Recortes de "Uma palavra depois da outra – o processo da escrita"
“Quando eu dou aula, e dou aula frequentemente, digo aos meus alunos: – ‘Vocês tem que escrever todos os dias e escrever pelo menos duas horas por dia.’ Eu espero que eles nunca me perguntem, porque eu não consigo fazer isso. Eu entro em comas e passo meses sem escrever, e depois eu explodo e escrevo por 10h, 12h por dia. Mas isso não muda nada, se vocês quiserem ser escritores, tem que escrever todos os dias, 2h por dia” Dennis Lahane, EUA (2007).
“Eu devo dizer que, na parte que me toca, e quanto a estrutura propriamente dita, eu vou deixando que as coisas aconteçam. E quando digo isso, não faço nenhum apelo a espontaneidade. Quando digo que não faço estruturação prévia, não quer dizer que ela não seja feita. Ela é feita a um nível subliminar, mas que já implicou muito esforço. É como se da realidade que é captada envolta, das vivências, captadas também, minhas e dos outros, é como se houvesse uma decantação e tudo isso fosse parar a um laboratório oculto, interior, onde passa por retortas e crisóis, até ser transfigurado e refeito, aparecer de novo, eventualmente, em certa madrugada, já elaborado, essa elaboração não é por intervenção divina, tem a ver com muitas leituras e talvez, isto pode ser uma peculiaridade do escritor com algum poder de captação, ou roubo, de palavras, de textos, de imagens.” Mario de Carvalho, Portugal (2006).
“Na maior parte das vezes, a inspiração chega quando você acaba de trabalhar. e então pensa, ‘ah… tenho aqui ainda está coisa… mas não vale a pena escrever agora… eu vou me lembrar amanhã…’ e ai você esqueceu. Como aquelas vezes em a gente está naquele estado crepuscular, entre o dormir e o acordar está meio dormindo. que de repente tem a sensação que compreendeu o mundo e compreendeu o segredo da vida e do mundo. Mas tem consciência que está dormindo e que quer acordar. e a medida que vai caminhando para a superfície vai perdendo tudo e quando chega cá acima, já não tem nada e então, o que eu pensava era, como é que eu posso conseguir um estado parecido com esse, de maneira as coisas fluírem mais facilmente e então percebi que através do cansaço acontecia isso. As 2h-3h primeiras horas são perdidas, porque os seus mecanismos lógicos e a sua polícia política interior ainda estão funcionando.” Antônio Lobo Antunes, Portugal (2009).
“Eu lanço as minhas mãos na maquina, com a ambição que elas escrevam sozinhas. Eu procuro estar ausente dali. De preferência tomo dois whisks, ou não tomo, mas tento estar ausente dali, tentando me aproximar da escrita inconsciente. Depois eu pego aquele material e tento relacionar com tudo aquilo que eu sei.” Domingos de Oliveira, Brasil (2009).
“Eu uso a metáfora da escultura para indicar a necessidade de remover, mover e distruir parte da pedra para exibir a forma. Você realmente escreve por remoção. E o meu trabalho é o de apagar e não de escrever. Eu costumo dizer que qualquer um pode escrever. Que escrever é fácil. A arte está em apagar o que foi escrito”. Amós Oz, Israel (2007).
“O primeiro rascunho de um romance é sempre excitante. Mas depois… vira… matemática. Ah, acabo de descobrir que usei a mesma palavra, duas vezes na mesma frase… e ai vem… como faço pra não usar essa palavra duas vezes… e não parecer um amador… e pegar o ritmo das frases… então eu me divirto no primeiro rascunho, e ai tenho uma vida miserável durante o 2o, 3o, 4o, 5o, 6o… e lá pelo 7o… começo a me divertir de novo.” David Sedaris, EUA (2008).
“Você se lembra aquele poema que Cabral fez sobre Graciliano Ramos, aquela primeira quadra, eu acho que todo aspirante a escritor deveria ler, deveria ter essa quadra bem em frente. Que é mais ou menos assim. Escrevo somente com o que escrevo, com as mesmas 20 palavras, que giram ao redor do sol, que as limpam do que não é faca. Então você tem que começar a aprender a tirar tudo que não é gordura. porque há palavras que existem para não serem usadas. Advérbios, advérbios de modo… horríveis, né?! adjetivos. O Cortaz já dizia: os adjetivos, essas putas! E tentar escrever cada vez mais no osso e tirar tudo aquilo que não é faca, como diz o Cabral”. Antônio Lobo Antunes, Portugal (2009).
“Nem todos são capazes de escrever. De contar uma história. Alguns são capazes de fazer isso oralmente e uns outros poucos por escrito.” James Salter, EUA (2009).
