Puberdade em 1 Minuto (para Garotos)

Sensacional vídeo divulgado no Street Anatomy. Quem se identificou, levanta a mão.

One Minute Puberty from bitteschön.tv on Vimeo.

Slow Doctoring

 

É mais um manifesto. Depois do Slow Food, do Slow Blogging, Slow Thinking, entre tantos, chegou a vez do Slow Doctoring. O Slow doctoring é uma proposta de relacionar tempo e prática médica. Expus minhas vivências sobre tempo e de como acredito que ele seja intrínseco a cada pessoa. Se assim de fato é, uma consulta, visita ou qualquer interação onde se dê a relação entre um médico(a) e um(a) paciente é, também, uma relação entre vivências de tempo diferentes. Há uma percepção geral de que os médicos não têm muito “tempo” para seus pacientes. Um slowdoctor é um sincronizador dos tempos: aeônicos médicos e khrônicos dos pacientes.

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Slow Doctoring é ouvir. P a c i e n t e m e n t e. É confiar, estimular e aprender a construir uma narrativa do paciente. Você, além de se divertir, certamente se surpreenderá com isso.

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Slow Doctoring é a rejeição da filosofia do “Quebrou-Conserta” vigente na medicina contemporânea. Nada contra os ortopedistas, por favor. O problema é esse tipo de filosofia que passou a ser regra e vem sendo aplicada onde não seria necessária. Exemplo, dor no peito = cateterismo = stent-em-tudo-quanto-for-obstrução. “Quebrou-conserta”.

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Slow doctoring é entender que alguns diagnósticos só vem com o tempo e que para isso, é preciso ter o tempo como amigo e que ele, não é muito fácil.

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Slow doctoring é desobjetivar a medicina. Ela, menina dos olhos de Platão e Aristóteles, ficou moça com Descartes e Bacon e parece ter casado com Adam Smith. Para entender o humano não basta quantificá-lo, é preciso ser humano também, a maior das empatias.

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Slow doctoring é entender que atrás de sua caneta existe um arsenal gigantesco e extremamente agressivo de exames, tratamentos clínicos ou cirúrgicos capazes, hoje, de virar seu paciente literalmente do avesso e encontrar, não só doenças potencialmente tratáveis, mas também pseudodoenças cujo “tratamento” é, em si, a maior de todas as doenças: iatrogenia. Um carimbo em cima disso não endossa o ato.

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Como corolário do item 5, slow doctoring é domar a tecnologia médica e não deixar que ela dome você. Muito da “velocidade necessária” da prática é o médico a serviço da tecnologia e não do paciente. Evitar confundir medicina com tecnociência para não correr o risco de ser cientista em exercício ilegal da medicina.

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Slow doctoring é entender o lead-time bias e suspeitar dele. Sempre. Truque dos deuses siameses.

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Questionários são para quem não quer conversar. Assim como algoritmos e diretrizes são para quem não quer (ou não pode) pensar.

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Reconhecer que algumas vidas chegam ao fim e que a morte não é, de longe, a pior coisa que pode acontecer a uma pessoa.

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“Se eu quiser diagnosticar um paciente, tenho que conhecer toda sua fisiologia ou fisiopatologia de sua doença. Se eu quiser tratá-lo terei de conhecer a farmacologia e a farmacodinâmica de suas medicações, riscos e benefícios de seus procedimentos. Se eu quiser cuidar dele, o que inclui convencê-lo de utilizar as medicações e submeter-se aos procedimentos, tenho que compreendê-lo como uma totalidade. Se eu quiser curá-lo ou aliviá-lo de seu sofrimento, serei seu médico, e para isso, tenho que respeitá-lo antes de qualquer coisa”. Por isso, ser médico de alguém dá muito trabalho e isso consome tempo.

PS. Deve haver mais algum. Mas 10 é um número bonito.

Por Que Não Sou Pediatra

Pouca gente sabe, mas minhas melhores notas no internato foram em estágios de Pediatria. No 6o ano, no Hospital Universitário, fiz um estágio muito bom e um pediatra já famoso na época me disse para fazer residência de Pediatria e ir trabalhar com ele. Fiquei muito lisonjeado e pensativo. Isso significaria acesso a uma medicina de ponta, trabalhar nos melhores hospitais da cidade e uma remuneração bastante interessante. Mas, decidi que não queria Pediatria. Nunca entendi direito essa minha decisão e alguns acontecimentos recentes me fizeram refletir sobre essa (não) escolha de tempos atrás.

