientificamente. Há quem discuta se isso é realmente um erro. Tudo isso é aberto à discussão. O problema é quando tenho que tratar de um paciente que tem uma doença-elefante baseado na melhor evidência possível, sendo cego e bidimensional, como sou…
A Teoria da Vitamina D e a Despigmentação da Pele Humana
Existem poucas dúvidas de que a linhagem humana e o próprio Homo sapiens surgiram na África Equatorial. A cor da pele dos primeiros hominídeos era negra, se utilizarmos a nomenclatura vigente. Com a dispersão dos hominídeos para latitutes mais elevadas, houve uma despigmentação da pele. Várias teorias discutem qual foi o fator primordial que selecionou a pele clara em latitutes mais elevadas e a manteve escura na região equatorial. O paradigma atual é o da vitamina D, com papel importante desempenhado pelo ácido fólico.
Am J Clin Nutr 1998;67:1108-10. Printed in USA. © 1998 American Society for Clinical Nutrition
A vitamina D não é uma vitamina de fato, nutricionalmente falando. Na verdade, o termo mais apropriado seria o de pró-hormônio. Ela divide a mesma estrutura química, o anel ciclopentanoperhidrofenantreno, com vários hormônios como o estradiol (hormônio feminino), a aldosterona (hormônio supra-renal responsável pelo metabolismo do sódio) e o cortisol (hormônio com múltiplas funções relacionadas ao stress e a imunomodulação). A vitamina D é fotossintetisada na pele humana devido a infiltração de raios UVB que fotolisam a provitamina D3 em vitamina D3 (ver figura). Esta, por sua vez, vai ao fígado e finalmente, ao rim, para depois exercer seus efeitos. O excesso de sol não produz um excesso de vitamina D. Isso ocorre pois a exposição solar excessiva produz a conversão da próvitamina D3 em lumisterol, inativo, que pode ser reconvertido a vitamina D3 quando a exposição solar diminuir. Além disso, o bronzeamento funciona como um filtro solar que impede o excesso de radiação UVB, diminuindo assim, sua conversão.
Inicialmente lançada por Murray em 1934, a teoria da vitamina D foi ressuscitada e popularizada por Loomis em 1967 e refinada por Jablonski e Chaplin em 2000 com a aplicação de dados quantitativos sobre a radiação UVB. É baseada na simples observação de que a cor da pele de populações nativas segue a seguinte distribuição: 1) pele escura na região equatorial e cinturões tropicais; 2) pele mais clara, regiões acima do paralelo 50; e 3) os de pigmentação intermediária, as latitutes intermediárias entre as duas primeiras. Essa hipótese correlaciona-se muito bem com o índice de reflectância das várias colorações da pele humana aos raios UVB, sendo menor nas peles mais claras que, portanto, absorvem mais raios UVB e em consequência, fotossintetizam mais vitamina D. Isso permite que indivíduos de pele clara tenham uma melhor adaptação a locais com menor insolação.
Segundo o modelo atual, o homem moderno surgiu na África Sub-Saariana há 100.000-150.000 anos atrás. Um grupo migrou para há Europa há 35.000-40.000 anos atrás. A teoria da vitamina D propõe que esses indivíduos foram sofrendo uma progressiva despigmentação da pele até atingirem a pele característica da população europeia atual. Isso se deveu à adaptação à menor irradiação UVB nessas latitudes pois a melanina é um excelente filtro solar. A cereja do bolo é o mecanismo de pressão seletiva: raquitismo. Por meio das deformidades produzidas pela doença, os indivíduos portadores não deixariam descendentes de modo que sua linhagem se extinguiria, favorecendo os de pele cada vez mais clara. Atribui-se às deformidades do raquitismo alterações de mobilidade que impediriam o indivíduo de caminhar e coletar alimentos; fraqueza muscular; nas mulheres, as alterações pélvicas tornariam o parto extremamente difícil ou mesmo impossível. Mesmo assim, uma criança gerada nessas condições pode ter hipocalcemia severa e lesões cerebrais graves sendo essas, importantes causas de mortalidade infantil ainda hoje.

Bem, o tempo passou e os humanos fizeram a maior bagunça. Foram daqui para lá e de lá para cá misturando-se de todo jeito. Então, já que temos indivíduos de todas as cores em todas as latitudes, basta dosarmos a vitamina D em pessoas da mesma latitude para comprovarmos a teoria, certo? Isso tem sido feito desde a década de 30, principalmente nos EUA e o resultado é que americanos negros têm níveis menores de vitamina D que seus compatriotas de pele clara. Estudos in vitro, mostraram que a pele clara chega a absorver 10x mais UVB que a pele escura.