“O meu trabalho como poeta é sempre uma descoberta. Eu, naturalmente, adquiri alguma habilidade, pela fato de muito escrever” Ferreira Goulart, Brasil (2006)
“Todos são capazes de contar uma história. E se você pedir a qualquer pessoa em uma sala que se levante e conte uma história da sua vida, ele provavelmente fará você arrepiar seus cabelos! Contar histórias é uma função humana natural, assim como o desejo de falar é uma função humana natural. É claro que que toma tempo organizar todas as palavras na página na ordem correta e todas essas coisas. E é claro que você tem que fazer isso. Mas pra que exagerar a dificuldade em fazer isso?! É uma função natural e espontânea, como falar, cantar, comer.” Hanfi Kureishi, Inglaterra (2003).
“É muito bom chegar num momento em que a gente conhece o ofício da gente. que a gente sabe o que a gente faz. É chegar na prancheta e não ter medo do tema, do que te encomendaram.” Angeli, Brasil (2004).
O Mapa da Mina
Eu descobri o CMAPs quase por acaso. Nesse mundo saturado de informação, a gente tem que dar um pouco de sorte de estar no lugar certo, na hora certa, quando alguém fala alguma coisa nova e interessante que você ainda não sabe.
No meu caso isso foi uma reunião no MEC sobre O MOODLE, há muitos anos, quando uma professora da Federal de Santa Catarina, Roseli Zen, falou dos mapas conceituais e do CMAP. Além de tudo, Rose é uma simpatia.
Um tempo depois, coordenando um curso de formação de professores a distância, foi a vez de entrar em contato com outra rosa, Rosita Edler, psicóloga que sabe tudo de educação e me ensinou tanta coisa. Ela e suas meninas escreveram um capítulo espetacular (Como eles aprendem, como podemos ensinar) no livro que lançaremos (algum dia) sobre EAD, falando de mapas conceituais.
A beleza dos mapas é, como quase sempre, sua simplicidade. Conceitos são organizados hierarquicamente e interconectados por ações e relações. Simples, não é? O problema está em identificar corretamente o que é um conceito, para poder identificar quais conceitos você quer utilizar e depois quais são as relações entre eles. É ai que nós, professores experientes, descobrimos que, na verdade, fazemos uma aula centrada em nós, em como nós aprendemos, e não no contéudo e na melhor forma de passar ele para os alunos.
Tem muita, muita, muita literatura sobre mapas conceituais. Mas eu ainda não encontrei um conjunto tão bom quanto o disponível no site do Institute for Human and Machine Cognition que tem um artigo espetacular sobre o que são mapas conceituais e um software também incrível para criá-los. É esse o kit básico que todo aluno que quer trabalhar comigo em atividades didáticas deve acessar e ler.
Mapas conceituais são uma tremenda ferramenta para dar mais consistência a qualquer disciplina que você queira ensinar. E como tudo, para que fique bom, precisa de energia. Dá trabalho. Mas o tesouro nunca tá na superfície, tem que escavar. Só é mais fácil com o mapa.
Projeto eBook de Biofísica
Ninguém aprende nada, muito menos pensamento crítico, sem conteúdo. Pensamento crítico pode ser o mais importante, mas primeiro, tem que vir conteúdo. Sim, temos a internet, mas precisamos de conteúdo de confiança, porque nossos alunos ainda não tem o critério aperfeiçoado para definir o que é e o que não é bom na internet.
Sim, temos livros e mais livros, mas eles tem um problema… os alunos acham os livros didáticos chatos. E sou obrigado a concordar com eles.
Confesso que… aprendi.
Como eu disse, há duas razões para trocarmos as provas por desafios (quizzes) de múltipla escolha. A segunda razão também é simples: Além de funcionar melhor, o quizz permite mais justiça na avaliação! Separar de verdade quem sabe de quem não sabe ou quem acertou por acaso.
A questão é simples de entender mas difícil de explicar (pelo menos para mim), já que envolve alguma estatística. É que apenas tentando muitas vezes, você vai conseguir escapar da sorte, de ter acertado ‘por acaso’, para saber se realmente aprendeu ou não.
O que eu vou falar agora é em grande parte baseado no que aprendi sobre A ‘lei dos grande números’ de Bernoulli (no livro ‘O andar do bebado’). Os estatísticos de plantão fiquem a vontade para me corrigir se eu estiver errado.
“Em certas situações de ignorância, nas quais as probabilidades dos diversos resultados poderiam ser inferinidas em princípio mas na prática eram desconhecidas, […] seria insano imaginar que poderíamos ter uma espécie de ‘conhecimento prévio’ ou a priori sobre as probabilidades. Deveríamos dicerní-las por meio da observação: dado que observamos um certo número de eventos, com que precisão podemos determinar as probabilidades subjascentes e com que nível de confiança?”