Não há nada, nem haverá jamais nada sequer semelhante, em magnitude ou poder capaz de nos confrontar com a realidade da ausência de sentido ou propósito; com a propriedade de relativizar a textura do real com a força devastadora do que poderia ser chamado de um tornado afetivo; ou de sufocar aquilo que o humano tem de mais precioso que é sua esperança, que a morte de uma criança.

Não me refiro a assassinatos. Nesse caso, os canhões de nossa ira apontam para um culpado e lá descarregarão todas as esperanças frustradas, toda a decepção por compartilhar de uma mesma humanidade, toda a revolta e o ressentimento.

Me refiro ao que poderia ser chamado de “morte natural”. Uma morte por doença, uma morte médica. Uma qualquer? Por exemplo, leucemia. Que raios uma célula-tronco que deve produzir células brancas “cria” uma linhagem-clone com uma certa vantagem reprodutiva de modo que essa linhagem logo toma conta de todo o setor de produção de células brancas, e também vermelhas e plaquetas, ganhando o sangue periférico, invadindo orgãos, subvertendo funções…E após 2 anos de sofrimento extremo, a vida de uma criança é varrida do planeta.

E as pessoas que têm um Deus se perguntam: por quê? As que não têm, fazem exatamente a mesma pergunta. Estamos todos presos à natureza humana. Uma natureza desejante e insatisfeita; delirante, imperfeita, incompleta. Pelo menos desse karma existencialista consegui me livrar. Restaram, entretanto, todos os inumeráveis outros.

Religiosidade e Ética Científica

A pergunta do post anterior tem uma razão de ser. Foi publicado um artigo no New England (pdf gratuito, ver também a referência na “medaglia” abaixo) traçando um paralelo entre os países da Europa e os Estados Unidos quanto a postura em relação a pesquisas com células-tronco. O artigo categoriza as populações de entrevistados de acordo com políticas públicas de financiamento em cada país, preferências políticas (em especial nos EUA, onde a divisão republicanos vs. democratas permite uma visualização mais fácil do problema) e religiosidade.

Olhando os números mais de perto, 60% dos americanos entrevistados são a favor de pesquisas com células-tronco e 30% acham que ela devia ser proibida, mesmo que isso custasse um atraso no tratamento de algumas doenças. À pergunta “você acha que a pesquisa com células-tronco deveria ser proibida?” 71% dos islandeses responderam “não” e 25%, “sim”, o maior índice de aceitação. Já a Áustria teve 33% “não” e 60% de “sim”, respectivamente, a maior rejeição. A divisão de partidos políticos mostrou nos EUA, que os republicanos, mais conservadores, são a favor da pesquisa em 52% e que ela não deve ser proibida em 51%. Quando comparados com os democratas, mais liberais, 67% deles são a favor. O artigo ainda envereda pela questão se o governo deveria financiar tal tipo de pesquisa e as respostas seguem mais ou menos o mesmo padrão. O que eu queria chamar a atenção aqui era mesmo sobre a religiosidade e a aceitação da pesquisa com células-tronco. Mas antes, um pequeno parêntesis.

Ao analisarmos 2 eventos sequenciais, por exemplo, uma borboleta esvoaçar pelo meu jardim e ocorrer um terremoto na Tailândia, 3 situações podem ocorrer: 1) A borboleta causa o terremoto; 2) A borboleta não causa o terremoto e 3) Não faço a menor ideia se ela causa ou não a porcaria do terremoto. A terceira em geral, é a grande maioria das respostas. Mas, se quisermos “dominar” a natureza precisamos saber se um evento causa ou não o outro. Para demonstrar as duas primeiras é preciso estabelecer uma relação de causa-efeito (#1) ou de não-causa-efeito (#2). Colocado assim, de forma bastante simplista, esse é um dos principais objetivos da ciência: estabelecer relações de causa-efeito. Há inúmeras maneiras de se conseguir isso. Em medicina temos várias limitações e muitas vezes utilizamos uma “metafísica” chamada Estatística para nos indicar um caminho. Outra maneira, e talvez uma das mais elegantes, seja encontrar um tipo de relação entre um evento e outro que pode ser chamada de “curva dose-resposta” (tem outros nomes, eu chamo assim, porque aprendi assim na farmacologia). Nessa relação, toda vez que aumentamos a intensidade de um evento desencadeador, temos um aumento do evento desencadeado (dentro de uma certa faixa). Posto isso, podemos observar a tabela do artigo em questão que coloquei abaixo.