Entretanto, Robins questiona não tanto os efeitos demonstrados, mas muito mais a força da vitamina D e do raquitismo em dar conta de toda a grande variedade da pigmentação da pele humana como mecanismos de seleção natural. Os argumentos são incômodos: 1) Se a pele escura absorve menos UVB, basta aumentar o tempo de exposição. E ele já é baixo, são necessários 30 minutos diários. 2) Há depósitos de vitamina D realizados nos períodos de maior insolação. 3) Como separar esses fatores de condições sócio-econômicas? 4) A exposição solar não é a principal causa de raquitismo. Segundo Robins, escavações mostraram que a frequência de ossadas encontradas com sinais inequívocos de raquitismo varia de 0,7 a 2,5%. Bem diferente da epidemia de raquitismo nas escuras e esfumaçadas cidades européias da revolução industrial.
Chaplin e Jablonski argumentam que não há teoria alternativa que encaixe tão bem como essa. Segundo eles: “Vitamin D is essential to human health. Vitamin D receptors (VDRs) are found on 36 major organs. Vitamin D exerts paracrine functions in 10 organs, and performs essential regulation of B and T lymphocytes, the adaptive and innate immune system, pancreas, brain, and heart (Norman, 2008). It plays an important part in cancer prevention (Garland et al., 2006; Fleet, 2008). It has regulatory effects on inflammatory markers and autoimmune diseases such as diabetes and multiple sclerosis (Holick, 2008; Holick and Chen, 2008). Vitamin D deficiency is implicated in epidemics of infectious diseases like influenza
(Cannell et al., 2008). Single nucleotide polymorphisms of the VDR gene are associated with susceptibility to pulmonary tuberculosis in West Africans (Olesen et al., 2007), and TB and pneumonia are frequently seen together with 25(OH)D deficiency. The lung has its own vitamin D paracrine function that indicates that the vitamin has special significance in protecting lung function (Muhe et al., 1997; Holick and Chen, 2008). Because vitamin D increases muscle performance, it positively affects cardiac output (Valdivielso and Ayus, 2008). Overall, there is an association with perinatal and childhood 25(OH)D status and mortality (Hollis and Wagner, 2004a,b; Lucas et al., 2008b). Because of the lack of comparative population-based studies, it is not yet known how assays of 25(OH)D represent health status, nor what is the essential determinant of pathophysiology: peak concentration, average throughout the year, the nadir, or the range (Millen and Bodnar, 2008)”. Acho que tudo isso poderia justificar alguma seleção natural, não?
Bom, a teoria da vitamina D é o principal modelo atual para explicar a grande variação de cor da pele humana. Vista dessa forma, não parece estranho darmos tanto valor a um simples mecanismo adaptativo?

Referência principais
1) George Chaplin, Nina G. Jablonski. Vitamin D and the evolution of human depigmentation. American Journal of Physical Anthropology: 2009 (ahead of print).
DOI: 10.1002/ajpa.21079 US: http://dx.doi.org/10.1002/ajpa.21079
2) Ashley H. Robins. The evolution of light skin color: Role of vitamin D disputed. American Journal of Physical Anthropology: 2009 (ahead of print).
DOI: 10.1002/ajpa.21077 US: http://dx.doi.org/10.1002/ajpa.21077
3) Sobre a inexistência das raças.
Gripe Suína no Brasil
Segundo a Agência Folha, o Ministério da Saúde confirmou agora a noite, 4 casos de gripe suína. Todos adultos que contrairam a doença fora do Brasil. “Há casos em três Estados: São Paulo (2), Rio (1) e Minas (1).”
Editoria de Arte da Folha Online
Os casos de Minas e São Paulo já obtiveram alta. O do Rio de Janeiro permanece internado, mas passa bem. Em destaque, o mapa do Brasil em cinza, para “colorir”.
Notícias Frescas do Caso Vioxx 10 Anos Depois
O Vioxx – rofecoxib da Merck-Sharp & Dohme é uma medicação analgésica/antiinflamatória de excelente eficácia. Pertence a uma classe nova de medicamentos chamados inibidores da ciclo-oxigenase II (COX2). Lançado em 1999, foi utilizado até sua retirada do mercado mundial em 2004 devido a denúncias de efeitos colaterais cardiovasculares que poderiam levar os usuários à morte. Os estudos que respaldaram seu uso foram objeto de investigação, fraudes científicas foram descobertas. Alguns documentos foram revelados.