Essa é a forma como ele imaginou que o jovem Bernoulli teria imaginado um dos problemas que a teoria das probabilidades vigente (que tinha sido toda criada em torno de jogos de azar) não podia explicar. Outros estudiosos já haviam abordado essa questão anteriormente, e previsto que a precisão com que probabilidades subjacentes refletiriam os resultados reais deveria aumentar com o número de observações, em função das freqüências mais observadas. Até ai, tudo bem, até eu. O que Bernoulli conseguiu fazer e que ninguém antes tinha feito, foi colocar tudo isso em um teorema. O teorema dos grandes números de Bernoulli explica quantas observações são necessárias para que possamos estimar, com alta confiança, a probabilidade subjacente de um evento acontecer no futuro dado que aconteceu no passado.
É nesse método que se baseiam, por exemplo, as pesquisas de opinião para políticos. Dado que 60% da população prefere um candidato, qual o número de pessoas que deveríamos amostrar para estimar que o resultado da eleição (representará o conjunto real) que indicará a vitória desse candidato com 60% dos votos? De acordo com a primeira lei de Bernoulli, esse número é possível de ser calculado. E se nossa necessidade de segurança for baixa, digamos, permitirmos 5% de erro, esse número é até baixo (comparado com o tamanho de toda a população).
E foi ai que eu me toquei: é assim que poderíamos também avaliar nossos alunos! Na verdade, foi um pouco depois.
Modlinow ainda disse que, “na vida real, não costumamos observar o desempenho de alguém, ou de alguma coisa, ao longo de milhares de provas. Assim, enquanto Bernoulli exigia um padrão de certeza excessivamente estrito, nas situações da vida real, costumamos cometer o erro oposto: presumimos que uma amostra ou série de provas é representativa da situação subjacente, quando na verdade, a série é pequena demais para ser confiável.”
Isso se parece com alguma coisa que você conhece? Sim, justamente, com a avaliação através de provas bimestrais (ou prova final, ou qualquer variação dessas).
O problema é complicado e eu mesmo tenho que ler e reler sempre com muita atenção para, por um breve instante, compreender o que ele está dizendo (para dizer a verdade, só agora que estou escrevendo sobre isso, depois de ler várias vezes esse mesmo trecho, entendo um pouco mais).
O texto de Modlinow ajuda: “A concepção ou intuição equivocada de que uma amostra pequena reflete precisamente as probabilidades subjacentes é tão disseminada que Kahneman e Tversky lhe deram um nome: a lei dos pequenos números: um nome sarcástico para a tentativa de aplicar a lei dos grandes números a amostras pequenas.[…] Como em ações humanas nunca poderemos avaliar mais do que uns poucos eventos (ou anos) de sucesso ou fracasso de uma pessoa, jamais poderemos aplicar a lógica do teorema de Bernoulli, sob pena de incorrermos no erro dos pequenos números. Segundou Bernoulli, não deveríamos avaliar as ações humanos com base nos resultados”. É mais confiável julgarmos as pessoas analisando suas habilidades em vez de apenas o placar dos seus acertos e erros.”
A conclusão para mim é muito clara: jamais teremos tempo hábil para avaliar de maneira justa e eficiente a aprendizagem do aluno.
Pronto Mauro? É isso? Mais nada? Nenhuma proposta?
Na verdade tenho sim: não vamos mais avaliar o quanto o aluno aprendeu, mas vamos usar o que a neurociência tem mostrado que funciona: pequenos testes que ajudam o aluno a aprender enquanto estuda! A melhor coisa que podemos fazer é aumentar as oportunidades de auto-avaliação, ajudar o aluno a pensar sobre o conteúdo e desenvolver critério.
E quantas oportunidades temos que dar? Quantos exercícios temos que fazer?
Um monte! Quanto mais, melhor! Afinal, uns vão preferir um tipo de exercício, outros… outro.
Só que nao dá pra passar o dia todo preparando e corrigindo exercício não é? E ao mesmo tempo não dá pra deixar aluno sem resposta de exercício. Então nós TEMOS que passar para um método automatizado de correção. Que não tem problema nenhum!!!! Não é porque é multipla escolha e não discursivo, que é ruim. (aliás, é até bom que não seja, como você verá no próximo post). No final das contas, o discursivo não tem funcionado mesmo, porque nossos alunos estão tão ruim de conteúdo, e tão desacostumados com relatar e descrever coisas (e professores também), que, novamente, as provas discursivas são uma tortura para alunos e professores. Sem contar que, não se aprende NADA com a correção. E para ter um número grande de exercícios, precisaríamos ter uma equipe de assistentes. mas… nào temos, ai? E ai?! E porque não utilizar os próprios alunos?