Com todas as críticas possíveis e imagináveis em se categorizar um troço totalmente arbitrário como religiosidade no número de vezes em que se vai a um culto, temos aqui um exemplo da tal “curva-dose resposta”. Quanto maior a frequência em que uma pessoa vai a um culto, maior a chance de achar que a pesquisa com células-tronco deva ser proibida em seu país. Religiosos graduados em “nunca vou ou vou 1 vez/ano”, “vou mensalmente ou anualmente” e “vou semanalmente ou mais” respondem “proibir” na Europa em 33, 41 e 49%; nos EUA em 18, 33 e 40%, respectivamente.Enquanto que os “sem-religião” ficam em 29% e 18% na Europa e EUA, respectivamente.

O que essa pesquisa demonstra? Que a religiosidade (definida nos termos do artigo), nos países estudados, gera uma certa aversão à pesquisas científicas com embriões humanos mesmo que isso custe um atraso no desenvolvimento de tratamentos para algumas doenças como traumatismos raquimedulares. A pergunta que se segue é: Por quê?

A busca de outras fontes de eticidade que não a de cunho eminentemente metafísico, dependente de conceitos como “criador”, “força maior” ou “Deus”, etc, e, principalmente, de uma crítica sobre a maneira como tais conceitos são manipulados pelas diversas formas de religiosidade, é fundamental para a construção de uma ética laica que, por sua vez, fundamentará decisões em comissões de ética, conselhos de pesquisa e outros orgãos de extrema importância para quem quer fazer pesquisa séria e de boa qualidade. As diferenças entre decisões de pessoas religiosas e não-religiosas devem ser melhor estudadas se quisermos uma ética consensual. Do meu lado, em que pese o papel importante que a religião possa ter desempenhado como guardiã da ética, permitir que pessoas sofram de doenças potencialmente curáveis em detrimento a um blastocisto que iria para o cesto de lixo é de um obscurantismo incompreensível.

 

ResearchBlogging.orgBlendon RJ, Kim MK, & Benson JM (2011). The public, political parties, and stem-cell research. The New England journal of medicine, 365 (20), 1853-6 PMID: 22087677

Abortamentos e Cesarianas

Parto Cesárea

– Nasceu?! Que legal! Foi parto normal?

– Normal…. Pro médico, né?

Diálogo entre uma puérpera e o editor deste blog.

Foi manchete este fim-de-semana a informação do Ministério da Saúde dando conta de que, pela primeira vez, o Brasil registrou mais cesarianas do que partos normais num ano: 52% no total. Segundo reportagem da Folha de S. Paulo, no setor privado, a taxa de cesarianas é estável desde 2004 e gira em torno de 80%. No Sistema Único de Saúde (SUS), o número vem aumentando e passou de 24% para 37% na última década.

Os termos cesárea ou cesariana não parecem ter a ver com Júlio César, supostamente nascido deste procedimento, como me foi ensinado na faculdade. Como o professor Joffre ressalta “a palavra cesárea e as expressões parto cesáreo operação cesariana vinculam-se ao verbo latino caedocaesum, caedere, que equivale ao grego témno, cortarDele derivam caesus,a,um, cortado; caeso, onis, ceso ou cesão; caesura, corte;e caesar, aris, com o mesmo sentido decaeso, onis, isto é, aquele que é tirado do ventre da mãe, ou “qui caeso matris utero nascitur”. As palavras cisão e ciso vêm da mesma raiz. (Não confundir com siso, do latim sensum, que originou o tal dente do juízo).

É conhecido o fato de o Brasil ser o campeão mundial de cesarianas tendo, inclusive, sido bastante criticado por isso (uma pequena compilação de links: unnecesarean, guttmacher com uma referência brasileira, outra referência em pdf, outro estudo do Lancet [assinantes], entre outros tantos). Mas, como o título do post sugere, gostaria de fazer um paralelo aqui entre abortamentos e cesarianas.

Vamos aos conflitos de interesse primeiro. Não acredito no abortamento como método anticoncepcional em saúde pública porque ele não funciona bem para isso. Mas, quer queiram setores da igreja, o Estado Teocrático Brasileiro, sociologistas, médicos e etc, etc, ele é uma prerrogativa feminina. O abortamento deve ser “acessível, seguro e extremamente raro”, como já se disse. É um dos sinais do abismo existente entre as classes sociais brasileiras a maneira como sua prática permeia os vários segmentos da população feminina do país: de agulhas de tricô, citotecs e o seja-o-que-deus-quiser, a clínicas altamente aparelhadas e com mordomias de grandes hospitais. (Não vou nem discutir sobre as questões dos fetos mal-formados e do risco de morte da mãe, porque aí já seria muito para esse post. Veja minhas posições sobre o assunto aqui, aqui e aqui).

