O Olho Azul

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Porque nós também não temos o direito de permitir que sejam os pobres, que viajam o
mundo a procura de uma oportunidade, de um emprego, de um salário, de uma
renda, que sejam os primeiros a pagar a conta de uma crise feita pelos pelos
ricos. Que não foi causada por nenhum negro, nenhum índio e por nenhum
pobre. Uma crise causada, fomentada, por comportamentos irracionais de gente
branca, de olhos azuis, que antes da crise pareciam que sabiam tudo e que
agora demonstram não saber nada” – Presidente Lula.

Não tinha lido a declaração toda. O contexto me parece o de uma discussão sobre imigração. Fechamento de fronteiras por falta de emprego é fato comum nesses períodos. Acho mesmo que o Lula tem razão em dizer que a crise não foi desencadeada por nenhuma pessoa pobre. Mas conta-se nos dedos, as grandes crises provocadas por populações desfavorecidas. A de 1929, a crise com a qual esta atual tem sido frequentemente comparada, também não foi obra dos pobres.

A questão aqui de fato, não é esta. Tenho me debatido, escrito e falado bastante sobre o conceito de raça humana. Sobre os perigos em procurarmos uma essência do humano e da própria humanidade. Tenho me interessado bastante pela solidariedade. Pela ciência solidária, política solidária e outras utopias. O discurso de Lula é racista. Combate fogo com fogo e sinceramente não sei se é eficaz para fazer europeus e americanos enxergarem a dura realidade. Sou radicalmente contra qualquer argumentação que utilize elementos raciais como premissas ou os obtenha como conclusões.

Acho no mínimo curioso que a frase de Lula tenha feito segmentos da Esquerda vibrar de alegria; essa mesma Esquerda que defende negros, índios e homossexuais da discriminação não pode se vangloriar de ter utilizado da mesma arma covarde do racismo.

O Físico

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Noah Gordon escreveu um livro em inglês chamado The Physician. Em espanhol, o livro chama-se El Medico. Em Portugal, virou O Médico de Ispahan. No Brasil, o livro foi traduzido como O Físico, o que gerou muitas reclamações. Muita gente acha que o título do best-seller foi um erro crasso do tradutor, pois physician quer dizer médico em inglês; physicist seria o que chamamos de físico.

Mas… Ou o tradutor cometeu mesmo um erro ridículo e todos nós que somos muito mais espertos (e expertos também) deveríamos assumir seu posto ou ele é um gênio da tradução (que talvez seja a pior profissão que alguém que estudou Letras pode querer para si).

Senão, vejamos. Como físicos eram conhecidos os antigos médicos. Bem antes de existir a Física como a conhecemos hoje. Físico era quem estudava a física. As palavras vêm do latim, physica, que por sua vez veio do grego physiké que quer dizer “ciência da natureza”. Isso porque a palavra grega physis (φυσις), que representa um conceito bem difícil de explicar, é simples e cruamente traduzida como ‘natureza’. Segundo Werner Jaeger (Paidéia – página 198) o conceito de physis foi o ponto de partida de pensadores naturalistas do século VI dando origem a um movimento espiritual e a uma forma de especulação. Na verdade, seu interesse fundamental seria o que chamamos hoje metafísica, pelo seu interesse nas causas primordiais dos fenômenos. Sigamos Jaeger: “No conceito grego de physis estavam, inseparáveis, as duas coisas: o problema da origem – que obriga o pensamento a ultrapassar os limites do que é dado na experiência sensorial – e a compreensão, por meio da investigação empírica, do que deriva daquela origem e existe atualmente (ou seja, uma ontologia)”.

Esse tipo de “filosofia” natural era principalmente jônico. Hipócrates e seu seguidores eram da ilha de Cós, de população e língua dóricas. É sintomático que tenham escrito todo o Corpus Hypocraticum em jônico – era como se fosse o inglês científico de hoje. A incorporação do pensamento ‘físico’ dos jônicos fez com que a medicina se tornasse uma arte (tekné) consciente e metódica. O Egito, nessa mesma época, tinha uma medicina bastante avançada mas que não conseguiu livrar-se do pensamento mágico para evoluir como ciência. Logo, a Medicina passou de uma simples profissão para uma força cultural.  Não é exagero dizer que o médico era o protótipo de um saber com fins éticos de caráter prático, sem o qual a ciência ética de Sócrates seria inconcebível nos diálogos de Platão. Essa posição jamais será retomada na sociedade pós-iluminista.