Isso! O que era tarefa agora é estudo, e o que é a nova tarefa, é o que antes era estudar. É só transformar a concepção do exercício na tarefa. O principio é simples: ensinar é a atividade que mais te faz aprender! Transformar todos os alunos em professores é a melhor forma de fazê-los aprender! Cada um que viu o conteúdo, pode ter prestado atenção mais em uma coisa do que outra. Se interessado mais por uma coisa do que outra, ter ficado curioso mais sobre uma coisa do que outra. Isso leva cada um a preparar um exercício diferente. Mas na hora de testar o que aprendeu do vídeo, você tem uma ampla gama diversificada de exercícios para fazer. Só que pode voltar ao video, a aula, quantas vezes quiser. Pode tentar resolver o exercício também quantas vezes quiser. Seus pontos são acumulados de acordo com o seu desempenho, mas são tantos exercícios, tantas oportunidades de aprender, que qualquer nota ‘baixa’ é diluida. É uma grande saída!
De muitos para muitos
Na semana passada fizemos a mostra dos PACCE – Projetos Artísticos Científicos Culturais Educacionais dos alunos de Biofísica da UFRJ.
Um show de criatividade! Videos divertidíssimo, que atendiam a todos os critérios exigidos pelo professor: Eram originais (sem utilizar material de copyright), eram – uns mais outros menos – divertidos, eram digitais e ensinavam algum aspecto de biofísica.
Eu faria 5 destaques:
1 – Biosaga – O jogo da metástase – uma célula mutante caminha pelo corpo humano tentando disseminar o câncer, enquanto é combatida pelo sistema imune. Se quiser desenvolver a metástase, você tem que saber bioquímica e biofísica para obter energia e vencer os linfócitos e macrófagos. É simplesmente espetacular!
2 – O telejornal – misturando realidade e fantasia, esses alunos criaram notícias que ajudam a entender o papel e a função de macromoléculas. Genial é pouco!
Vá direto para a ‘Rebelião na matriz mitocondrial (3′ 09″ – Espetácular!!!) e Trânsito no tilacóide (4′ 03″ – Espetácular!!!) Um Lelec lec lec pra terminar porque ninguém é de ferro (5’ 20″)!
3 – O Bonde da Biofísica com o Funk da contração muscular. Sem palavras… o despolarização não vai sair da sua cabeça.
Vá direto para o clip (1’18”). Despolarizaaaaaando… Despolarizaaaaaando… Imperdível!
4 – O samba de Newton. elegante, bem cantado, bem tocado e divertido. Uma graça
5 – o Metano e o aquecimento global. Surreal e divertidíssimo. A paródia do aquecimento global vai conquistar você. Fique até o final para ver o Harlem Shake da vaquinha.
Esses e os outros vídeos estão funpage da disciplina no Facebook.
O sucesso dos projetos me mostram duas coisas: primeiro que eles funcionam como modelo de engajamento, motivação e trabalho colaborativo. Segundo que é possível um ensino que seja mais produtivo e aproxime o erudito do popular, a universidade da sociedade. E que comece a apresentar para os nossos alunos, novos modelos de ensino, e para nossos professores também.
Na universidade, ainda estamos presos ao velho modelo do ‘pouco para muitos’. Antigamente, lá nos gregos, o ensino era de poucos para poucos. Os professores e tutores eram poucos e transmitiam oralmente seus ensinamentos para, no máximo, 3, 4 pupilos. Depois vieram as universidades, o quadro negro, e ampliamos a nossa capacidade de comunicação em uma ordem de grandeza: o ensino passou a ser então de poucos para muitos (ainda que, vamos lá, nem tantos assim, uns 40-50). A EAD e a internet nos possibilitaram aumentar em algumas ordens de grandeza esses valores, de 30-40 para 400, 4.000, 4.000.000. É isso que fazem hoje o Coursera com seus MOOCs (Massive Online Open Courses), o KHAN accademy (com vídeos também em português) e o Almanaque da Rede no Brasil.
Mas ainda assim é ensino de poucos para muitos, de um professor para muitos alunos. Os nossos PACCE são a verdadeira revolução porque estão fazendo ensino de muitos para muitos! Eu explico melhor.
Todo mundo tem alguma coisa a ensinar. Ou um novo modo de ensinar alguma coisa. E que é mais fácil pra alguém em especial aprender.