Voltando ao espanto causado pelas cesarianas. O parto cesárea seguiria o mesmo raciocínio do abortamento. É uma prerrogativa da mulher querer ter seu bebê por via vaginal ou cirúrgica. O problema é que essa decisão nunca é totalmente esclarecida e aqui entra o papel do médico. Eu fiz 5 partos normais durante meu curso médico. Em alguns, passei a noite ao lado de moças se contorcendo de dor sem alívio nenhum. Se não houvesse alternativa, tudo bem, o presente da maternidade sempre vai compensar qualquer coisa, pelo menos é o que elas dizem. Mas se há uma forma diferente na qual a relação risco/benefício é aceitável, por que não tentar? Quem decide? O médico e a mãe, mais ninguém.

O médico entretanto, deve fazer o mesmo papel que faria quando se lhe apresenta alguém querendo retirar um feto indesejado. Expor, com a maior isenção moral possível, os riscos dos procedimentos e posicionar-se. Essas não são decisões que cabem apenas ao paciente. Dizer que não faz ou prescreve procedimentos abortivos é totalmente legítimo. O paciente deve saber que isso é proibido no Brasil e que o médico que o faz está em importante risco de processo. Com a cesárea, a situação é atenuada, mas semelhante. Não há proibição, mas há indicações clínicas mais ou menos precisas. Se a gestante quer uma cesariana, o médico deve expor os riscos e posicionar-se. O problema é que há um viés do médico favorecendo o procedimento. Aí junta a fome com a vontade de comer. E com isso, eu não posso concordar.

Vamos colocar uns dados nessa discussão. Os obstetras e a Organização Mundial de Saúde estimam que aproximadamente 15% dos partos devam ser cesarianos por complicações relacionadas aos mesmos. Se nos hospitais privados de São Paulo – capital, a taxa está em torno de 80%, segundo a Folha, temos que explicar o excesso de 65% em favor das cesarianas. Há uma entidade batizada em inglês com a sigla CDMR para Caesarean delivery on maternal request (cesárea por solicitação da mãe). Existem fortes indícios, segundo o estudo do Lancet citado acima, de que esse “movimento” tenha se iniciado no Brazil e disseminado-se para outros países. Estima-se que esse tipo de “indicação” possa responder por até 20% dos casos de partos cirúrgicos. O estudo de Zhang (abaixo) avaliou 1,1 milhão de partos não-gemelares durante 13 anos no sudeste da China e mostrou um aumento significativo no número de partos cesarianos em grande parte devidos a CDMR. Em alguns locais, as indicações por solicitação das mães chegaram a 50% das cesáreas. No Brasil, Osis e colegas (abaixo) foram tentar entender porque tanta cesárea. Avaliaram 656 mulheres de São Paulo e Pernambuco, usuárias do serviço público, e as dividiram em 2 grupos. O primeiro constituído de mulheres que tinham a experiência de um parto vaginal prévio e que depois tiveram um cesariano. O outro, constituído apenas de mulheres com parto cesariano. 90,4% das mulheres que tinham tido pelo menos um parto vaginal consideraram-no melhor, contra 75,9% entre as que só tinham cesárea (o número das que tinham tido apenas partos normais é muito pequeno no estudo e isso se constitui num viés importante). Se as que tinham cesárea tivessem entrado em trabalho de parto, o resultado ficava semelhante (45,5% e 42,8%). 47,1% das que tiveram parto vaginal disseram que ele não tinha desvantagens, contra 30,3% das que não tiveram. Por outro lado, 56,7% das mulheres que só tiveram cesarianas referiram que não ter contrações era a principal vantagem do método, contra 41,7% das outras. A conclusão do artigo é que a dor é importante mas as mulheres avaliam-na como secundária. Em primeiro lugar a saúde da criança e o pós-operatório. Além disso, no Brasil é muito importante a possibilidade de realizar uma laqueadura (“amarrar as trompas”) para esterilização e isso pesou na escolha da via para o parto. Isso se constitui numa falha grave das políticas de Saúde Pública desses dois estados no que se refere ao controle da natalidade, segundo outro artigo. Não se pode substituir um erro por outro.

Para concluir esse longo post, eu diria que:

1. É legítimo uma mãe querer uma cesárea (CDMR), assim como é legítimo uma mãe não querer levar adiante uma gravidez indesejada – prerrogativas dela, exclusivamente – desde que ela esteja totalmente esclarecida das consequências que tais procedimentos realmente implicam.  (Há quem discuta sobre o que é estar “totalmente esclarecido” afirmando ser impossível ao leigo esclarecer sobre procedimentos com consequências tão complexas, o que gera implicações no tal consentimento informado, instrumento sem o qual não se faz NENHUMA pesquisa clínica, só para se ter uma ideia do tamanho do problema com o qual estamos a lidar).