Sabemos agora que os médicos nos seus primórdios eram físicos e o tradutor do livro mandou muito bem – o que é raro – pois dá a exata noção da palavra inglesa physician. Os físicos tinham esse nome por seguirem determinada filosofia jônica que rendeu muitos e interessantes desdobramentos, inclusive a própria ciência, tal como a conhecemos hoje e que, de certa forma, como um Frankenstein, engoliu a Medicina. Mas isso é assunto para outro post.

Excomungai-me, Dom José!


Logo de espetáculo teatral divulgado no site do CREMEPE

A excomunhão pelo arcebispo de Olinda dom José Cardoso Sobrinho da equipe médica  – que inclui, além dos médicos, enfermeiros, instrumentadores e circulantes da sala cirúrgica – que curetou a criança de 9 anos com uma gestação gemelar decorrente de intercurso sexual não consentido com o padrasto (também conhecido como estupro), diga-se, com a devida autorização judicial, está gerando grande polêmica nos meios de comunicação e, a partir de excelente post no Idéias, resolvi me manifestar. A sucessão de absurdos parece não ter fim. O advogado da Arquidiocese de Olinda, Márcio Miranda, planejava apresentar ao Ministério Público de Pernambuco, denúncia de homicídio contra a mãe da menina  que autorizou o abortamento. O Vaticano concordou com tudo o que o arcebispo decidiu. Isso inclui a não-excomunhão do padrasto, apenas da mãe que autorizou o procedimento e da equipe que o realizou.

Esse post vem denunciar o silêncio do Conselho Regional de Medicina de Pernambuco (CREMEPE) e cobrar um posicionamento urgente. Até o momento, apenas o Sindicato dos Médicos se manifestou oficialmente. Um conselho de medicina tem o dever de representar seus associados perante a sociedade, por mais insignificante que uma excomunhão católica possa ser. A repercussão internacional do caso e sua penetração na imprensa já seriam motivos suficientes para tal. A foto acima é de uma peça de teatro realizada pelo CREMEPE com intuito de esclarecer a população quanto ao problema que, em especial na área de Recife, é de saúde pública.

Além disso, em solidariedade a Sérgio Cabral, o gerente médico do centro de saúde que participou da cirurgia e a toda a equipe de médicos, enfermeiros e auxiliares que salvaram a vida dessa criança, gostaria profundamente de ser excomungado. A excomunhão é uma punição pública exemplar. Uma pecha. Um rótulo, quase uma maldição, mas que nesse caso se transformou numa das maiores vitrines da miséria de nossa sociedade e das mazelas de nossas instituições. Se lutar contra as injustiças e desigualdades ancestrais merece como pena a excomunhão então, quero ser excomungado já. Por essa razão, um de meus maiores ídolos é Espinoza: Excomungado de duas religiões!

Excomungai-me, Dom José! Pelo amor de Deus.

Dupas e o Pós-Humano

Gilberto Dupas em 2008 (Foto: Paulo Giandalia/AE)