A partir do Blog de Paulo Lotufo
“O artigo inicial (que embasava o uso do medicamento) publicado em novembro de 2000
chamado VIGOR mostrava a que o rofecoxib e, um medicamento tradicional,
naproxeno eram tão efetivos quanto no tratamento da artrite reumatóide.
Mas, os efeitos gastrointestinais eram raros no grupo que usou o
rofecoxib. Inicou-se a febre Vioxx.
um ano após a publicação, uma revisão dos próprios dados do VIGOR e de
outros dois menores apontava o risco maior de infarto do miocárdio. A empresa abafou o fato de acordo com a capacidade de reação de cada comunidade acadêmica. Para isso publicou um artigo na revista Circulation contradizendo a análise que apontava risco.”
Do Heartwire de 30 de Abril de 2009, Por
“Melbourne, Australia – O importante cardiologista Dr Marvin Konstam (Tufts University Medical Center, Boston, MA) concordou em ser o autor principal de um paper na influente revista Circulation sobre o inibidor da COX-2 rofecoxib (Vioxx, Merck), que foi escrito intramuros pelos cientistas da Merck. (…) O paper foi desenhado para rebater as críticas, que alguns especialistas imaginava seguir-se ao artigo do Journal of the American Medical Association (JAMA) dois meses antes, que primeiro demonstraram um aumento de efeitos cardiovasculares indesejáveis com o uso da droga. O Rofecoxib não foi retirado do mercado até 2004.”
O resumo da história é:
1) o remédio era muito bom, para usos de curta duração.
2) os efeitos adversos cardiovasculares foram abafados até o estudo do JAMA de 2001.
3) foi publicado um estudo totalmente escrito por marketeiros da Merck com intuito de rebater as afirmações do estudo do JAMA em 2001.
4) para isso, foi escolhido um médico importante dentro do cenário mundial da cardiologia, que não aceitou (Dr Rory Collins – Clinical Trial Services Unit, Oxford UK).
5) diante da recusa, foi escolhido o Dr. Marvin Konstam que topou ser o autor do estudo escrito pelos “ghost-writers” da Merck.
6) o medicamento ficou no mercado até 2004, quando foi retirado do mercado mundial.
7) a documentação do laboratório e a comprovação do “laranja” foram revelados em 2009.
Por pior que alguém possa se sentir ao conhecer essa história, a vergonha e os 5 bilhões de dólares que a Merck desembolsou para encerrar o caso não serão jamais suficientes. A ciência é uma forma de conhecer a realidade na qual confiamos e para qual dedicamos nossas vidas. Isso causa um tipo de sensação muito ruim, semelhante ao de uma traição e leva fatalmente à conclusão: A ciência é uma atividade humana como outra qualquer. Devemos sempre estar alertas pois ela também estará sujeita às contingências e vicissitudes humanas.
Design Pulmonar – Projeto Tabajara?
Esse é o último post da série que começou 1, 2, 3 e 4
Se alguém for visitar um parente ou amigo em uma unidade de terapia intensiva verá que todos os pacientes estão ligados a monitores multiparamétricos. Os batimentos cardíacos, a oxigenação, pressão arterial e outros dados vitais são monitorizados continuamente e ao mesmo tempo. A imensa maioria estará com bombas de infusão de medicamentos a seu lado. Drogas para manter a pressão, antibióticos e soros de todo o tipo. Muitos desses pacientes estarão conectados a ventiladores mecânicos. Um ventilador mecânico é um gerador de fluxos de mistura gasosa que “reconhece” o pulmão humano como um complexo complacente/resistente. Se levarmos em conta que o início de cada ciclo pulmonar pode ser desencadeado pelo paciente ou pelo aparelho; que o ventilador pode ir a favor ou contra o esforço do paciente e que a pressão nas vias aéreas pode ser controlada do começo ao fim do ciclo bem como o volume insuflado, temos uma enorme gama de possibilidades de regulagem, o que faz da ventilação mecânica uma subespecialidade da terapia intensiva.
Um paciente pode necessitar de ventilação mecânica devido a seu nível de consciência muito baixo (coma). Nessas situações, o risco de aspiração é enorme como vimos, além do fato de que o paciente não dá conta de suas necessidades ventilatórias. É a mesma razão pela qual um paciente que se submeterá a anestesia geral também precisa ser conectado a um ventilador. Outras causas dizem respeito a insuficiência respiratória propriamente dita. É quando o sistema respiratório não dá conta de oxigenar o sangue, nem de retirar o gás carbônico dele. A insuficiência respiratória é causada por várias formas e graus de colapso alveolar. É impressionante a facilidade com que o pulmão humano (não só o humano, mas de vários mamíferos!) colapsa. Se há uma reação inflamatória (infecção ou inflamação), acúmulo de líquidos, obstrução de vias aéreas, paralisia dos músculos respiratórios ou distensão abdominal, o resultado final é colapso alveolar.