2. O médico tem um papel fundamental na escolha da via do parto e deve despir-se de suas preferências individuais para aconselhar a gestante. Dada a enorme dificuldade em se fazer isso (até porque, um médico confia nas suas habilidades tanto para um como para o outro procedimento), não é totalmente descabido ouvir uma segunda opinião sobre o assunto. Isso diminui, com certeza, o viés. Mas aumenta a insegurança; outra escolha difícil.

3. O excesso de cesáreas é um dos exemplos de medicalização da medicina. Como a calvície, a timidez e a agitação infantil, nos mostra como transformar “desvios” arbitrários da normalidade em patologias manipuláveis tecnicamente.

Foto tirada do blog Parir é Nascer.

ResearchBlogging.orgZhang, J., Liu, Y., Meikle, S., Zheng, J., Sun, W., & Li, Z. (2008). Cesarean Delivery on Maternal Request in Southeast China Obstetrics & Gynecology, 111 (5), 1077-1082 DOI: 10.1097/AOG.0b013e31816e349e

ResearchBlogging.orgOsis MJ, Pádua KS, Duarte GA, Souza TR, & Faúndes A (2001). The opinion of Brazilian women regarding vaginal labor and cesarean section. International journal of gynaecology and obstetrics: the official organ of the International Federation of Gynaecology and Obstetrics, 75 Suppl 1 PMID: 11742644

Stravinsky, Roth e a Grand Place

Grand Place, Bruxelas, Bélgica 2011

Pessoas que me cercam costumam usar a palavra “atormentado” para definir um estado de espírito que, por vezes, me consome. Um estado de profunda introspecção e fixação por temas ou autores ou músicas ou qualquer que seja a peça intelectual que se encaixe nesse cenário. Não seria uma tristeza, nem um estado depressivo. É uma sensação de percepção de sangue correndo nas veias, de pensamentos trespassando o espírito, uma senciência do tempo; coisas assim. O que é engraçado nisso tudo é que volta-e-meia acabo arrumando uma relação entre esses vários objetos de temporária obsessão, relação que talvez só exista na minha cabeça, exímia em encontrar padrões onde, no mais das vezes, eles não existem. Quando existem, há quem chame essa visualização de intuição. E de repente, por uns breves segundos, intuímos um sentido para o mundo para logo depois, essa bruma de hiperconsciência se dissipar num cotidiano qualquer. Querem um exemplo?

Vamos com um fundo musical primeiro. Stravinsky. Estou fascinado por Stravinsky. Para se ter uma ideia do meu conhecimento de música erudita, raramente ouvi algo além de Bach (o velho) e Mozart (peças principais). Haendel (sinfonia aquática) é legal. Pronto, acabou. Não tenho ouvido para coisas muito complicadas e prefiro ritmos e improvisações. Villa-Lobos, só no violão do Egberto. No feriado, entretanto, vi o filme Coco Chanel & Igor Stravinsky de Jan Kounen. Desde então, escutei tudo o que pude de Stravinsky (além de descobrir em peregrinação frenética, que as grandes lojas de discos de São Paulo não sabem e não têm absolutamente nada sobre ele). Há uma música no filme, ironicamente chamada de “Les 5 easy piece pour piano solo” em seu primeiro movimento, um andante, que é, como diria, tenebrosa? Sombria? Mas ao mesmo tempo, prodigiosa na sua simplicidade. Depois disso, ouvi a Petrushka, as sinfonias para violino (sensacionais), ouvi tudo que consegui… A música de Stravinsky foi uma surpresa de grandiosidade para mim, como uma prosa nietzscheana, como uma explosão sexo-linguística em Miller, como a volúpia de uma cerveja na Grand Place em Bruxelas.

Fiquei também fascinado pela palavra nêmesis e por Nêmesis, a deusa. Descobri que há um livro chamado a “Nêmesis da Medicina” de Ivan Illich, veja só. Illich morreu em 2002 e no ano seguinte foi re-publicado um artigo – a partir de seu original no The Lancet de 1974 – com o resumo das ideias do livro no aniversário de seu falecimento (abaixo). A deusa Nêmesis é a deusa da vingança, mas não uma vingança qualquer. Ela personifica a vingança divina a quem sucumbe à hybris, uma mistura de soberba com “sem-noçãozismo”, que leva um mortal a “se achar” perante aos deuses e, obviamente, a fazer enormes besteiras. Illich começa o artigo com a seguinte frase (em livre tradução): “Nas últimas décadas a prática médica profissional tem se tornado uma grande ameaça à saúde.” Prossegue dizendo que “as assim chamadas profissões da saúde têm um poder morbidizante indireto – um efeito anti-saúde (healthdenying) estrutural.” Esta última sindrome, é batizada de Nêmesis Médica. Em uma interpretação particular do mito de Prometeu, Illich o coloca como vilão da história e o aproxima do “homem-comum” contemporâneo que provocou a inveja dos deuses e atraiu para si sua própria nêmesis. Nêmesis que agora se tornou endêmica, como um efeito colateral do progresso, disseminada em várias atividades, inclusive na própria medicina.