Gilberto Dupas foi muitas coisas. Entrei em contato com suas idéias através do livro “O Mito do Progresso” (ver excelente texto-resumo na Novos Estudos de Março de 2007). Me interessei pelo seu trabalho por sua crítica à medicina. Ela se insere num contexto de crítica ao próprio capitalismo tardio em sua vertente chamada biocapitalismo. O texto que reproduzo abaixo, publicado n’ O Estado de hoje, está dentro dessa linha de raciocínio.
Quase que numa redução fenomenológica (aprendi isso com um amigo), Dupas vai despindo o ser humano dos atributos de sua humanidade até chegar ao que chama de ciborgue e de pós-humano. Por mais que esse exercício seja perigoso e tenha seus efeitos colaterais, ele é necessário. Como ele mesmo diz “do transplante de órgãos às terapias genéticas, passando pela fabricação de tecidos de substituição, a indústria biofarmacêutica e a medicina regenerativa assumem o biocontrole de uma sociedade que se quer pós-mortal”. Não queremos a morte. Não queremos a velhice.
O sonho da imortalidade inclui “modificar geneticamente o corpo humano a fim de parar seu crescimento biológico antes do período da puberdade. (…) Tornados estéreis pelo bloqueio artificial de seu desenvolvimento, eles não seriam nem homens nem mulheres, mas seres assexuados e fisicamente imaturos, ainda que intelectualmente adultos.”  Não queremos sexo primitivo com fins reprodutivos. Ele pressupõe a maturidade do corpo e todos os efeitos deletérios que dela decorrem, da osteoporose aos pelos que teimam em crescer, das rugas às doenças cardiovasculares, do Alzheimer e o esquecimento de si ao espasmo da morte.
Por fim, termina dizendo que: “Enquanto (o biocapital) anuncia o alongamento sem fim da expectativa de vida das gerações mais velhas a custos exorbitantes, cerceando o espaço essencial da alternância de gerações, reduz a saúde dos jovens estimulando o consumismo que provoca obesidade, diabetes, cânceres e outras doenças sistêmicas geradas pelas contaminações e pela inatividade física.”
 Precocemente, aos 66 anos, de câncer de pâncreas, faleceu na madrugada de 17/02/2009, o economista,  professor e, humanista, Gilberto Dupas.

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The Independent Physician

O New England Journal Medicine publica hoje um artigo sobre a independência do médico. Chama-se médico independente aquele que, além de prover cuidados a pacientes segurados e não-segurados, o faz ou de forma independente, que aqui chamaria-se autônoma, ou em pequenos grupos ou clínicas. Os dados são preocupantes. O número de médicos que migra desse tipo de prática isolada ou de pequenas associações para juntar-se a grupos maiores ou corporações onde frequentemente são empregados, é crescente como mostra a tabela abaixo.

O médico, juntamente com o contador e o advogado, entre outros, é um exemplo de profissional autônomo. Muito mais que uma relação trabalhista, aqui ‘autônomo’ também se opõe a heterônomo. Se nomos for traduzido como norma, regra, autônomo é o que faz as suas próprias. Heterônomo é o que obedece as regras feitas por outros. Não é difícil imaginar as repercussões à prática médica desse fato.

Quando levantei a questão do público e do privado na medicina baseada em evidências era exatamente sobre isso que gostaria de escrever. Quais implicações teríamos se esse médico trabalhasse para o Estado, para si mesmo ou para uma empresa com ações na bolsa de valores que tem como objetivo primordial remunerar acionistas?

Davi e Golias


Davi e Golias na Wikipedia

Enquanto na Palestina, Davi enfrenta Golias com sua funda, a imprensa internacional racionaliza o massacre, e o mundo se cala. O conceito de raça predomina. A ciência dos homens não aumenta a tolerância, muito menos Yahweh.

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10.000 Pageviews

Neste final de ano, o Ecce Medicus completou 10.000 pageviews. Uma marca significativa para um blog com menos de 1 ano, sobre um assunto que considero bastante árido (aliás, esse foi o leitmotif do blog). Essa marca foi atingida principalmente depois da mudança para o condomínio do Lablogatórios.
Neste final de ano, portanto, gostaria de agradecer de público ao convite do Carlos Hotta e do Atila Iamarino – o qual tive dificuldade em aceitar de prima, diga-se de passagem – para integrar esse prestigioso grupo e dizer que tenho a honra de estar aqui, e porque não, também um certo grau de tietagem, já que vários companheiros(as) estão na mídia convencional, seja em entrevistas, reportagens e até em concursos de beleza (o que não é o caso do Hotta, nem do Átila, tampouco!).
Me resta agradecer aos leitores, colaboradores e críticos do blog, aos organizadores do Lablog e desejar (sim, somos seres desejantes) a todos um 2009 com muitas alegrias, pageviews e reflexões para que, se não pudermos tornar o mundo melhor, pelo menos, nos tornarmos melhores.