Todo professor sabe disso. Os melhores, mais ainda: é impossível uma aula, por melhor que seja, agradar a todo mundo. Isso porque, como todo mundo sabe, a aprendizagem é um processo individual e como a opinião, cada um tem o seu. Os bons professores, além de carisma e conteúdo, tem um repertório de modos de explicar a mesma coisa para quem não entendeu (ou de acordo com a turma que se encontra na sua frente). Mas por melhor qu ele seja, seu repertório não é infinito. Assim como não é infinito o tempo de aula. Então… o professor, sozinho, nunca vai poder dar o salto quantitativo necessário para incluir a massa de pessoas em busca de educação.
Mas com o PACCE aumentamos não só o alcance das aulas: aumentamos as oportunidades de aprendizagem! Assim, um aluno pode aprender com um vídeo meu, uma coisa; e com um vídeo de um aluno meu, outra (que possivelmente não aprendeu com o meu vídeo, por melhor que ele fosse).
Temos que disponibilizar mais conteúdo e fazer esse conteúdo chegar a mais pessoas. É um desafio gigante! Mas infelizmente não é suficiente. Isso por que algumas coisas são, simplesmente, difíceis demais para aprender só com uma explicação, ou de um só jeito. Momentos de aprendizagem, essa é a inclusão! Ops, a solução.
Apropriação indébita
Eu sou muito emotivo, mas também sou muito apegado a regra. Sem ela, nao podemos ter o que Massimo Canevacci definiou brilhantemente hoje como a “imaginação exata”, aquela que produz coisas no mundo real. E por isso, quando torturam a regra, a minha regra, a ciência, eu ficou muito, muito incomodado. Não… Agora eu estou é puto mesmo!
Estou em Paraty em um evento organizado para refletir os caminhos para o futuro do Brasil. Super ‘selecionado’, supostamente, com a nata da intelectualidade brasileira, capaz de propor esses caminhos. E o que eu vejo e ouço? A apropriação indébita, incorreta e inconsequente de conceitos biológicos pelos cientistas sociais.
A biologia evoluiu muitíssimo nas últimas décadas. Especialmente a biologia evolutiva e a neurociência, com base nas técnicas de manipulação genética e celular. Isso proporcionou o acúmulo de um amplo e sólido corpo de evidencias biológicas, capazes de explicar comportamentos humanos. E por isso a ciência, ainda que distante da sociedade, se tornou fundamental para validar critérios e acreditar opiniões.
Então, intelectuais de ‘Meia cultura e falsa erudição’, como disse Ina Von Binzer ainda no Séc XIX, se apropriam de conceitos poderosos como gene, DNA, neurocientífico, significativo… até epigenética, para corroborar ideias, opiniões e pré-conceitos sociológicos, antropológicos, pedagógicos… insustentáveis!
“A ciência mostrou isso! Vamos falar de neurociência: está tudo lá na mitocondria! O Neguinho da Beija-Flor tem 70% dos seus genes brancos. A raça se consolida com a cultura! “
Pelo amor de Darwin! Como pode um psicólogo falar tantas besteiras em uma frase só?! A neurociência está na moda, no Brasil e no mundo, com todas as coisas bacanas que pessoas como Stevens Rehen, Suzana Herculano e Miguel Nicolélis fazem. Aí o cara resolve colocar ‘neurociência’ na apresentação dele. Só que ele não sabe nada disso! E nem da pesquisa do famoso geneticista mineiro Sérgio Pena, que usa genes mitocondriais para determinar ancestralidade (já que herdamos as mitocôndrias apenas de nossas mães, geração após geração). Só que o objetivo dessas pesquisas é justamente mostrar que a genética não sustenta o conceito de raças, que duas pessoas brancas podem ter mais diferenças entre os genes que um branco e um negro.
“A nova ciência da epigenética provou que o ambiente é mais importante que os genes para determinar a felicidade das pessoas”
Eu não acredito na humildade como força modificadora e acho que um dos ingredientes mais importantes do sucesso é saber reconhecer a diferença entre o que se sabe e o que não se sabe. Eu já ouvi falar tanto de Paulo Freire que sinto como se o conhecesse, mas a verdade é que li apenas um livro seu e não me considero capaz de falar em seu nome.
Então, por favor, estudem antes de falar dos genes. É difícil, eu sei. Como disse Domenico de Masi hoje “imparare è sempre faticoso” (aprender é sempre cansativo). Mas isso não justifica ou autoriza a apropriação indébita.
O 'Mainframe' da vida

As vesículas dobradas estão presentes em células de todos os tamanhos e idades. Os grânulos são principalmente compostos de proteínas antimicrobianas, que são despejadas na hemolinfa durante um desafio, e depois para evitar uma nova invasão, do mesmo jeito que anticorpos depois de uma infecção.