Nêmesis é também o título de um romance de Philip Roth (vejam interessante resenha no Amálgama). O livro é ambientado em Newark – EUA na época da epidemia de poliomielite bulbar que acometeu a América do Norte e a Europa na década de 50. (A mesma epidemia que possibilitou a criação das unidades de terapia intensiva). Nesse livro, a nêmesis é a pólio, veja só.

Fiquei ouvindo Stravinsky pelo YouTube do celular no carro no trânsito massacrante de São Paulo uma semana inteirinha. Fiquei lendo nêmesis, médicas e não-médicas, ouvindo Stravinsky. Comecei um romance sobre pólio, lembrei de viagens, praças, moças e cervejas… tudo ouvindo Igor (virei íntimo). Intui que isso talvez seja, precisamente, viver. Atormentado. O duro é viver comigo…

ResearchBlogging.orgIllich, I. (2003). Medical nemesis Journal of Epidemiology & Community Health, 57 (12), 919-922 DOI: 10.1136/jech.57.12.919

Laringe e Ressentimento

O tumor laríngeo do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva foi notícia durante todo o fim-de-semana e manchete em jornais de todo o mundo. O tumor é do tipo comum e de agressividade médiadiz o laudo da biópsia de hoje ontem e Lula deverá instalar um cateter para realização de quimioterapia. Não é caso cirúrgico. Dois comentários sobre tudo isso.

1. O problema começou com uma rouquidão. Das causas conhecidas, os tumores malignos não são a maioria. A lista abaixo mostra as causas possíveis. De longe, as laringites e as lesões benignas são as mais comuns.

– Laringite aguda, auto-limitada e relacionada às doenças respiratórias e uso errado da voz.
– Laringite crônica. Muito associada à doença do refluxo ou a mecanismos de fala viciosos.
– Lesões benignas das cordas vocais (os famosos pólipos).
– Tumores malignos
– Quadros neurológicos (Parkinson, derrames ou lesões dos nervos laríngeo recorrente).
– Quadros psiquiátricos
– Doenças sistêmicas (amiloidose) e outros quadros muito raros

Toda vez que alguém famoso tem um diagnóstico bombástico, eu fico apreensivo. Alguns médicos ganham destaque e procedimentos que nem sempre são os mais recomendados, ganham os meios de comunicação. Como vivemos na sociedade do espetáculo, o resultado é que as pessoas acabam achando que é melhor fazer uma tomografia ou ressonância de corpo inteiro e procurar por bolinhas ou bolotas espalhadas pelo organismo e solicitar, então, que um bom cirurgião as retire. Gente, a medicina não funciona assim. Hoje, um paciente muito sagaz e fazedor contumaz de check-ups me perguntou por que neles não se realizam exames neurológicos, eletroencefalogramas ou mesmo uma tomografia nesse tipo de “medicina”. É mesmo, né? – pensei. Talvez porque saibamos menos a respeito do sistema nervoso? Ou porque o coração tem mais marketing? O que dizer da laringe, então? Ninguém lembrou de fazer uma fibronasolaringoscopia num paciente com história de tabagismo, ingesta alcoólica moderada, meia idade, meio rouco e com antecedentes familiares de tumores, inclusive de laringe? Não?! Poxa, o que pensam os grandes cérebros defensores do check-up sobre isso?
2. A enxurrada de protestos raivosos que o tratamento do presidente em um grande hospital particular de São Paulo gerou é o grande destaque negativo. O melhor, mais sincero e mais contundente texto que vi sobre o assunto foi este. Bom feriado a todos.

Coagulação e Defesa II

O sangue humano pode ser considerado um “orgão” especializado em várias funções. Duas das mais importantes são o transporte de oxigênio/nutrientes e a imunidade. O sangue é constituído pelo plasma e pelos chamados elementos figurados, células típicas de seu “tecido”. São 3 os tipos básicos de células sanguíneas: as vermelhas ou eritrócitos, as brancas ou leucócitos e as plaquetas ou trombócitos. Os eritrócitos dão a cor vermelha de nosso sangue por conter uma metaloproteína – cujo metal é o ferro – chamada hemoglobina. Ela tem uma afinidade especial pelo oxigênio que permite tanto transportá-lo como também, descarregá-lo com facilidade aos tecidos.