A Figura A acima mostra um esquema de um bronquíolo terminal com seus “cachos” de alvéolos. É uma estrutura bastante complexa e organizada funcionalmente. Quero chamar a atenção para o quadradinho ampliado ao lado onde vemos a estrutura microscópica do septo. Lá podemos ver o pneumócito tipo II – uma célula estrutural -, o macrófago alveolar – célula de defesa -, e linfócitos. Estes últimos são células associadas à resposta inflamatória. Quando os cachos de alvéolos murcham dizemos que há uma atelectasia. É um termo estranho, originário do grego que quer literalmente dizer “não-dilatação da ponta”.
A Figura B mostra atelectasias de unidades alveolares. Mais que isso mostra como a atelectasia desencadeia uma feroz resposta inflamatória. O pulmão murcho inflama, e bastante! Aquele inocente linfócito intersticial chama uma turma de células inflamatórias que fazem um verdadeiro estrago no tecido pulmonar. Note-se que isso pode ocorrer mesmo na ausência de infecção. A coisa fica bem pior quando o paciente que por alguma razão começa a apresentar atelectasias pulmonares piora a ponto de necessitar de um ventilador mecânico. Nesse caso, a pressão positiva do aparelho pode acabar por encher alvéolos que estão abertos, hiperdistendendo-os. Os fechados, assim continuam. Por um mecanismo muito interessante, a área de fronteira entre os “abertos” e os “fechados” sofre uma força chamada de cisalhamento e o resultado é fratura (isso mesmo!) de septos alveolares o que, por sua vez, provoca mais inflamação e o círculo vicioso se fecha.
Fui questionado em outro post sobre o fato de que essa vulnerabilidade do pulmão dos mamíferos é equivalente à vulnerabilidade do pulmão das aves às infecções. Aves ao contrairem infecções severas morrem “feito passarinho” literalmente. Não sou especialista em biologia comparada. Posso falar apenas da minha experiência em terapia intensiva. A insuficiência respiratória e suas inúmeras causas são a maior causa de internação em uma unidade intensiva. Nosso pulmão é exposto a gigantescas agressões diariamente. Se abrirmos cada um dos 300 milhões de alvéolos que existem em cada pulmão, vamos estendê-los em uma superfície de 100 m2, o que equivale a uma quadra de tênis. Toda essa superfície está em contato com o ar do meio externo. Aspiramos tudo quanto é poluente e microorganismos do ar e, não fora pelos mecanismos de defesa que temos, estaríamos constantemente infectados.
Nosso sistema respiratório, pela forma como é “projetado” na vigência de doença graves, tem desempenho inferior ao pulmão de uma ave, que não colapsa, não precisa de pressão positiva e mesmo que infecte, não prejudica as áreas de troca.

Prova de Ausência vs Ausência de Prova
Reproduzo a pergunta proposta pelo PaIMD do WhiteCoat Underground:
“Se você tivesse a oportunidade de fazer uma pergunta a um defensor de medicinas alternativas em um fórum público, o que você perguntaria?”
Ele mesmo fez essa, a título de exemplo:
“Você poderia dar exemplos de teorias da medicina alternativa ou modalidades que foram abandonadas por serem ineficazes?”
Orac do Respectiful Insolence formulou a seguinte questão “Qual evidência específica convenceria você de que a homeopatia (ou qualquer que seja a crença do “alternativo”) é ineficaz? e pressionaria por exemplos.”
A pergunta é um direto no estômago não só de quem defende a medicina alternativa, mas de qualquer pessoa que acredita em alguma coisa. Uma possível tradução seria: Que tipo de evidência faria você mudar totalmente suas convicções e visões de mundo? No final, pode ser tudo uma questão de fé, mesmo que seja “apenas” fé no método científico.
Eu perguntaria também porque alguns procedimentos e medicamentos, tendo suas indicações e usos respaldados por artigos científicos, não são prescritos por grande parte dos médicos (descontados a ignorância do assunto, que é relevante). (Posso citar vários exemplos disso). O que é preciso para que eles acreditem, já que o método científico não parece ser suficiente?
Qual seria a sua pergunta? (Aqui vale perguntar para os dois “lados”!)
Tirei a caixa de truques daqui.