Raramente escrevo aqui sobre o meu trabalho. Poderia mentir, dizer que é modéstia ou alguma coisa assim, mas não é. Acho que o que eu faço no laboratório, pelo menos até hoje, não dava uma boa história. Acho que isso nem é verdade, mas sabe como é: casa de ferreiro, espeto de pau.
Mas essa semana publicamos um artigo… lindo! Mas lindo mesmo! Do jeito que dá orgulho de ser cientista. Fizemos tudo direito: o desenho experimental foi correto, os dados foram bem coletados, fizemos a análise correta e uma discussão inovadora.
Tão inovadora que… o revisor disse que ela era especulativa demais. Mas até nisso esse artigo funcionou: o revisor, que muitas vezes pode ser um idiota (veja aqui essa satira incrível de Hitler reclamando do terceiro revisor – se você não é cientista, talvez não se divirta tanto), foi sensacional: nos apontou na direção correta e, depois de bater a cabeça por um mês (as vezes na parede, as vezes nos pulsos uns dos outros) fizemos um artigo muito, muito bom.
“o parágrafo final é perfeito”. Gente… tenho só 40 anos e já vivi o suficiente para ouvir um revisor dizer isso!
Mas sobre o que é esse artigo que estou falando tanto, que me fez ir até o meu currículo Lattes e apagar uma estrela antiga para poder dizer que ‘esse’ é um dos meus 5 artigos mais importantes?
Eu poderia dizer, corretamente, que é sobre o sistema imune de ostras. Mas ai você poderia dizer, mas e eu com o sistema imune de ostras? Elas são uma delícia com sal e limão, e isso é que importa!
Bom, eu tenho que concordar que elas são uma delícia. Mas isso não desmerece o sistema imune delas. Os bivalves são um dos grupos animais com maior número de espécies. Ocupam todos os mares, rios e lagos. Alguns, como o mexilhão dourado, são pestes, invasores extremamente vorazes e eficientes. Isso, vivendo em um ambiente hostil: concentração de bactérias e vírus na água chega a 10ˆ6 e 10ˆ9 por mililitro!
E como elas conseguem ser tão eficientes, em ambientes tão diferentes quanto hostís? Uma das respostas é: com um bom sistema imune!
E quando eu falo em sistema imune você já pensa logo em anticorpos, linfócitos, imunoglobulinas… mas não, esses animais são muito anteriores ao sistema imune adaptativo dos mamíferos. Eles só possuem sistema imune inato. E que se resume a, e essa foi uma das nossas descobertas, um tipo de célula apenas! Só que essas bichinhas são sinistras! Fagocitam bactérias, metralham elas com espécies reativas de oxigênio e, pra garantir que elas não apareceram mais, disparam peptídeos anti-microbianos dos seus grânulos na hemolinfa do bicho. Se você for biólogo e entender de imuno, posso dizer em um linguajar mais técnico: desgranulam igual macrófagos!
E isso é que é o bacana. Apesar de não terem o sistema imune adaptativo que nós temos, nós temos o sistema imune inato que elas tem. Verdade, nós produzimos apenas um poucos tipos de defensinas, enquanto elas produzem um monte. É é justamente o estudo dessas proteínas de defesa que tem mostrado, por um lado, o que pode ser a origem do sistema imune adaptativo, e de outro, toda uma estratégia para combater as bactérias resistentes a antibióticos.
E você que pensou que elas serviam apenas para petiscos…
Nosso laboratório estuda isso: as relações entre os genes dos organismos e o seu ambiente, e como isso pode nos ajudar a resolver problemas ambientais e de saúde humana. Ou, como disse lindamente a professora Claudia Lage quando leu o texto: “Adoro esses estudos que mostram o ‘mainframe’ da vida”.
Eu também!
Rebelo, M., Figueiredo, E., Mariante, R., Nóbrega, A., de Barros, C., & Allodi, S. (2013). New Insights from the Oyster Crassostrea rhizophorae on Bivalve Circulating Hemocytes PLoS ONE, 8 (2) DOI: 10.1371/journal.pone.0057384
Onde está o cientista?
O carnaval está terminando e eu ainda não fiz o meu post sobre a(s) folia(s).
Eu ia falar, como todo ano, pra todo mundo usar camisinha, mas esse ano tenho um babado mais forte (mas por via das dúvidas, acabo de escrever um post curtinho e bonitinho falando pra todo mundo usar camisinha).