As células brancas também têm suas subdivisões e são um universo à parte. É importante ressaltar aqui seu papel na defesa do organismo. A defesa ou imunidade pode ser dividida em celular e humoral. A celular sendo caracterizada pela luta “corpo-a-corpo” das células contra os invasores e a humoral, caracterizada pela produção de anticorpos que, por sua vez, têm muitas funções, desde facilitar o englobamento de uma partícula fazendo com que uma célula fagocitária a enxergue, até abrir buracos em paredes celulares, “explodindo” osmoticamente os invasores, entre outras. As diferentes linhagens de leucócitos são especializadas em cada uma dessas funções e subfunções, muitas das quais podem ser descritas em capítulos sobre “inflamação”.

As plaquetas são fragmentos citoplasmáticos (nome bonito para “cacos” de células) de uma grande célula chamada megacariócito. Elas desempenham um papel muito importante na coagulação, participando tanto de seu início como da formação do coágulo final. Não é à toa que muitas medicações têm sido desenvolvidas com intuito de modular a ação das plaquetas e com isso, controlar vários processos patológicos. (A mais famosa e antiga dessas drogas é a aspirina.)

~ ~ o ~ ~

Pois bem. Esta pequena introdução serve para dar uma breve ideia da complexidade de um sistema como o que é constituído pelo sangue. Tal complexidade se dá pelo número enorme e pela especialização das funções de cada um dos componentes hematológicos. Apesar de descrevermos com cada vez mais acurácia o papel de cada um desses elementos, uma abordagem evolutiva aplicada levanta questões bastante interessantes. Sabe-se que cadeias de enzimas chamadas proteases da serina desempenham papeis variados ao longo da “escala evolutiva”. A cascata da coagulação desempenha, juntamente com as plaquetas e os vasos, um papel muito importante na hemostasia. A cascata do complemento pertence ao que chamamos de imunidade inata, automática e “on board” dos seres vivos. Mas as semelhanças entre os dois sistemas é grande demais para considerarmos apenas uma coincidência. Estudos filogenéticos sugerem que se desenvolveram por volta de 400 milhões de anos atrás a partir de um origem ancestral comum dos eucariotos. Tanto a coagulação como o sistema do complemento parecem dividir uma evolução convergente com sistemas tão diferentes como o desenvolvimento embrionário da Drosophila e o sistema imunológico de um bicho muito esquisito chamado de caranguejo-ferradura – Limulus polyphemus (foto abaixo).

Esse “fóssil-vivo” parece estar perambulando pelas praias do hemisfério norte por pelo menos 100 milhões de anos, praticamente inalterado. Tem sangue azul. Isso porque a metaloproteinase responsável pelo transporte de oxigênio é a hemocianina, que tem o cobre no lugar do ferro da hemoglobina dos mamíferos. Além disso, ao contrário da profusão de células e funções especializadas, o sangue do límulo só tem um tipo morfológico de célula. Essa célula faz-tudo tem uma maneira muito especial de defender o organismo contra invasão de bactérias ou algas portadoras de uma toxina chamada lipopolissacáride (LPS): ela coagula o invasor. Figura abaixo (daqui).

O límulo não tem sistema do complemento, glóbulos brancos ou vermelhos (nem mesmo azuis!). Tem um sistema de coagulação que serve primariamente para cicatrizar lesões e permitir que não exanguine-se em traumas e que é, também, utilizado para defesa. Seria esse o “elo perdido” das cascatas? Será que isso ocorre também em mamíferos? É o que tentarei mostrar no terceiro e último post da série.

 Referência

1. Akbar-John et al. 2010. Journal of Applied Sciences, 10: 1930-1936.

Coagulação e Defesa

É conhecido o fato de que sistemas bastante específicos presentes nos mamíferos se mostrem rudimentares – e frequentemente com outras funções – em animais mais antigos na “escala filogenética evolutiva”, um fenômeno chamado de exaptação. Um exemplo que eu gosto de usar é o da bexiga natatória dos peixes que acabou funcionando como pulmão “mais tarde”. Contar esse tipo de história é sempre muito bom porque nos ajuda a entender uma série de fenômenos “inexplicados” além de nos oferecer insights para propor novas teorias sobre o funcionamento dos organismos e, no caso específico da ciência médica, a criar formas de intervir nas doenças.