Ainda Sobre Racismo

Interessante livro sobre racismo do qual fiquei sabendo no Biscoito que por sua vez leu no Liberal Libertário Libertino: The Racial Contract de Charles W. Mills.
A tese do livro, bastante foucaultiana aliás, pelo menos em uma primeira aproximação, é que o racismo é um sistema político e uma estrutura de poder baseados em um contrato social que seria na verdade, um contrato racial. Esse contrato funcionaria como uma “matrix”, chamada de “alucinação consensual” que impediria a correta interpretação da realidade. O LLL comenta:
“Na verdade, a força ideológica do Contrato Racial em criar e moldar a realidade é tamanha que ela mantém a maioria dos seus beneficiários em eterno estado de denegação histérica. Como enxergar a realidade significaria encarar também sua cumplicidade no Contrato Racial, apelam para “racionalizações tão fantásticas que beiram o patológico”, gerando uma “ignorância dolorosa tão estruturada” [a tortured ignorance so structured] que torna impossível levantar certas questões. Por mais que se aponte e se prove empiricamente a virulência do racismo, eles não acreditam e, paradoxalmente, não conseguem acreditar justamente porque sabem que é verdade. (Mills, 97)”
A estruturação do discurso racista se faz tão insidiosamente que se confunde com o “meio” no qual vivemos como se não houvesse outra alternativa. Assim como o peixe que não vê a água, também os pertencentes à raça dominante, não enxergariam o racismo. Como os objetivos são a manutenção do status quo, de privilégios a oportunidades, seria uma ferramenta fundamental de dominação que permearia todas as esferas da sociedade, todos os dispositivos do estado, todo e qualquer rincão onde o poder dominante pudesse ser ameaçado. Pergunto-me se a ciência, que sabemos ser um dispositivo fundamental na constituição do estado no capitalismo tardio, estaria fora desse circuito.
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Feliz Natal a todos.

O Fantasma do Amor


Pain by Kori Solomon at Flickr

Essa época do ano é bastante favorável à reaparição do fantasma que assombra a espécie humana desde os primórdios. Um fantasma que atormenta as mentes mais brilhantes e os menos favorecidos. Do mais completo atleta, seja futebolista ou olímpico, ao mais desajeitado homem ou mulher. Abate-se sobre ricos e pobres, homens e mulheres, velhos e novos: É o fantasma da depressão.
Sobre a depressão, escreveu Maria Rita Kehl:
“A depressão é uma forma muito particular e avassaladora daquilo que corriqueiramente chamamos a dor de viver. (…) À dor do tempo que corre arrastando consigo tudo o que o homem constrói, ao desamparo diante da voragem da vida que conduz à morte – que, para o homem moderno, representa o fim de tudo -, a depressão contrapõe um outro tempo, já morto: um “tempo que não passa”, na expressão de J. Pontalis. O psiquismo, acontecimento que acompanha toda a vida humana sem se localizar em nenhum lugar do corpo vivo, é o que se ergue contra um fundo vazio que poderíamos chamar, metaforicamente, de um núcleo de depressão. (…) A rigor, a vida não faz sentido e nossa passagem por aqui não tem nenhuma importância. A rigor, o eu que nos sustenta é uma construção fictícia, depende da memória e também do olhar do outro para se reconhecer como uma unidade estável ao longo do tempo. (…)”
“Contra esse pano de fundo de “nonsense”, solidão e desamparo, o psiquismo se constitui em um trabalho permanente de estabelecimento de laços -“destinos pulsionais”, como se diz em psicanálise- que sustentam o sujeito perante o outro e diante de si mesmo. (…) Amamos: a vida, os outros e sobretudo a nós mesmos. Estamos condenados a amar, pois com essa multiplicidade de laços libidinais tecemos uma rede de sentido para a existência. (…) A depressão é o rompimento dessa rede de sentido e amparo: momento em que o psiquismo falha em sua atividade ilusionista e deixa entrever o vazio que nos cerca ou o vazio que o trabalho psíquico tenta cercar. É o momento de um enfrentamento insuportável com a verdade. Algumas pessoas conseguem evitá-lo a vida toda. Outras passam por ele em circunstâncias traumáticas e saem do outro lado. Mas há os que não conhecem outro modo de existir; são órfãos da proteção imaginária do “amor”, trapezistas que oscilam no ar sem nenhuma rede protetora embaixo deles.”
O que Kehl chama de psiquismo é o conjunto de nossas faculdades cognitivas (raciocínio lógico, intuição, associação, etc) permeadas pelo nosso estado de humor. O humor de uma pessoa pode se entendido através da seguinte analogia: imagine que você está sentado em um teatro onde é o único expectador. A “peça” que se desenrola no palco nada mais é que sua própria vida cotidiana. O humor é o cenário, incluindo a música de fundo. Quando o cenário é lúgubre e a música triste, um acontecimento simples pode ser encarado como muito grave e de consequências desastrosas. Se por outro lado, o cenário é claro e colorido e a música alegre, os acontecimentos têm uma perspectiva muito mais positiva, mesmo que sejam tristes.
Como vimos, o amor é a salvação para o indivíduo pois tece uma rede de sentido e amparo que sustenta (o que na verdade seria insustentável): o indivíduo em sua insuportável existência sem sentido. Mas ficam as perguntas: Como age, então, o amor? Que tem o amor afinal a ver com a depressão?