Eu vou chegar no babado forte, mas queria começar com essa foto clássica de Albert Einstein. Quando ele mostrou a lingua para o paparazzi que o estava atormentando no dia do seu 72o aniversário, acho que não pensou que estaria fazendo um desserviço a ciência. Ele só queria ser deixado em paz e quando o fotografo pediu para ele sorrir, botou a lingua pra fora. Mas acabou se tornando um símbolo da estranheza dos cientistas. Se juntou a tantas outras histórias, mais ou menos verídicas (como a que Einstein tinha apenas ternos iguais assim não precisaria se preocupar com o que vestir e podia utilizar a sua mente brilhante para coisas mais importantes), de como os cientistas são estranhos.
Quando comecei esse blog em 2005 um dos meus objetivos era justamente lutar contra essa imagem esteriotipada do cientista, que infelizmente persiste até hoje. Não que tenha algum problema ser estranhos. E é exatamente esse o ponto: de médico e louco todo mundo tem um pouco! Só que parece que os cientistas tinha mais de louco e isso foi afastando as pessoas, principalmente os jovens, da ciência. E isso não é bom. Principalmente porque não vejo nenhuma foto mostrando o quanto o Silas Malafaia é estranho (e perigoso) e quando 80% dos meus alunos de ciências biológicas se dizem evangélicos.
Ainda que muitas pessoas reclamem do seriado The Big Bang Theory justamente porque ele aumentaria esse esteriótipo, eu discordo. TBBT humaniza os cientistas, que tem suas estranhices esteriotipadas, mas tem problemas iguais aos de todo mundo e, ao contrário do Mackgiver, não são problemas que a ciência possa resolver.
Cientistas, principalmente os cariocas, gostam de cerveja, praia, futebol e carnaval. Entre outras coisas e não necessariamente nessa ordem. E estão em todos os lugares que as outras pessoas estão. Até no melhor bloco de rua do carnaval do Rio, a Orquestra Voadora. Você consegue encontrar o cientista?
Abre parênteses: Só temo que, se conseguir, acabe por confirmar o esteriótipo. Mas não me leve a mal, é carnaval! Fecha Parênteses.
Fazer ciência é legal!
Capacete no Canário
Todo ano, no carnaval, escrevo um post sobre a(s) folia(s).
E todo ano ele é um lembrete para sair de casa com camisinha. Qualquer que seja sua fantasia.
Mas o carnaval esse ano foi empenhativo e eu não consegui escrever. Mas não tem problema, porque esse lembrete é importante o ano todo. Então, passo adiante o depoimento do MEU bloco preferido: Capacete no canário!
Para vencer a astrologia
Em 1990 eu estava no segundo ano da universidade quando fui pela primeira vez a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Era o meu primeiro Encontro Nacional de Estudantes de Biologia (ENEB). Fui com Milton Moraes, hoje coordenador da pós-graduação da Fiocruz e mais uma galera da Bio UFRJ. Ninguém sai impune de um ENEB e eu certamente não sai. Fui a todos os outros durante toda a minha graduação (e alguns depois dela também). Fiz ali amigos para o resto da vida como minha querida Nádia Somavilla, que então era aluna de Biologia da Universidade Federal de Santa Maria. ‘Dançando Lambada’, do Kaoma, era o hit do momento (em todo o mundo) e eu lembro super bem de tantas coisas desse evento, que é de questionar se tudo que eu li esse ano sobre a fugacidade da memória é verdadeiro. Dormíamos no chão das salas de aula e o banho era frio, mas ali vi o Carlos Minc falar pela primeira vez e descobri o que era o movimento estudantil. Além, é claro, do Carimbó, com a sempre marcante delegação da UFPA. Lembro até de dirigir o FIAT UNO do Milton pelo campus, o que só aumentou hoje a minha surpresa, ao voltar a UFRRJ, quando me deparei com o belíssimo campus da universidade. Fui a convite da minha amiga, a jornalista e professora Alessandra Carvalho, falar sobre divulgação científica, dividindo a mesa com a também jornalista Eveline Teixeira, da Universidade Federal do Mato Grosso.
Eu não preciso de muito estímulo pra ir falar do meu blog. Principalmente agora que posso levar meu livro a tira colo. (fique até pensando, depois, se tinha alguma estória do ENEB no livro, mas acho que não. Ou será que falei daquela gaúcha de 1,90m da UFRGS que dançava lambada de mini-micro saia?) Mas quando cheguei lá, no cair da tarde, a beleza dos pastos e dos prédios me impactou.