Nos últimos anos, a coagulação humana vem sofrendo um repaginada radical. São modificações de uma teoria que não deu conta de explicar a coagulação em uma série de situações, em especial, a do paciente que sofre de cirrose hepática. A coagulação é uma cascata, tipo efeito dominó, de pré-enzimas e enzimas e que catalizam a formação de outras enzimas que, ao fim e ao cabo, transformarão a protrombina em trombina. A trombina polimeriza a proteína fibrilar chamada de fibrinogênio transformando-a em sua forma reticular chamada de fibrina. Esta rede segura células e tudo o mais do sangue formando o coágulo (ver figura ao lado).

Classicamente, os pacientes cirróticos eram considerados hemorrágicos em potencial, dado que a grande maioria das enzimas da coagulação – chamadas de fatores – são produzidos pelo fígado. De fato, o paciente portador de insuficiência hepática crônica (cirrose) tem várias situações clínicas nas quais pode sangrar abundantemente, pondo sua vida em risco. O que a teoria não explicava é que os cirróticos podiam apresentar, não infrequentemente, eventos trombóticos, aqueles nos quais o sangue coagula no interior de vasos, sem uma razão aparente. Como, se fatores são faltantes e o indivíduo apresenta uma tendência “natural” a sangrar?

Em 1964, dois grupos independentemente publicaram um artigo na Nature e um na Science propondo a sequência de ativações que originou a cascata em formato de Y, com as vias intrínseca e extrínseca, da forma como a utilizamos até hoje.

O problema todo é que esses esquemas (veja vários aqui) foram propostos para situações in vitro, ou seja, de laboratório. Nenhum dos esquemas, é incrível!, tem uma única célula desenhada. Como pode qualquer coisa dentro de um organismo multicelular ocorrer a revelia das células? No entanto, eles têm sido utilizados pelos médicos para entender a coagulação humana e, pior, para tratar seus distúrbios e também predizer se um indivíduo apresentará ou não um sangramento importante durante uma cirurgia, por exemplo.

Foi então, que Maureane Hoffman e Dougald Monroe III propuseram a Teoria Celular da Coagulação em 2001. Essa abordagem dá conta de explicar fenômenos nos cirróticos porque chama a atenção para outros mecanismos de compensação presentes nesses pacientes, tão importantes quanto os próprios fatores de coagulação, no sentido de preservar a hemostasia (capacidade de não sangrar até a morte em resposta a traumas banais).

A Teoria Celular da Coagulação me chamou a atenção para a semelhança entre coagulação e imunidade celular e eu descobri algumas coisas bastante interessantes que ficarão para o próximo post.

HOFFMAN, M., & MONROE, D. (2007). Coagulation 2006: A Modern View of Hemostasis Hematology/Oncology Clinics of North America, 21 (1), 1-11 DOI: 10.1016/j.hoc.2006.11.004

Baixo

A década de 70 teve a fase áurea da Motown nos EUA e alguns desdobramentos no Brasil. Dizem que Hyldon “Na Rua, na Chuva, na Fazenda”, no começo dos anos 70, tinha uma banda com o Cassiano “Estou Ficando Velho e Acabado” chamada Os Diagonais. Depois que Os Diagonais acabaram, Hyldon foi aos EUA e de lá voltou com um disco do Earth, Wind & Fire e pôs para Caetano Veloso ouvir. Ele ouviu e gostou. Pegou a banda Black Rio, que já fazia um baita som misturando soul e samba, e gravou “Odara”, uma música MPB com a levada impressionante do baixo funk de Jamil Joanes. Check it out

Aqui mais um som da Black Rio – Maria Fumaça – ao vivo. Com repinique, guitarra com som de cuíca e Jamil slapeando aos 1:28, atrás. O baixo é groove total e o som, de uma atualidade impressionante.

O baixo elétrico e o contra-baixo são instrumentos grandes, de cordas pesadas. Fazer um solo com um trambolho desses não é uma coisa muito simples: o baixo não foi feito para solar. Por isso, um solo de baixo é inusitado e chique. Diria até, sensual.

Um dos baixistas mais “interessantes” do momento é uma moça. Seu nome Tal Wilkenfeld. Rapaz, esse solo com Jeff Beck no Crossroads é de arrepiar. A música chama-se Cause We’ve Ended as Lovers.

Aproveitei pra pegar dois papeis de parede do vídeo, evidenciando a performance maravilhosa que fez até o mito JB curvar-se – presentes do grande amigo DRH – e disponibilizo aos amantes do baixo.

Repare na mãozinha em contraste com o baixo!