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Projeto Angola


Mapa de Angola na Wikipédia

Este post faz parte da blogagem coletiva do Lablogatórios sobre a África. Vou escrever sobre Angola.

Angola é um país da costa ocidental da África que foi uma antiga colônia de Portugal; é portanto, lusófono. Obteve sua independência em 1975. Desde 2002, Angola está em paz. De 1961 a 2002 esteve em guerra, primeiro em virtude da luta pela independência, depois como consequência da guerra civil que explodiu em 1975 entre os principais partidos de Angola, o Movimento Popular de Libertação de Angola e o partido da oposição União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), de orientação socialista. Angola tem hoje, aproximadamente 16 milhões de habitantes, dos quais 3 milhões, moram na capital Luanda. Faz parte da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) e tem um PIB per capita de 4500 dólares, ocupando a 121a posição no ranking de paridade de poder de compra.

Desde 2002, o país enfrenta o desafio da reconstrução de seu sistema de saúde devastado pelo longo período de guerra. Vários orgãos internacionais têm participado desse projeto, entre os quais a OMS, Nações Unidas, UNICEF, Banco Mundial entre outros. O país tem aproximadamente 1.500 médicos, em média, um para cada 10.000 habitantes. Para se ter uma idéia, São Paulo tem 2,3 para cada 1000 habitantes. Os desafios na área são atendimento básico à população (grande maioria de jovens e crianças), assistência à saúde materna, desnutrição infantil, vacinação, controle da malária, tuberculose, HIV/Aids, hanseníase, doença do sono (um tipo de esquistossomose).

Um dos pontos desse projeto é o aumento da resolutividade dos hospitais locais, ou seja, aumentar o poder de tratamento de patologias cada vez mais complexas, visando à redução do número de doentes transferidos para o exterior para tratamento de saúde. Hoje, o governo gasta milhões de dólares com custeio de despesas médicas em outros países, como Portugal e África do Sul. Com essa finalidade estabeleceu-se um programa de capacitação de médicos especialistas angolanos atuantes em sete hospitais nacionais situados em Luanda, para que se tornem capazes de absorver 70% dos casos em 13 especialidades selecionadas e que atualmente, vêm sendo transferidos para o exterior. A cirurgia do Aparelho Digestivo integra a relação dessas especialidades selecionadas.

Para o desenvolvimento desse programa o Ministério da Saúde angolano solicitou a colaboração da Disciplina de Cirurgia do Aparelho Digestivo do Departamento de Gastroenterologia da Faculdade de Medicina da USP. O Prof. José Eduardo Monteiro da Cunha, professor Associado do Departamento de Gastroenterologia, foi indicado pelo Prof. Ivan Cecconello, Titular da Disciplina de Cirurgia do Aparelho Digestivo e Coloproctologia do Departamento, para coordenar e desenvolver essa atividade. O programa tem trazido excelentes resultados para os dois lados. Residentes de 4o ano da especialidade têm tido a inesquecível experiência de conhecer Angola e ensinar técnicas cirúrgicas de ponta aos médicos africanos. Uma médica cirurgiã já cursa um estágio presencial na disciplina e até este blogueiro tem interesse em implantar melhorias nas unidades de terapia intensiva locais.

Projetos como esse, fazem-nos lembrar a verdadeira vocação de uma universidade. Enchem nossos corações com aquela felicidade simples que traz a solidariedade; com aquele orgulho do bem de uma lição bem feita. A África é uma velha mãe. Projetos assim, lembram mais do filho que cuida da mãe do que daquele que a interna numa casa de repouso, enviando-lhe o dinheiro necessário das despesas. É um tipo de resgate. Um tipo de retorno. Um retorno ao colo pródigo.

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