Talvez por isso, apesar de ter falado bem (no sentido de conseguir dizer tudo que tinha pra falar), respondi pessimamente a melhor pergunta que foi feita na tarde. A pergunta era tão boa, que eu pedi para a Eveline deixar eu dar um aparte, mas como diria a minha irmã, eu sou daqueles caras que tem a resposta perfeita para um discussão, 2h depois dela ter acabado. A pergunta de um rapaz foi: “Todos os grandes jornais do Brasil e do mundo tem páginas e seções de horóscopo. Mas quase nenhum (mais) tem de ciência. Todos querem saber de astrologia e ninguém quer saber de astronomia. Por que perdemos tantos espaço para o esoterismo (hoje acertei Daniela Peres – na semana passada havia escrito esoterismo com ‘x’) e como podemos recuperar esse espaço?”
Essa pergunta está na raiz do problema! Ela é a principal razão pela qual precisamos divulgar ciência. A resposta da Eveline foi boa, mas foi padrão: “porque a ciência é difícil, está longe da vida das pessoas, enquanto o horóscopo… quem não quer saber se vai encontrar o amor da sua vida?”
Mas eu acho que não é só isso. Quer dizer, SEI que não é só isso. Não é a questão da dificuldade. Aprendi que as pessoas, as normais, não NERDS, só gostam e só se interessam por histórias. De preferência com outras pessoas. E é por isso que as pessoas gostam tanto de astrologia. Não, não tem nada a ver com astros, planetas, mapas, modelos malucos com cálculos absurdos: tem a ver com pessoas. Como se comportar em relação a você e em relação as pessoas a sua volta. Nada prende mais a nossa atenção do que isso!
E ai cometi a grande gafe: disse pro rapaz que não havia nada que pudéssemos fazer e que dificilmente ganharíamos da astrologia. A ciência é efetivamente muito difícil e está se afastando cada vez mais da escala das coisas que interessam as pessoas, para escalas, astronômicas ou moleculares, que pouquíssimas pessoas entendem.
E foi só duas horas depois, dirigindo, voltando para o Rio, que eu vi o quão errada foi a minha resposta. Caramba, toda a minha luta, método de trabalho, textos no blog, livro, é pra mostrar que SIM! A ciência não só pode ser interessante como ela É mais interessante que a astrologia. E SIM (!!!) nós vamos vencer o horóscopo! Fiquei tão empolgado que perdi a saída para a linha vermelha e fui parar dentro de Caxias.
O problema dos cientistas é que tiveram que estudar tanto para se super-especializarem nos seus assuntos, que criaram uma forma de transmitir conteúdo bastante prática, porém pouco intuitiva. Os artigos científicos tem tudo que precisamos saber de forma prática e segura. Mas fria e monótona. Só estudantes e profissionais altamente motivados (e eu garanto para vocês que o estresse de uma tese é um excelente fator motivador) conseguem superar a chatice dos artigos científicos (e do papo dos cientistas também).
Quando um cientista conta uma história… bem… é esse o problema: o cientista NUNCA conta uma história. Ele sempre transmite informação, mas nunca conta uma história. Só que a história é a melhor forma de transmitir informação! Não é a mais eficiente (como o artigo científico) mas é a mais eficaz! Quem ouve uma história, aprende alguma coisa. Já quem estuda um artigo… pode aprender se não pegar no sono antes.
Só que a história não é mais intuitiva ‘por que sim’. Ou ‘por acaso’. É ciência! Nosso cérebro foi programado pela evolução para interagir com outros seres humanos e tirar a maior vantagem reprodutiva possível. Em um mundo de coisas palpáveis. O nosso cérebro, capaz de linguagem, arte e música, é a nossa ‘cauda de pavão’: o instrumento de sedução mais eficaz criado pela natureza até hoje. E porque você nunca ouviu falar disso? Bom, primeiro porque está lendo horóscopo ao invés de livros como ‘a rainha vermelha’, ‘a mente copuladora’ e ‘a guerra dos espermatozóides’. Ou ‘A verdade sobre Cães e Gatos’. Mas também porque mesmo os hábeis autores desses livros, apesar de contarem muito bem a história da ciência e dessas descobertas, não conseguem criar histórias com o que se descobre dessa ciência. E ai… a comunicação da ciência fica capenga.
Vocês já ouviram a sinfonia 25 de Mozart? Ou o ‘Inverno’ de Vivaldi? São duas obras primas que foram, obviamente, compostas pensando em sexo! Elas tem todo o ritmo de uma relação sexual perfeita! Já pensaram em um livro que conte a história da criação dessas duas músicas maravilhosas, inspiradas por mulheres por quem eles tinham um desejo incrível, subsidiadas pela anatomia e fisiologia da mente humana, evoluída desde os primatas para seduzir parceiros sexuais? Seria um best seller!!! Ia virar filme em Hollywood!!! Acho que vou até escrever esse livro 🙂
Então me deixem responder pro rapaz novamente: “Contando histórias! Nós vamos ganhar da astrologia contando histórias!”